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VEIT STRATMANNLUMIAR CITÉLUMIAR CITÉ - MAUMAUS Rua Tomás del Negro, 8A 1750-105 Lisboa 13 NOV - 30 JAN 2022
A única forma possível de escrever sobre a mais recente exposição de Veit Stratmann na Lumiar Cité seria não escrever nada: deixar linhas em branco até ao fundo desta página. Na impossibilidade de o fazer - ou na vontade instintiva de ter algo para dizer – peço que imagines um espelho. Na imagem mental que construíste, o que é que vês? Uma reflexão nula, impossível? Ou a tua própria imagem refletida, aprisionada? Se imaginaste a primeira hipótese estás perante uma impossibilidade: quer queiras ou não, perante o espelho é sempre a tua imagem que é refletida. Para o olharmos de frente temos que nos ver a nós próprios: é esta a armadilha da reflexão (visual ou mental). A exposição de Veit Stratmann é essa armadilha. A galeria está vazia, à parte de 8 espelhos colocados em algumas das vidraças que nos permitiriam contemplar o exterior. A dialética espelho/vidro parece operar numa lógica de adição e subtração: a vidraça adiciona à galeria, permite perceber o diálogo possível entre a tijoleira, o elemento estrutural do espaço, em sinal de aparente construção, e os prédios compostos com um mesmo tijolo, ainda que polido, acabado, no exterior. O espelho, no entanto, interrompe-nos a visão: vemo-nos a olhar, somos subtraídos, colocados no espaço que ocupamos. Poderíamos inferir que ver a exposição do exterior da galeria seria igual: tendo em conta a sobreposição dos espelhos ao vidro, conseguiríamos percecionar o mesmo efeito. No entanto, olhar em redor, no espaço da galeria, é ver a nossa imagem cercada, num espaço fechado, abandonados – é sermos apanhados desprevenidos por um lugar que julgávamos outro.
Veit Stratmann, LUMIAR CITÉ, 2021. Cortesia do artista e de Maumaus/Lumiar Cité. © DMF Fotografia
Estaremos perante uma não-exposição? Uma tentativa de absoluta nulidade? Não, porque o espelho induz-nos numa reação específica, propositada. Ainda que de um extremo minimalismo, a exposição de Veit Stratmann faz-nos pensar sobre o papel do observador ao visitar uma exposição: a surpresa de se ver a si próprio é a manifestação de uma consciência desconfortável, inoportuna quando nos queremos perder na contemplação de um objeto estético. Encerra um radicalismo retrativo, diminuto: talvez a necessidade intrínseca da arte num tempo onde a imagem é dominante. Ainda assim, a restrição formal não tem o propósito de nos conduzir a um essencial. O cenário que se constrói é teatral, barroco, ainda que plenamente uniforme. Não nos livramos do acessório, pelo contrário, transformamo-nos nele - estamos num palco que construíram para nós, e onde cada um reage como pode. Completamos a exposição? Não estou certo disso – afinal, o seu truque é disfarçar-se de banal – mas, como em qualquer outro caso, damos-lhe sentido. O conceptualismo de Stratmann não é propriamente crítico, mas muito mais, talvez, respirável. Apesar de nos asfixiar, não nos livra da abertura ao exterior: afinal esse é um dos eixos que completa o sentido da mostra, pelo contraste que apresenta ao espelho – sempre nos podemos perder na contemplação se soubermos lidar com os obstáculos.
Veit Stratmann, LUMIAR CITÉ, 2021. Cortesia do artista e de Maumaus/Lumiar Cité. © DMF Fotografia
Será esta uma exposição necessária? É fácil ver na obra de Stratmann um sentido de oportunismo – afinal viemos aqui, sem saber, para nos olharmos, literalmente, ao espelho – e ainda que coberta de um humor cínico, tão orgulhosamente pós-moderno, num mundo em constante agitação, também está aqui algo de vital. É uma mostra de dualidades, ciente do espaço que ocupa, e do que também devemos ocupar. Se calhar já escrevi demasiado, para um texto que não deveria ter existido. Nesse sentido, deixo aqui em baixo, ainda, algum espaço vazio.
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