|
JOÃO JACINTOBAIXO ELÉTRICO![]() GALERIA 111 R. Dr. João Soares, 5B 1600-060 Lisboa 04 MAR - 29 ABR 2023 ![]() ![]()
Observo as pequenas partículas esparsas que se alojam nos desenhos de João Jacinto, presentes na exposição “Baixo Elétrico”. Um efeito granulado alastra-se no plano da folha de papel. Olho, com mais atenção, e perscruto ritmos e silêncios, sobre um fundo luminoso. Os movimentos da mão, realizados pelo artista, sobre a superfície húmida (e branca) do papel, descrevem lastros e pontículos, pulsações que respeitam o tempo na cadência dos intervalos, dos silêncios entre esses mesmos vestígios. Pontuações crepusculares esboroadas convertem-me, e conduzem a uma ideia do desenho, ou de pintura, assente no indizível, no que só pode ser descrito através da matéria, da propriedade perecível e plástica dos materiais. As partículas, num jogo de “rarefacção e de saturação” [1], vão-se situando e aspergindo na obra pictórica de João Jacinto. Conduzem-me a estímulos ópticos, a tentativas de completude, a uma noção de “conjuntos e subconjuntos” [2], à “divisibilidade da matéria” [3] de que falava Deleuze, e à ideia impressa pelo filósofo “de que a matéria se define ao mesmo tempo pela tendência para construir sistemas fechados e pelo inacabamento dessa tendência”, ou, por outro lado, no princípio de que “todo o sistema fechado é também comunicante” [4].
João Jacinto, Sem título, 2022, técnica mista sobre papel, 225x150 cm.
Existe, por outro lado, um desvio do enquadramento (no sentido tradicional) da própria imagem da árvore partilhada. Um desvio que nos desperta para a ideia do que não se vê, mas que existe, está presente [7]. A contemporaneidade permite atribuir, à obra de arte, a possibilidade de resgate das formas que povoaram o passado [8]. Dá luz verde, permissão para que habitemos no mesmo plano essas mesmas imagens que configuraram a história de arte [9], fora dos termos cronológicos. Porém, ao contrário da desterritorialização da imagem contemporânea de que falara José Gil [11], a obra de João Jacinto, aponta caminhos, conduz ao gesto primordial, à própria essencialidade da pintura. Dimana algo originário, iniciático, próprio de uma “nova pintura” [12]. O que comove é o modo persuasivo como João Jacinto invoca a luz. Matéria cara e relevante, no passado, tanto para Turner como para Monet [13]. Remete-me também para a gotejante, brumosa, e líquida pintura de que Danto [14] falava, ao evocar o mais fervoroso defensor da constelação materialista, Clement Greenberg. Naquele lugar em que a pintura só pode ser arte, e não pode ser outra coisa, muito menos manifestação social, moda transitória ou expressão popular.
Notas [1] Deleuze, G. (2016). A Imagem-Movimento, Cinema I. Documenta. Pág. 32 a 37. ![]()
|
