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EXPOSIÇÕES ATUAIS


“The Girl of the Golden West” (2004), Vasco Araújo. Vista da projecção. Fotografia: Susana Pomba.


Capita (2012), Vasco Araújo. Instalação. Fotografia Digital a Cor. Fotografia: Susana Pomba.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


Retrato [Portrait] (2014), Vasco Araújo. Vista da projecção vídeo. Fotografia: Susana Pomba.


Retrato [Portrait] (2014), Vasco Araújo. Vídeo 16/9, 17’04’’. Still do vídeo.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


Vista da exposição. Fotografia: Susana Pomba.


"É nos sonhos que tudo começa" (2014), Vasco Araújo. Vista da exposição. Fotografia de Susana Pomba.


"É nos sonhos que tudo começa" (2014), Vasco Araújo.

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ARQUIVO:


VASCO ARAÚJO

DEMASIADO POUCO, DEMASIADO TARDE




CENTRO INTERNACIONAL DAS ARTES JOSÉ DE GUIMARÃES
Avenida Conde Margaride, nº 175
4810-535 Guimarães

25 ABR - 05 JUL 2015


 

"- O que interessa é nós gozarmos. Ela não conta."
É nos sonhos de tudo começa (2014), Vasco Araújo

 

 

 

Vasco Araújo (1975, Lisboa) apresenta sob o título “Demasiado pouco, demasiado tarde” um conjunto de obras que problematiza as questões do colonialismo num contexto crítico pós-colonial, no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), em Guimarães.

 

Considerando que a missão das instituições museológicas no século XXI passa por documentar, analisar e reflectir sobre os objectos artísticos da sociedade em que se inserem, o feliz encontro, promovido pelo curador da exposição e director do CIAJG Nuno Faria, entre o artista Vasco Araújo e a colecção de arte africana do artista José de Guimarães é um modo pertinente de indagar e discutir a própria colecção do museu e questionar o papel e a autoridade dos museus etnográficos na pós-colonização. Admite-se, em grande medida, que sendo o colecionismo um reflexo da sensibilidade, da história e do gosto do seu colecionador. Neste sentido, as colecções dizem muito mais sobre o próprio colecionador que sobre a realidade que tenciona condensar. O mesmo argumento pode ser utilizado em relação aos artistas contemporâneos que tratam que assuntos que só aparentemente não são os deles. Vasco Araújo, nascido e criado em Lisboa, sem uma relação familiar a África, nem aos retornados, quando assume o papel do “outro” negro, nas obras da primeira sala, intituladas “Capita” (2012) reflecte bem mais sobre a história ocidental e a posição política na colonização, na descolonização e na contemporaneidade, do que propriamente sobre o “outro”. Na sua origem latina a palavra capita é oriunda da palavra caput, ou seja, cabeça, principal ou dominante. A escravatura pode ser vista como uma das primeiras formas de capitalismo, já que se relaciona com o poder e a riqueza, sob a forma da compra e venda de escravos na antiguidade clássica. Ao se mascarar de mulher negra ou homem negro, que se deixam fotografar dependurados numa caixa fotográfica, o artista legitima o seu trabalho e a sua posição ao questionar o papel dos poderes institucionais do ocidente e as suas posições na contemporaneidade. Desde modo, também, se torna evidente questionar a papel da arte contemporânea ocidental, ao indagar os poderes instituídos na formação de um outro paradigma, que não passe pelo óbvio binário “eu” e o “outro”. Talvez como refere Donna Haraway em “‘Gender’ for a Marxist Dictionary: The Sexual Politics of a Word”: “Pelo contrário, três serão sempre reduzidos a dois que logo se tornam um solitário um na vanguarda. E ninguém aprende a contar até quatro. Essas coisas têm importância política.” Se por um lado os museus historicamente tentaram captar um único ponto de vista (ocidental) como a forma correcta do conhecimento, caberá à arte contemporânea a multiplicação de pontos de vista na genuína esperança de criar uma verdade não dogmática que seja construída a várias vozes. Não para que possa agradar a todos, mas para que através das suas imperfeições e imprecisões, o conhecimento seja uma forma de discutir e de negociar realidades muitas vezes dispersas e conflituosas.

 

O discurso pós-colonial do caso português tem encontrado diversos entraves à sua proliferação científica – História, Sociologia, Antropologia –, bem como nas manifestações artísticas – Artes Plásticas, Cinema, Literatura. Se a história presente ainda se apresenta com feridas bem abertas e sensibilidades em conflito emocional, este pode ser o espaço preferencial para que a discussão se adense no meio artístico contemporâneo. E é nesta periclitante fissura que Vasco Araújo tem vindo a investir o seu foco, num âmbito mais alargado sobre o problema das identidades colectivas e individuais, nomeadamente: de género, sexuais e culturais. “The Girl of the Golden West” (2004) é primeiro vídeo da exposição e o primeiro trabalho que o artista produz nesta temática. Baseado na ópera de Giacomo Puccini “La fanciulla del west”, o vídeo apresenta uma mulher negra – Esther Kyle – a narrar, segundo o ponto de vista dos direitos humanos, uma história fictícia sobre as relações de poder entre as diferentes identidades culturais intervenientes. A intensidade emocional confronta o público numa confusa relação identitária, em que as dúvidas se adensam sobre as culturas e sobre a sociedade.

 

A sala central da exposição acolhe uma série de textos sobre tecido com estampagem de folhagem exótica, intitulados “É nos sonhos que tudo começa” (2014). Ao centro da sala encontra-se uma mesa de madeira, tipo imperial, intitulada “O inferno não são os outros” (2015). Em ambos os trabalhos a linguagem textual está no cerne da discussão. Os textos retirados e adaptados dos romances “Yaka” (1983) de Pepetela e “Cadernos de Memórias Coloniais” (2009) de Isabella Figueiredo reflectem sobre a culpa e as memórias de um passado, demasiado recente ao descrever explicitamente as relações de poder sexual entre os colonos e os colonizados. As inebriantes estampagens da flora exótica dos tecidos decorativos de “É nos sonhos que tudo começa” dificultam perspicazmente a legibilidade dos textos violentos, apresentando-se como eficazes dispositivos de exposição da vida privada. Este tornar público de algo tão íntimo e violento, como a violação ou o amor, revela-se demasiado angustiante para o espectador, mesmo o mais desatento, porque encantado com tais folhagens exóticas é confrontado com o que a história ainda não pode contar. Em “O inferno não são os outros” esta confrontação clarifica que a linguagem textual não podia ser aligeirada a fim de inocentar os seus agressores. Sob a mesa encontramos esculturas decorativas africanas dependuradas e com subtis pingos vermelhos. Sobre a mesa, lugar de discussão privada, mas também de decisões políticas, o texto reflecte sobre o medo que devemos ter, não da figura do “outro” desconhecido, mas sim sobre o limite das nossas (ocidentais) próprias decisões e acções. Neste sentido, o privado torna-se político, porque ele determinará o modo como vemos e agimos na relação com o que não se adequa aos dogmas presentes em vigência.

 

A exposição termina com “Retrato”, um vídeo seminal para o entendimento da posição intermitente que tem vindo a acompanhar o trabalho de Vasco Araújo. As imagens de uma casa com história vivida transportam o espectador para a vida de uma possível família através da reprodução de retratos do pintor de Eduardo Malta e de imagens de objectos, esculturas e lugares que povoam a casa aparentemente sem vida quotidiana. As personagens dialogam sobre a sua intimidade em jogos de poder e sedução na sua relação com o “outro”. Nestes subtis diálogos encontram-se as memórias de amor e ódio de um passado nostálgico e desprezível. Nestes sentimentos contrários revela-se uma multiplicação de estados emocionais muito próprios a uma história recente que ainda mantém à flor da pele as reações dos seus protagonistas. Contudo, o artista não envereda pelo caminho mais fácil a de uma representação inequívoca, mas sim pelo caminho sinuoso e conflituoso de argumentos espontâneos e reativos de uma realidade ainda por explorar. Na conferência/conversa com Nélia Dias, Isabel Carlos, Inês Valle, Vasco Araújo, José de Guimarães e Nuno Faria, que antecedeu a inauguração, a professora do ISCTE Nélia Dias refere que a obra do artista utiliza um “exotismo estratégico”, em que ao se apropriar-se dos códigos de representação, tem como objectivo a subversão e o desvendar do potencial de desigualdade. Neste sentido, pode-se afirmar que o artista não está interessado no apaziguamento como forma esconder as querelas que se instalaram. Está sim interessado em promover a discussão alargada para um desentendimento que instaure uma identidade colectiva mais promissora através da diferenciação entre os diversos povos que a compõem. Isabel Carlos, directora da CAMJAP – FCG, referiu que a crueldade de um corpo doente na obra de Vasco Araújo é um modo de cruzar e inverter os lugares.



A obra “O Jardim” (2005) está instalada junto às obras da colecção do acervo do museu. O vídeo, filmado no Jardim Colonial de Lisboa, edificado em 1906 e utilizado para albergar a fauna e a flora (onde se incluíam os nativos africanos e sul-americanos) para a exposição do Mundo Português em 1940, actualmente nominado com Jardim Tropical, utiliza excertos dos textos da “Ilíada” e da “Odisseia” de Homero. Neste trabalho vislumbra-se a questão sobre a legitimidade e a autoridade do artista quando se camufla no papel do “outro”. Os retratos e as histórias destes “outros” funcionam como um espelho onde se reflectem os sentimentos e o conhecimento de quem olha e da forma como o faz. É através deste olhar minado pelos nossos preconceitos que o artista tão bem estabelece um conflito em potência, em que somos obrigados a incluir a história dos “outros” e reconstruir a nossa própria história.

 

 

Hugo Dinis 

 

 

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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

 

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[As fotografias das vistas desta exposição são da autoria de Susana Pomba e podem ser encontradas aqui: Miss Dove]

 

 

 



Hugo Dinis