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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Maria Lamas, Jovem mãe da Castanheira, serra da Estrela [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.


Maria Lamas, Duas mulheres à janela [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.


Maria Lamas, Jovens aldeãs de Azinhal [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.


Maria Lamas, Vendedeiras de tremoços à entrada do mercado, em Peniche [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.


Maria Lamas, Chegada das redes, Furadouro [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes


Vistas da exposição As Mulheres Maria Lamas, 2024. Fundação Calouste Gulbenkian. © FCG/Maria Abrantes

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ARQUIVO:


MARIA LAMAS

AS MULHERES DE MARIA LAMAS




FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna, 45 A
1067-001 Lisboa

26 JAN - 28 MAI 2024


 

 

Espírito inquieto que usou a recusa e as dificuldades de viver em ditadura como ímpeto para mudar a condição da mulher em Portugal, Maria Lamas e a obra que deixou são o exemplo de como a coragem pode ser transformadora. Depois do encerramento, em julho de 1947, do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), a que presidia, a jornalista e ativista foi dar a volta ao país com um ‘caixote Kodak’ para mostrar ao mundo que, em território nacional, os principais braços de trabalho vestiam saias e, sem direito a contrapartidas, labutavam de sol a sol.

Nessa altura, já tinha sido forçada a abandonar a direção da revista “Modas & Bordados” pela administração d’O Século, se continuasse à frente do órgão que pretendia lutar pela alfabetização, bem como dar voz aos problemas e às reivindicações das mulheres, em pleno Estado Novo. Desempregada e perseguida pelo governo de Salazar, Maria Lamas não baixou os braços e recorreu à palavra e à fotografia para reportar as histórias com as quais se cruzou entre 1948 e 1950. Circunstancial ou como fonte inspiradora, a decisão de Maria Lamas aconteceu, volvida uma década sobre o aparecimento do retrato sociológico da Farm Security Administration (FSA), o maior legado visual da América rural e pobre, durante a implementação das políticas reformistas da New Deal, de Roosevelt, no período da Grande Depressão.

Deste périplo pelo país real, resultaram centenas de fotografias que Maria Lamas publicou em 15 fascículos para despistar a ditadura - A mesma artimanha foi inteligentemente usada, dez anos depois, por Victor Palla e Costa Martins, para difundir aquela que é considerada a obra maior da fotografia portuguesa do século XX: Lisboa, Cidade Triste e Alegre, que circulou em sete fascículos.

O espólio fotográfico foi conservado pela família, desde os negativos, a provas de contacto ou fotos da própria e de outros autores. No entanto, foram necessários 75 anos para que o mais significativo legado fotográfico feminino do século XX fosse mostrado, pela primeira vez, em Portugal, quando se comemora os 50 anos do 25 de Abril.

Em “As Mulheres de Maria Lamas”, exposição que a Fundação Calouste Gulbenkian apresenta até 28 de maio, com curadoria de Jorge Calado, descobre-se um país braçal, rural, trabalhador e sacrificado, mas que não parece, em nenhum momento, infeliz.

Cada uma das 65 imagens em provas de gelatina e prata de pequenas dimensões (de 8x6 e 14x18 cm) são como um tesouro retirado do fundo de baú. Meticulosamente selecionadas, contextualizadas e dispostas pelas paredes do Átrio da Biblioteca de Arte, as fotografias, quase todas provas vintage da época, transportam o observador para um outro tempo e um outro país. De norte a sul, do interior ao litoral, mulheres passam os dias nos campos, nos rios ou à beira-mar, na lavoura, a joeirar o centeio, a peneirar o milho, a ceifar arroz, a cozer pão ou tantas outras tarefas rurais ou piscatórias, quase sempre familiares e artesanais, mosaico da economia do Portugal da época. Na linha da fotografia despretensiosa e direta de Paul Strand ou de Walker Evans, o olhar é claramente etnográfico, documental e humanista, mas sem que a presença da fotógrafa seja um elemento invasor.

Os retratos fotográficos individuais ou de grupo eternizam a história por trás dos rostos. Ao lado de uma das imagens mais memoráveis da exposição, descobre-se, através da legenda, o historial familiar das três figuras femininas que pousam iluminadas pelo sol: “Mãe e filhas, mulheres de Salreu (Estarreja) que se dedicam intensamente à lavora. Vigorosa ainda, a mãe teve 11 filhos, sete raparigas e quatro rapazes. Eles emigraram para a Venezuela; elas ficaram e dedicaram-se ao trabalho da pequena casa agrícola.”

 

 

Maria Lamas, A joeirar centeio [1948-1950]. © Herdeiros de Maria Lamas / FCG.

 

 

O observador é tocado por esta e por outras histórias. Pela cumplicidade do casal que envolve os fardos de palha que irão servir de alimento aos animais, nos meses de inverno; da rapariga do Covão da Ponte, região de Manteigas, na Serra da Estrela, a joeirar centeio, tarefa rotineira e fatigante para a qual necessita do apoio de um pau; das mulheres que transportam o fruto do seu trabalho árduo à cabeça; do grupo de camponeses de rosto trigueiro protegido por chapéus de palha; das ‘gafanhotas’, da Gafanha, em Aveiro; das mulheres que empurram os barcos e tantas outras vidas agora dignificadas numa das mais singulares retrospetivas de que há memória em Portugal.

Paralelamente às fotografias, a exposição apresenta a cronologia de momentos importantes na vida de Maria Lamas, desde 1920, quando começou a trabalhar para a Agência Americana de Notícias (AAN), com 27 anos, até à data da sua morte, a 6 de dezembro de 1983. Mostra como a jornalista da revista d’O Século desde cedo se interessou em documentar os rituais e as tradições que ocupavam as mulheres, antes do 25 de Abril. Revela os momentos da suas viagens e as diversas participações em ações de defesa das causas cívicas; do exílio na Madeira, em 1955, após ter sido presa três vezes pela PIDE, à emigração forçada para França, em 1962, quando se instalou no Grand Hotel Saint-Michel, no Quartier Latin, ano em que presidiu à delegação portuguesa da Conferência para a Paz e o Desarmamento em Moscovo. Permaneceu em Paris até 1969 e viveu de perto o Maio de 1968. Juntou-se ao Partido Comunista, depois do 25 de Abril de 1974.

Reflexo do carácter multifacetado da individualidade que Jorge Calado classifica como “a mais notável mulher do século XX”, a exposição reserva ainda lugar para o lado literário e de tradução. Autora de mais de 20 obras, da literatura infantil à poesia, é na pequena máquina de escrever exposta como relicário que simbolicamente se remete para a importância desta mulher ímpar, mas que só nos últimos anos tem merecido a atenção de investigadores. Também é evidenciado o quanto Maria Lamas era admirada por outros artistas. Ao lado dos livros, das publicações jornalísticas e da máquina de escrever, encontra-se o busto de gesso esculpido em 1929, por Júlio de Sousa, e a acompanhar o texto da exposição surge o retrato de Maria Lamas, pintado por Júlio Pomar, em 1954. Imagens, objetos e memórias de um outro tempo e de um outro país que esta exposição convoca para a memória coletiva, como se a exigir o devido reconhecimento da obra e do papel que a sua autora exerceu na história portuguesa e na melhoria das condições de vida das mulheres do seu país.

 

 

 


Fátima Lopes Cardoso
Investigadora do ICNOVA e professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCS), onde coordena a licenciatura em Jornalismo. Doutorada em Ciências da Comunicação, especialidade Comunicação e Artes, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, é autora do livro “A Fotografia Documental na Imprensa Nacional: o Real e o Verosímil” (2022), adaptado da tese de doutoramento homónima (2015). Jornalista desde 1997, o interesse académico por conhecer a ontologia da imagem e, em particular, da fotografia jornalística tem levado à participação em várias conferências e colóquios em Portugal e a nível internacional sobre a temática, bem como em diversos projetos editoriais e científicos.

 

 



FÃTIMA LOPES CARDOSO