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ANDRéS GALEANO

LIZ VAHIA



Nasceu em Espanha em 1980, mas já há algum tempo que reparte a sua actividade entre Barcelona e Berlim. Andrés Galeano, que trabalha com fotografia, vídeo, instalação e performance, veio a Lisboa apresentar um dos trabalhos mais característicos da sua prática, “Unknown Photographers”, patente neste momento na Fundação Portuguesa das Comunicações. Coleccionador incansável de fotografia amadora, Galeano falou com a Artecapital sobre o seu fascínio por este tipo de imagens e os projectos que daí derivam.


Por Liz Vahia


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LV: Começaste por estudar Filosofia na Universidade de Barcelona. Como se deu a passagem para o campo da prática das artes visuais?

AG: A verdade é que eu nunca pensei que ia ser artista. Como estudante de Filosofia interessava-me muito a Estética e filósofos alemães como Nietzsche, Wittgenstein, Benjamin, Adorno, Gadamer; também os franceses como Foucault, Deleuze, Lyotard, Debord. Naquela época li livros que chegavam para duas vidas, costumava escrever regularmente e tinha ambições literárias. Foi durante os dois últimos anos do curso que uma amiga me levou a um laboratório fotográfico e autodidaticamente comecei a fazer as minhas primeiras ampliações a preto e branco. Depois licenciei-me e o fervor filosófico levou-me à Alemanha para aprender alemão. Aterrei num frio Fevereiro de 2003 numa terriola perto de Stuttgard e ali, à medida que aprendia alemão, distanciava-me da minha língua materna e dos meus hábitos literários. Foi então quando troquei a caneta pela câmara fotográfica como principal meio de expressão, comecei a estudar fotografia em Stuttgard e a alimentar-me do Fotokunst alemão.


LV: A fotografia amadora tem um papel importante no teu percurso. O que te fascina nessa imaginaria colectiva, visível nos álbuns de família analógicos ou agora neste “mundo contemporâneo híper-fotográfico” (citando uma expressão do teu website)?

AG: Apesar da fotografia amateur e doméstica ter sido maioritariamente esquecida nas histórias da fotografia, o certo é que a maior produção fotográfica é amateur, vernacular. Hoje mais do que nunca vivemos na Idade de Ouro da fotografia amateur. Todos têm uma câmara no bolso, todos fazem fotos, todos primem botões... Se a expansão e democratização da fotografia surge cerca de 1888 com a câmara portátil da Kodak e o seu famoso slogan “You press the button, we do the rest”, creio que hoje em dia a tarefa do artista é mais a de reflectir sobre o dispositivo fotográfico e todas essas imagens criadas vertiginosamente: tu primes o botão, o artista faz o resto! Agora que o tique fotográfico corre já pelo nosso sistema nervoso, o artista, como bom nadador contra corrente, deve repensar a massa de imagens na qual estamos imersos, reenquadrá-las conceptualmente, torná-las reflexivas.
Trabalhar com estas estéticas amateur e lúmpen significa incorporar na tua obra erros expressivos, maravilhas involuntárias, analisar estereótipos, descobrir o extra-ordinário, encontrar tesouros no lixo e, em definitivo, dignificar o fotógrafo anónimo, valorizar o instantâneo aparentemente ingénuo, já que, se são o tipo de fotos mais abundantes, terão algo a dizer, não te parece?


LV: Até 25 de Agosto podemos visitar na Fundação das Comunicações, em Lisboa, uma exposição do teu projecto “Unknown Photographers”. Este é descrito como um “projecto pós-fotográfico baseado em montagens de fotografias analógicas de álbuns encontrados e reflectindo no desejo latente de cada fotógrafo transcender o instante.”
Além de resgatares estas imagens para um circuito contemporâneo, da não arte (ou do lixo mesmo) para a arte, esse desejo de “transcender o instante” parece que é revelado aqui pela tua intervenção manual e meticulosa, de selecção, justaposição, enquadramento. És uma espécie de deus ex machina que vem juntar as pontas soltas de tantas imagens dispersas?

AG: Sim! Nas minhas composições tento ser fiel a esse desejo inerente a cada fotografia analógica de transcender o instante, de fixar quimicamente um preciso momento para que dure, inclusivamente para que nos sobreviva. Neste sentido, o meio fotográfico permite-me pensar sobre a transcendência y faço-o utilizando a metáfora de transcendência por antonomásia na nossa cultura: o céu. Os álbuns fotográficos familiares da era analógica são colecções de momentos “céu na terra”, ou seja, momentos carregados de felicidade (pelo menos aparente), já que são uma colecção de fotos festivas e de férias. O álbum fotográfico costuma narrar a felicidade, o rito fotográfico serve para documentar que vivemos e que a nossa vida valeu a pena, quem quer um álbum fotográfico de momentos tristes e catastróficos? É seguindo esta lógica que as minhas foto-composições abstraem sempre o céu: não me interessa o anedótico de quem eram essas pessoas nem as histórias por trás, interessam-me os seus céus, os nossos céus. Daí que o céu seja uma das minhas obsessões recorrentes neste e noutros projectos.


LV: Surpreende encontrar imagens tão formalmente semelhantes, como se houvesse uma lista de categorias limitadas que o utilizador comum da fotografia pode usar. E é interessante que o corpo fotográfico sobre o qual trabalhas seja precisamente não a foto “original” ou “curiosa”, mas sim a fotografia que todos temos em qualquer álbum ou conjunto de fotografias: os céus, o pôr do sol, o dedo a apontar, a asa do avião... Queres comentar?

AG: Trabalho com estereótipos, com fotos cortadas por um mesmo padrão que se repete uma e muitas vezes em diferentes álbuns fotográficos, ou seja, com fotos programadas pela indústria fotográfica. Tal como o pintor pinta com uma determinada paleta de cores, eu componho as minhas obras a partir das minhas colecções de fotos. Procuro a latência das imagens arquetípicas e iconograficamente mais complexas e nobres no mais comum dos instantâneos. As fotos das minhas composições parecem muitas vezes feitas pela mesma pessoa, mesmo que sejam feitas por gente diferente. Fascina-me a repetição, o humor no popular, o sermos todos menos originais e especiais do que nos achamos.


LV: Imagino que devas ter um arquivo imenso de imagens encontradas. Como organizas essas imagens?

AG: Depois de seis anos a comprar fotos em segunda mão, o meu arquivo analógico deve ter umas 15000 fotos. Este arquivo está fisicamente num móvel azul de madeira que está no meu estúdio em Berlim. As fotos costumam estar em envelopes dentro das amplas gavetas deste móvel, ordenadas seguindo umas 250 categorias, que se vão ampliando e modificando com o tempo. No caso das fotos de paisagens com céus, estão distribuídas em superfícies de cartão que sobreponho e que me permitem visualizar os seus céus para fazer as minhas composições. Como um metereólogo, classifico as fotos segundo tipos de céus, criando o meu próprio inventário pessoal que depois me permitirá trabalhar com maior eficácia. Tal quantidade de fotos requer ordem, rigor e umas mesas limpas e amplas para imaginar composições.
Sempre que viajo visito feiras e compro fotos, mas a maior parte das minhas fotos foram encontradas em Berlim. Interessam-me, sobretudo, as fotos a cores, isto é, o final da era Kodak, o ocaso da fotografia analógica. “Unknown Photographers” requer muita dedicação, visitar semanalmente feiras, trabalhar aos fins de semana. Ás vezes encontro um lote de fotos e sei já o que farei com elas, outras vezes sinto-me atraído por fotos e não sei porquê. Compro-as, e algumas passam anos no meu estúdio nas caixas de “inclassificáveis”... Cada vez mais digitalizo fotos com a intenção de fazer fotolivros e criar assim uma espécie de álbuns fotográficos colectivos para partilhar com os outros. Também estou a fazer algumas edições, ainda que normalmente as minhas obras trabalham com as fotos originais e, por tanto, são únicas. Por exemplo, as minhas obras mais recentes, da série #SkyStudies, baseiam-se na combinação dos céus de umas 500 fotos. Sabe bem livrar-se de uma vez de 500 fotos! Tanta acumulação fotográfica é esmagadora!


LV: Tens uma série de projectos “ongoing”. Queres falar um pouco sobre isso?

AG: Metodologicamente falando, os meus projectos pós-fotográficos baseiam-se em coleccionar fotos amateur à volta do meu tema preferido: o mito do céu plasmado através da fotografia. É por isso que são projectos acumulativos e que necessitam de muito tempo para se mostrarem em toda a sua complexidade. Conhecem data de início, mas não de fim. São complementares, diferentes capítulos de uma mesma obsessão. Depois de seis anos e umas 200 obras realizadas, “Unknown Photographers” é o meu projecto mais maduro e exposto, mas com ele coabitam outros projectos como “Google In View”, que reflecte sobre o dispositivo do Google Street View e as suas pretensões de omnisciência e omnipotência divinas (Godgle); “Afotos”, que investiga o conceito de não-foto; “A Foto Eterna”, projecto made in Portugal que autopsia as foto-porcelanas das lápides dos cemitérios; ou o mais recente “O peso das nuvens” que indaga sobre a representação da internet e da cloud.