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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição. Fotografia: Francisca Aires Mateus


Vista da exposição. Fotografia: Francisca Aires Mateus


Vista da exposição. Fotografia: Francisca Aires Mateus


Vista da exposição. Fotografia: Francisca Aires Mateus


Vista da exposição. Fotografia: Francisca Aires Mateus


Inauguração. Fotografia: Francisca Aires Mateus

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ARQUIVO:


FRANCISCA AIRES MATEUS

One Centimetre Apart




ÃGUAS LIVRES 8
Praça das Ãguas Livres, 8gh, Lisboa, 1250-001 Lisboa


29 NOV - 20 DEZ 2018

Uma exposição bonita, uma exposição Bonita

A exposição One Centimetre Apart, de Francisca Aires Mateus - patente no espaço Águas Livres 8 até 20 de Dezembro – é muito sucinta. O texto que a acompanha diz-nos apenas que, durante doze dias da exposição, sete horas por dia, serão desenhadas linhas azuis de um em um centímetro (é a regra do desenho solitário) e que um coro as interpretará em dois momentos (aqui há mais regras, que a leitura, assim como tudo o que é partilhado, precisa de mais estrutura). Uma performance de longa duração (o contínuo desenho de linhas), uma performance sonora e o desenho que fica, o que se expõe continuamente.

O espaço da galeria tem linhas. E as linhas têm regras. E a exposição é enunciada.
Estas linhas foram aparecendo, parede a parede, centímetro a centímetro (vai variando, mas essa é a directiva) e são desenhadas com um fio de marcação, utensílio muito utilizado na construção civil e arquitectura para facilitar trabalhos e que aqui servirá como fio de pautação; um uso des-prático, des-útil. Uma visualidade. As muitas linhas muito azuis deixam um rasto, um pano, um fundo, um mar de pó, onde os sapatos, os andares, e as posturas de quem entra e vê e fala e ouve vão desenhando, outros desenhos não identificados, não datados, não autorizados, sem autor. Mas presentes. Desenhos previstos, mas imprevisíveis.
Estas partículas essenciais que testemunham o processo de feitura do desenho - o pó - são em si o desenho-testemunho de resiliência e concentração e exorcismo que o outro desenho que se enuncia – as linhas, também elas pó – carrega.
Um centímetro de distância. Medição, marcação, linha. Um centímetro de distância. Medição, marcação, linha. Um centímetro de distância. Medição, marcação, linha. Um centímetro de distância. Medição, marcação, linha. Um centímetro de distância. Medição, marcação, linha. (...)
Numa repetição tão desarmante (porque terrivelmente simples, o gesto) e inócua (porque terrivelmente calmo, o mar) que deixam perceber o espaço de exposição como um espaço que se fechou ali, e que não evoca nenhum além-ali. É mesmo marcar linhas de um em um centímetro o que está em causa.
E depois, em causa ainda: humamma aa aaaaaaa - várias vozes (mais do que pessoas que são intérpretes) - aprendem a ler as linhas segundo as regras que lhes dão, como se disso dependesse uma comunicação geral (que acho que é para nós, mas também para um além-nós pessoalizado, um Uno não-divino).
E, mesmo sabendo todas as regras, desde 1- Cada cantor começa num canto da sala, 2- Todos os cantores começam na mesma nota. (...): espectadores-espantados.
Mas o espanto só dura até que a entoação - toda a memória de todos os cânticos, de todos os ritos, de todos o Todo - seja activada e o estado mude da vigília para o espanto para o conforto para o nada.
Cada espaço entre as linhas é um intervalo.
Um nada em que se cai dentro, construído pela massa de som, branco e azul e espectadores em devir-espanto, devir-conforto, devir-nada, e talvez em contínuo (como o movimento de leitura que se dá a ver): vigília, espanto, conforto, nada.
A parede branca ainda não marcada corresponde a um silêncio.
Um nada que começa nos pés, onde estas vozes vestidas de fatos de protecção brancos - como se prestes a pintar, e assim precisassem de precaver uma outra roupa que vestem (mas acho que nem tinham corpo e apenas face porque carrega a boca) - deixam um rasto (da mesma natureza dos que antes haviam sido deixados por quem entrava mais distraído, ou interventivo, ou participativo), um arrastar no pó que nos diz que existem (!) e permanecerão com vida quando o fim das linhas chegar – esta é a última regra, e derradeira.
A performance acaba quanto todas as linhas tiverem sido cantadas.
Começa nos pés, atravessa o corpo transversal ao chão e, bem lá puxado de dentro mas sem esforço, numa imagem muito semelhante ao bailarino já sem orgãos, eis o som; pequenas baleias, um mandarim alienígena, um canto de fénix e o mais comum dos murmúrios (isto tudo junto, acentuado o pleno da experiência).
A exposição carrega, na sua simplicidade auto-referencial, inumeráveis camadas. E inumeráveis dádivas.
Poderíamos, enfim, inscrever o seu plano de construção na arte conceptual - onde a linguagem, o conceito, a projecção intelectiva, são a coisa -, na performance por instrução, onde não importa o que aconteça: acontece, seguindo um enunciado e inserindo-o na linhagem de um minimalismo com heranças místicas. Mas é controlando, sendo sedutor pelo arranjo e esteta pela forma, prestando adoração à limpeza e ao clean sem ser estéril e sujando muito, e dando muito e tendo muito corpo mesmo sem objectos que encham o mundo; pelo equilíbrio entre as contradições e pela execução exímia de uma anulação que explode – atingir esse nada sem tempo – que pensa alto.
Cada linha é uma nota.
Poderíamos, enfim, dizer que o azul nos carrega o pensamento nostálgico, e traz todos os Saltos no Vazio, e as linhas e o desenho e o azul, e também Helena. Mesmo que os corpos vistam branco, e não negro, e haja menos amor para se instaurar mais distância, e as mãos controlem mais do que voem. Ainda assim.
Poderíamos, enfim, dizer que sobretudo dádiva, porque mesmo fechada em si, esta exposição nos oferece muito para levar para casa. Sem matéria de palavras. [É isto que as enumerações inumeráveis e contradições e adjectivos e parêntesis tentam: traduzir outro folgo.]
É uma exposição bonita, no que bonito ainda possa dizer de belo, de bom; a calma zen, o nada-tudo, um espaço que reúne, que emana, que entoa, ressoa e fica - mais a experiência que o objecto, muitos anos 60, muito 2018, consome-se pouco e tem-se paciência, fugir do ramerrame e entrar no ramerrame, estar um bocadinho mais longe da vida, entrar num templo, descobrir a pólvora, explodir, deixar marcas e depois limpar o diagrama e voltar de novo.
É uma exposição Bonita.



CATARINA REAL