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BIENAL DE VENEZA: POLÉMICA EM TORNO DA COLECÇÃO SINDIKA DOKOLO

2007-03-30




A 52ª edição da Bienal de Veneza (que decorrerá entre 10 de Junho e 21 de Novembro) marca uma nova postura histórica, na direcção de África, através da integração de uma vasta mostra - intitulada “Check List” (a ser exibida no Arsenale) - concebida a partir da colecção de arte contemporânea Sindika Dokolo. As insípidas e controversas actividades políticas e económicas a que estão ligadas as pessoas por detrás da colecção estão, no entanto, a levantar questões que podem, no mínimo, provocar algum constrangimento e embaraço em torno do evento.
A colecção foi seleccionada para representar África por um painel de especialistas internacionais escolhido pelo comissário da Bienal, Robert Storr, destacando-se Simon Njami (crítico de arte) e Fernando Alvim (artista, responsável pela Trienal de Luanda e curador da colecção em causa) e terá aparentemente despoletado objecções por parte dos curadores africanos Okwui Enwezor (director artístico da última Bienal de Veneza) e Salah Hassan.
Com sede em Luanda, a colecção será apresentada não só pela inquestionável qualidade das 600 obras que a integram – incluindo peças de artistas provenientes de 21 países africanos - como também para chamar a atenção para a iniciativa apresentada como paradigmática de Sindika Dokolo enquanto modelo a ser potencialmente seguido por outros investidores particulares, no sentido do desenvolvimento cultural do continente.
Frequentemente questiona-se quem é o congolês Sindika Dokolo e, de facto, não existe muita informação disponível a seu respeito. Uma rápida pesquisa na internet revela poucas entradas, merecendo especial destaque a entrevista que concedeu, em 1999 a propósito da situação económica do Congo, na qual assumiu a postura de defensor dos interesses financeiros do país criticando o colapso do sistema bancário durante o regime de Kabila que ascendeu ao poder depois de 32 anos de domínio de Mobutu. Outras entradas revelam versões diferentes. Um artigo do ano passado saído num jornal francês alega que durante o regime de Mobutu o pai de Sindika Dokolo criou um banco em Kinshasa que promovia a transferência de dinheiro para contas de membros da sua própria família – incluindo o filho Sindika, na altura menor – burlando o estado e clientes privados em cerca de $80 milhões. O artigo cita um auditor independente que investigou as manobras ilegais da família para permanecer com o dinheiro, acusando os herdeiros de actividades semelhantes à máfia.
Em 2002, numa espécie de casamento de estado, Sindika casou-se com Isabel dos Santos, filha do presidente José Eduardo dos Santos (à frente do destino de Angola desde que disputou as eleições de 1979 que deram origem a uma nova fase da sangrenta guerra civil). Reconhecida pelo seu estilo de vida exuberante, Isabel é também descrita como uma proeminente mulher de negócios com o controlo de várias empresas que, segundo alguma imprensa, usufruem de subsídios ilícitos do estado. Apontada como uma das pessoas mais ricas do pais, Isabel é membro da Futungo, empresa com ligação à extracção e comercialização de petróleo (Angola tornou-se este ano o 2º membro africano da OPEC - Organização dos Países Exportadores de Petróleo) constituída por cerca de 200 pessoas muito próximas do presidente dos Santos e supostamente responsável pela transferência de cerca de $2 bilhões dos rendimentos do estado para cofres pessoais, o que foi considerado pela Global Witness (ONG britânica) como “roubo do estado por atacado”. Num relatório, a Global Witness (que viu uma voluntária presa este ano em Cabinda quando investigava a corrupção no sector petrolífero) afirma que “em nenhum lado os efeitos devastadores da má apropriação dos lucros e a corrupção estatal são tão bem ilustrados como em Angola”.
A esposa de Dokolo está também ligada aos monopólios governamentais de extracção e comercialização de diamantes que remetem para relatórios (nomeadamente do jornalista Rafael Marques) que referem a violação dos direitos humanos (incluíndo tortura, raptos e assasinatos por parte das forças de segurança) na zona de Lunda. Referem também a aprovação de leis que proibem a livre circulação na zona para quem não esteja ligado às companhias em causa.
O exuberante estilo de vida da elite angolana contrasta dramaticamente com as condições de vida da maioria da população do pais (13 milhões de pessoas). A esperança média de vida é de 45 anos, o desemprego atinge 80% da população e três em cada dez crianças não chega a completar 5 anos. A representação africana na Bienal de Veneza terá não só o mérito de dar visibilidade à produção artística do continente como servirá para trazer para a ribalta o gritante contraste que opõe as elites africanas à sua vasta e empobrecida população.

Disponível em:
www.artnet.com