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LUÍSA FERREIRA E ANTÓNIO FARIAOUTRO JARDIM INTERIORGALERIA DE SANTA MARIA MAIOR R. da Madalena 147 1100-006 Lisboa 07 SET - 30 SET 2023
No sentido metafórico, a arte pode assumir a forma de uma clareira que nos atrai à descoberta de uma floresta, um jardim tranquilo e interior que transfere a beleza do mundo natural para as paredes de uma galeria. Nesse apelo aos sentidos, descobrem-se cores, formas, texturas e alegorias que são, de alguma forma, o reflexo do estado de espírito dos criadores. Em Outro Jardim Interior, Luísa Ferreira e António Faria mostram-nos que artes visuais de diferentes naturezas, técnicas e estilos podem percorrer as mesmas águas e estabelecer um diálogo harmonioso que esvazia o olhar do espectador da banalidade de tantas outras narrativas visuais observadas. Como escreve Ricardo Castro Ferreira, no texto da folha de sala da exposição: “Tomando a natureza como pretexto de trabalho, ela transforma‐se em cada gesto ou em cada instante numa fonte inesgotável de criação e não num objeto sujeito ao nosso escrutínio.”
© Luísa Ferreira
A fotografia, a instalação, o desenho e a pintura coabitam neste jardim interior, cuja flora é tão diversa como o percurso dos seus criadores, dois assumidos admiradores da natureza e da matéria. Nos diversos recantos da Galeria Santa Maria Maior, o observador encontra uma espécie de simbiose improvável entre a arte de alguém que precisa de sentir para criar e a de um ser sensível que fotografa com a mesma necessidade com que respira. E Outro Jardim Interior transforma-se na exposição do múltiplo detalhe poético. Com uma capacidade de metamorfose criativa única, nesta proposta artística, Luísa Ferreira desfragmenta uma árvore, uma floresta, amplia-lhe os pormenores, como se estivesse numa câmara escura permanente que lhe permite, com a exposição luminosa perfeita, exaltar o que, muitas vezes, nos passa despercebido ao olhar. À semelhança da instalação Jardim Interior, de 2012, neste Outro Jardim Interior, a artista propõe uma imersão na sua própria maneira de ver e sentir a natureza, mas agora deixa que o real que fotografou seja a clareira que nos conduz ao trabalho de outro criador, aos desenhos a pastel seco sobre papel fabriano preto que improvisam flores de traços impressionistas que nos remetem para geografias orientais, especificamente para a arte japonesa.
© Luísa Ferreira
E a obra de António Faria indica o caminho para um qualquer jardim interior que poderá ser o que o observador desejar, sem pretensiosismos, sem vaidade. Espera‐se, escreve Ricardo Castro Ferreira, que “o acordo gerado pelo olhar do espectador vá muito além do simples reconhecimento das formas do mundo, pois tal como a natureza, também a arte releva do silêncio e da impassibilidade, onde nada verdadeiramente acontece para lá do acontecer da própria arte. Como se fosse um espelho, obscuramente”. À medida que se percorre a exposição, sentimos necessidade de contemplação, de pausa, de exigir o direito à reflexão, tão inexistente no frenesim do quotidiano. E o observador, como se tivesse encontrado um habitat natural nesse diálogo mágico entre os desenhos de António Faria e as fotografias de Luísa Ferreira, sente vontade de ficar e, de alguma forma, ir ao reencontro do seu próprio jardim interior.
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