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RUI ALGARVIOA PONTE, O CAMPANÁRIO, A CASA E O BARQUEIRO![]() CENTRO CULTURAL DE CASCAIS Av. Rei Humberto II de Itália 2750-800 Cascais 11 FEV - 23 ABR 2023 ![]() ![]()
“Neste momento, interessa-me essa relação com a natureza, a paisagem, a forma como manipulamos e nos apropriamos do território. As viagens, o caminhar, o andar de bicicleta pela natureza, as travessias são uma ferramenta de trabalho. Mas existe uma não preocupação, essa forma desinteressada com que percorro o território.”
Quantas vezes será possível fragmentar uma paisagem, uma obra ou a representação de um lugar que persiste obstinadamente na memória? Com que impulso o artista enceta essa viagem pela tela em branco num universo paralelo ao da realidade e quando é que pressente ou descobre que o processo criativo está concluído? Em “A Ponte, o Campanário, a Casa e o Barqueiro”, exposição composta por desenhos e pinturas, Rui Algarvio apropria-se de lugares campestres que inspiraram pintores do Barroco, do Romantismo, do Impressionismo e de outros movimentos artísticos que tinham a natureza como um dos principais modelos de representação e remistura-os com a paisagem habitada pelo homem. É impossível intuir de que tempo ou época é este Homem que invisivelmente habita a obra de Rui Algarvio. Se a casa, num ou noutro quadro, não será antes um arranha-céus que tomba sobre o horizonte e que o autor encontrou nas suas deambulações pelo mundo. Se a ponte não será uma edificação que liga as duas margens de uma metrópole do século XXI. Se as cores quentes e vibrantes que invadem algumas obras não figuram a fúria de uma natureza que tem sido maltratada, como os fogos que arrasam as florestas em cada verão ou até a lava de vulcões incandescentes. Percebe-se, no entanto, que cada série respira inconformismo e que não estamos perante uma natureza apaziguada. À recriação artística dos lugares da arte, o autor acrescenta-lhe então uma força tempestiva e até disruptiva através das cores ou da sua ligação, das formas, das linhas e de como os elementos se combinam ou completam. No final, o criador sente que a arte se auto concluiu, num diálogo entre a energia do criador e a obra, talvez graças a uma fórmula mágica e com ingredientes tão diversos como o observável, a experiência, as aprendizagens académicas na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa ou na Universidade Autónoma do México, onde estudou, a autorreflexão e até algo transcendental e inexplicável.
© Rui Algarvio / Centro Cultural de Cascais
“A Ponte, o Campanário, a Casa e o Barqueiro” nasce, acima de tudo, da inquietude do autor: “Porquê riscar aqui ou ali? Porquê colocar aquela mancha desta forma, com esta cor? Mas afinal quem fala comigo? Estou realmente a falar comigo mesmo ou com a pintura? E a pintura também fala? E por que será que tudo fica, mais cedo ou mais tarde, resolvido na pintura? Tantas questões por responder, que são solucionadas no quadro. Naturalmente que a decisão de iniciar uma pintura, um desenho pressupõe uma ideia prévia, mas neste processo de execução será apenas este esforço de resolver o que não tem solução.” As interrogações do artista extraídas do texto da folha de sala são como vozes ocultas, mas que predominam em cada processo criativo. Às perguntas, só existe uma forma de resposta: a obra. As mesmas dúvidas servem também para evocar o início da ideia criativa. De onde surge este apelo ao ato de criar. A obra nasce da obra, neste caso, é uma proposta de evocação da pintura “Landscape with a Stone Bridge” (1638), de Rembrandt van Rijn, que Rui Algarvio observou numa exposição, em 2017, no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa. Foi esta miragem artística que serviu de impulso para a desconstrução e fragmentação da paisagem. “E quando me confronto com a obra de outros artistas? Há momentos em que tenho a sensação de que o artista soube responder a todas estas inquietações e o resultado foi tão bom que nada mais há a acrescentar e que nos resta apenas contemplar”, conclui. Na Capela do Centro Cultural de Cascais, as séries de quadros e de desenhos de Rui Algarvio têm mundos dentro e, pela própria disposição em sala, cada fragmento transforma-se em poesia visual que é, afinal, o universo do pintor. No ato contemplativo, depreende-se que o artista também é um alquimista que estabelece pontes entre o mundo real e o da imaginação, como se fosse movido pela mesma força de braços que os barqueiros que navegam no rio do quadro de Rembrandt, peça disponível no Rijksmuseum, em Amesterdão.
Fátima Lopes Cardoso ![]()
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