Links

EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes


José M. Rodrigues Transparência Lúcida (II) (2024). Caixa de vidro, plexiglass, espelho, livro sujeito a combustão, fotografia. 68 x 50 x 50 cm. © Bruno Lopes


Vista da exposição Tratado, de José M. Rodrigues. Galeria Avenida da Índia, 2024. © Bruno Lopes

Outras exposições actuais:

SEBASTIÃO CASANOVA

MA MORT SERA PETITE, COMME MOI


Galeria Pedro Oliveira, Porto
CARLOS FRANÇA

TRACEY EMIN

SEX AND SOLITUDE


Palazzo Strozzi, Florença
THELMA POTT

JANET CARDIFF & GEORGE BURES MILLER

A FÁBRICA DAS SOMBRAS


Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, Coimbra
PEDRO VAZ

JOÃO MARÇAL

PIZZA SPACE-TIME


ZDB - Galeria Zé dos Bois, Lisboa
CATARINA REAL

NADIR AFONSO

EUTOPIA


Ap'Arte Galeria Arte Contemporânea, Porto
RODRIGO MAGALHÃES

MANUEL SANTOS MAIA

NAMPULA MACUA SOCIALISMO


Galerias Municipais - Galeria Quadrum, Lisboa
MADALENA FOLGADO

GIL DELINDRO

A AUDIÇÃO VIBRATÓRIA


Museu de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto
SANDRA SILVA

COLECTIVA

THE POETICS OF DIMENSIONS


ICA - Institute of Contemporary Art San Francisco,
CATARINA REAL

COLECTIVA

LE JOUR IL FAIT NUIT


Kubikgallery, Porto
CONSTANÇA BABO

MICHELANGELO PISTOLETTO

TO STEP BEYOND


Lévy Gorvy Dayan, Nova Iorque
THELMA POTT

ARQUIVO:


JOSÉ M. RODRIGUES

TRATADO




GALERIAS MUNICIPAIS - GALERIA AVENIDA DA ÍNDIA
Av. da Índia, 170
1300-299 Lisboa

29 SET - 22 DEZ 2024

O Tempo da Não-Urgência

 


É difícil não entrar nesta exposição sem pensar em José M. Rodrigues (JMR) como alguém tão vivente quanto movente, com a sua cara oracular em diálogo prolongado com o mundo. Em Tratado, termo isolado e integrante da palavra retratado, afigura-se uma investigação que está em pé de igualdade com os cânones da fotografia, sempre um pouco comprovantes, sempre muito demonstrativos. Aqui são tratados os encontros tangenciais, transcritos num decalque dado por fora do nosso poder de encaixe enquanto testemunhas.

Viver das transcrições implica o confronto com o adágio italiano do traduttore, traditore (um tradutor é um traidor) e não parece que isto seja do nosso maior interesse. Mas isto também tem a sua quota-parte nestes registos, como veremos de seguida, à margem do debate sobre a fotografia enquanto disciplina que esteve sempre sentenciada e sob fogo, tão devedora quanto culpada (na língua alemã ‘culpa’ e ‘dívida’ são uma única palavra, Schuld). Este é um tratado que não nos deve nada por inteiro.

Nas projeções de uma sala escura forrada a feltro preto surgem os registos acromáticos em gelatina de prata de pessoas próximas ao autor, bem como de outros enquadramentos. Estas sínteses relacionais feitas desde os seus tempos passados em Haia, Cabo Verde, Amsterdão, Monsaraz, Montemor-o-Novo, Arraiolos, são intervaladas por filmagens nocturnas de roedores, raposas e cavalos que ora bebem de uma gamela ora são capturados de relance. Tudo isto acontece ao som de um lugar idílico com o seu chilrear de pássaros, com a sua aragem nas copas das árvores e os seus insectos voadores: é este o tratamento que a memória dá aquilo que viu e que cumpre a máxima da memória ser uma ilha de edição [1].

Lá fora, numa vitrine-mesa em plexiglass encontramos uma enciclopédia, produto maior de um Iluminismo conciso que nos ensinou a balizar e a desconfiar do olhar do Outro [2], mas que aqui se encontra carbonizada. No topo desta vitrine comprimem-se dois pequeníssimos retratos de perfil do próprio autor que encabeçam esse livro que tenta abreviar o espaço entre signo e significante. Só de joelhos conseguiríamos ler as poucas entradas descritivas que ali restam — Naxos, Neanderthal, Neapolis ou Neapolitan Fisherman — o resto ardeu com violência. Enquanto isso, notamos um espelho colocado por dentro desse aparato e que faz rebater uma outra imagem, uma aparição da cara transfixa do artista debaixo desse mesmo livro.

Se é verdade que na totalidade dos retratados encontramos uma textura moral fina e não uma mímica, também é verdade que nos autorretratos parece surgir invariavelmente um eu não sei como agir do interior sobre o meu aspecto [3]. É de uma extrema honestidade isto de não pararmos numa imagem absoluta nossa enquanto ocorrência maior. No exacto eixo médio da exposição, dois espelhos fabricados nos anos 70-80, década formativa e experimental para JMR, fazem dupla para levar ao limite do possível a redundância dos seus efeitos — charneira, duplicidade, emparelhamento. Este desdobrar da imagem também será encontrado nos pequenos espelhos presentes nas mãos de vários sujeitos fotografados até chegarmos a um outro quadrante da sala. Ali, uma instalação vertical que lembra as máquinas surrealistas de Raymond Roussel pode ser activada por intermédio de uma manivela, fazendo um pequeno olho de vidro na extremidade de uma colher girar em desvario.

A dialógica da obcecante impossibilidade de alcançar o ausente [4] vai recair aqui nas sucessivas vizinhas de afectos. Aparecem-nos múltiplos amigos, familiares e amores, desejos recalcitrantes, empatias esbatidas, compadecimentos filiais e camaradagens, todos na mesma tomada de vistas. Todos inventariados na centralidade deste diante-dentro [5] que é imagem pura do encontro progressivamente fadado à falência. As linhas do horizonte sempre baixas são tão consistentes quanto os títulos destas cinquenta e três impressões sobre papel de algodão, e que indicam o nome próprio ou o petit nom de cada um dos retratados.

Que o encontro seja ao mesmo tempo falhado e não falhado é também o que permite ter uma relação com o acontecimento, com a história, que não seja a do ressentimento. Se o encontro foi conseguido, termina em ressentimento. Se falhou termina em constatação desiludida de que não teve lugar. Se foi ao mesmo tempo falhado e conseguido, isso quer dizer que a sua potência persiste [6]. JMR é a figura ancorada no fazer desdobrado desta potência, e quem vê assim o mundo não poderia nunca pôr-se à margem dele sem criar esta monografia-viva onde pudemos circular de forma integral. No seu derradeiro tratado, José M. Rodrigues encerra pela própria mão a semelhança em viagem ou o mar nesse exacto momento em que preciso de concluir que há mar [7].

 

 

 

 

Francisco Menezes
Vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Escultura, frequentou o Independent Study Programme da Maumaus (2022) e e? mestrando em Design de Comunicac?a?o pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Tem participado com trabalho arti?stico de base projectual em va?rias exposic?o?es, desde a Casa das Histo?rias Paula Rego (2018, 2019); Pousio AIR (2020); Zaratan (2022, 2023) e Museu Bordalo Pinheiro (2024).

 

 :::


Notas

[1] Frase atribuída ao poeta brasileiro Waly Salomão (1943-2003)
[2] Groys, B. (2021), Arte em Fluxo, Orfeu Negro, Lisboa p. 41
[3] Barthes, R. (1981), A Câmara Clara, Edições 70, Lisboa, p. 26
[4] Didi-Huberman, G. (2011), O que nós vemos, o que nos olha, Dafne Editora, Porto, p. 220
[5] Idem
[6] Rancière, J. (2011), La Méthode de L’égalité: Entretiens avec Laurent Jeanpierre et Dork Zabunyan, Bayard, p.127
[7] Retirado de um texto por José M. Rodrigues e Luís Carmelo (1954-2023)

 

 

 

 

 

 



FRANCISCO MENEZES