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JULIAN ROSEFELDTMANIFESTOSTAATSGALERIE STUTTGART Konrad-Adenauer-Str. 30 - 32 70173 Stuttgart 16 DEZ - 14 MAI 2017
Quando ouvimos a palavra Manifesto, cada um provavelmente associa a uma diferente pessoa ou entidade, seja ela um artista, um filósofo, um político ou um qualquer pensador. Poderemos também relacionar a um movimento artístico ou uma proclamação, uma carismática doutrina ou, naturalmente, a um discurso ou ideologia política. Hoje em dia não podemos afirmar que é fácil encontrar ou identificar muitos manifestos por parte de individualidades. No entanto, temos seguramente infindáveis “declarações” que acabam por surtir um efeito tão ou mais significativo e influente que muitos Manifestos que reconhecemos como tal. Tivemos muito recentemente um extraordinário projeto artístico de Julian Rosefeldt, precisamente intitulado “Manifesto”, que foi pela primeira vez apresentado em 2015 no Australian Centre for the Moving Image em Melbourne, na Austrália, e que eu tive a oportunidade de ver no Park Avenue Armory em Nova Iorque no passado mês de dezembro. Julian Rosefeldt nasceu em 1965 em Munique, na Alemanha. O seu trabalho é principalmente constituído por opulentas vídeo instalações e filmes, que na maioria das vezes são apresentados na forma de projeções multicanal. A galeria que representa o artista é a Barbara Gross Gallery em Munique. Rosefeldt é representado em imensas coleções por todo o mundo, do qual são exemplo o Australian Centre for the Moving Image em Melbourne, o Deutsch Bank de Frankfurt, a Fundação Elipse em Cascais, Fundación Helga de Alvear em Cáceres, The MoMA e Jill e Peter Kraus Collection em Nova Iorque, a The Saatchi e UBS Collections em Londres e pelo menos mais 15 outras distintas coleções pelo resto do mundo. Desde 2001 que o artista tem recebido diversos apoios e nomeações para a produção de filmes e vídeos e para projetos de teatro e música em orquestras. “Manifesto” é uma instalação composta por 13 filmes multicanal onde Rosefeldt presta homenagem à tradição do belo literário dos Manifestos escritos por artistas ao longo da nossa história, questionando em última análise o papel do artista na sociedade contemporânea. Há algo absolutamente extraordinário nestes filmes, que é o desempenho artístico da atriz Cate Blanchett que encarna diferentes personas em doze dos treze filmes (um dos filmes trata-se de uma introdução da série sem representação). Os papéis desempenhados por Cate Blanchett são magníficos, as personagens escolhidas pelo artista mudam radicalmente de filme para filme e o trabalho de reprodução da ideia é desempenhado pela atriz de forma irrepreensível; Blanchett habita diferentes personas – entre elas, uma professora de escola primária, um manipulador de marionetas, uma jornalista de diretos num canal televisão, um trabalhador de uma fábrica ou ainda um mendigo, imbuindo uma renovada vida a simultaneamente famosas e menos conhecidas palavras dos manifestos clássicos, criando este Manifesto visual contemporâneo com inesperadas encenações em imprevistos contextos. O Manifesto de Rosefeldt é desenhado com base em escritos dos Futuristas, dadaístas, artistas do Fluxus, Suprematistas, Situacionistas, Dogma 95 e outros grupos, de tratados de artistas em nome individual, arquitetos e cineastas. Através da sua lente, ele cita ideias de Claes Oldenburg, Yvonne Rainer, Kazimir Malevich, André Breton, Sturtevant, Sol LeWitt, Jim Jarmusch, entre outros. Rosefeldt editou e readaptou treze colagens destes influentes manifestos e criou um trabalho único e de inquestionável interesse e pertinência. O guião de cada filme, reescrito e agregado pelo artista, de certa forma expressa os pensamentos que acreditamos serem os seus: quando Rosefeldt questiona a arte, o objeto artístico e os conceitos por trás dessa criação. Ao citar perto de cinquenta manifestos, o artista esta a desenhar, naturalmente, o seu próprio manifesto, levantando questões e eventualmente preocupações pessoais enquanto artista contemporâneo. Pensamentos como “nada é original”, “ideias podem ser objetos de arte”, “eu sou pela arte que traduz as suas formas através das linhas da própria vida”, são proferidos por vezes de forma monocórdica em plano frontal pelas personagens encarnadas pela atriz Cate Blanchett, expressando os ideais e dogmas do século XX. No entanto, e apesar desta complexa construção, questionamo-nos qual é o verdadeiro guião e Manifesto do artista Julian Rosefeldt; através deste trabalho entendemos e depreendemos as suas reflexões com as citações que escolhe, mas, qual é o seu, nas suas palavras? Não chegamos a saber. Podemos seguramente adivinhar. Eu pessoalmente gostaria de ter o guião original do artista, escrito com as suas próprias palavras. De qualquer forma, ele acaba por nos dar essa informação, com as escolhas que faz, sejam elas estéticas nas atmosferas dos filmes ou com as frases que por fim são pronunciadas e encenadas pela atriz, e faz-nos, de forma muito eficaz, questionar e pensar sobre o conceito ou múltiplos conceitos que temos sobre arte assim como do mundo artístico. Depois de ver a instalação, e visionar todos os filmes, procurei o catálogo da exposição, algo que raramente faço pois, felizmente, hoje em dia conseguimos aceder a toda a informação que necessitamos online sem adicionar custos extra a essa pesquisa. Mesmo assim, comprei o catálogo, o meu primeiro em todo o ano de 2016. Para comprar o catálogo dirigi-me à loja do espaço, onde me deparei com uma curiosa secundária exposição. Dispostos numa longa e imponente mesa clássica de madeira estavam à venda lápis, sacos de rafia, chávenas, bases para copos e outras bugigangas, numa lógica de souvenir, com frases impressas de alguns dos Manifestos mais sonantes. Com a finalidade de satisfazer a minha curiosidade, perguntei à senhora da caixa se a ideia era do artista, ao que ela respondeu, que não. O catálogo efetivamente tinha sido produzido pelo artista, mas o merchandising era da autoria do Park Avenue Armory. A escolha das citações foi inquestionavelmente bem feita e, se pensarmos bem, a ideia não é de todo disparatada. Estamos mais que habituados a ver obras primas estampadas em souvenirs, o que não implica que a minha experiencia artística, até àquele momento surpreendente, se tenha tornado menos arty. Finalmente, tenho que citar uma menção de um crítico do New York Times no mês de dezembro acerca desta exposição, que arrisca questionar também, e com toda a legitimidade, a criação artística: “Enquanto objeto de arte, Manifesto, conforma-se talvez demasiado com o gosto dos dias de hoje, da obra de arte pública, de elevado orçamento, grande escala, e na tendência do espetáculo; embora seja cuidadosamente forjada, provocadora, elucidativa e na sua amplitude, agradável.”. Quanto a isto, eu tenho que deixar um pensamento em formato de interrogação; não será eventualmente verdade que os artistas, todos eles, desde que começaram a criar objetos de arte, se conformaram e entregaram, por períodos nas suas carreiras, a uma estética comum, e não obstante, ditaram dessa forma movimentos artísticos que hoje identificamos como parte da construção da nossa história de arte?
[IG: aloversdiscourse]
Atualmente Manifesto pode ser visto até 14 de Maio de 2017 em Estugarda na Alemanha, na Staatsgalerie Stuttgart; em Paris no Palais des Beaux-Arts de 24 de Fevereiro a 20 de Abril.
Manifesto by Julian Rosefeldt (Official International Trailer HD)
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