Links


ARTES PERFORMATIVAS


FESTIVAL EUFÉMIA: MULHERES, TEATRO E IDENTIDADES

RODRIGO FONSECA

2021-11-25



 

Joana Craveiro, Silencios Persistentes. © Catarina dos Santos

 

No passado mês de Outubro aconteceu a primeira edição do Festival Eufémia: Mulheres, Teatro e Identidades. Decorreu em vários lugares da cidade de Lisboa, nomeadamente a Biblioteca de Marvila, a Escola Secundária de Camões, o Mercado de Culturas de Arroios, e Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A programação do festival, além da apresentação de espectáculos, contou com acções de formação e mesas redondas em torno de temas como a construção de identidades nas artes performativas e as questões de género. O festival é protagonizado sobretudo por mulheres. É produzido pelo grupo Eufémias, o primeiro grupo a representar em Portugal a rede internacional de mulheres no teatro contemporâneo Magdalena Project. O grupo Eufémias é composto por Catarina Amaral, Catarina Sobral, Elsa Maurício Childs, Mafalda Alexandre, Poliana Tuchia e Stefania Macua.

 

Marisa Paulo, (In)visivel. © Ricardo Campino

 

O nome do festival remete-nos imediatamente para Catarina Eufémia, a trabalhadora agrícola alentejana que, aos vinte e seis anos, foi assassinada com três tiros por um agente da GNR. Catarina Eufémia é um símbolo político da resistência anti-fascista portuguesa, mas também um símbolo de emancipação feminina face à cultura patriarcal dominante. Desta maneira, o festival invoca as mulheres trabalhadoras, as suas lutas, as diferentes formas de violência do sistema patriarcal-heteronormativo-branco, a força e a vulnerabilidade das que são mães, o direito e o dever de falar e o direito e o dever de dizer não. Uma das linhas de pensamento que está por trás da programação do festival vai no sentido de configurar as prácticas performativas como prácticas políticas. Ou seja, procuram que a potência transformadora das prácticas políticas seja partilhada pelas prácticas performativas. O festival Eufémia está portanto alinhado com o fenómeno cada vez mais recorrente nas artes performativas contemporâneas de que, as performances (espectáculos, peças, etc.), além de serem uma manifestação artística, são também um manifesto político. Os temas abordados pelo festival passam pela violência contra as mulheres, a violência de género, as diferentes formas de opressão pós-colonialista, a relação da sociedade com a memória histórica, a desigualdade no mercado do trabalho, as novas masculinidades, o racismo, a discriminação e a homofobia. É evidente a urgência deste festival dado que caminhamos a passos largos para um mundo cada vez mais nacionalista, securitário, perverso e fascista. Projectos como este são lugares de resistência importantíssimos para que estas lutas não percam o seu rosto, abrindo desta maneira espaço e visibilidade a quem é permanentemente vítima destas formas de violência.

 

Tita Maravilha, Tita no pais das maravilhas. © Gadutra

 

Na programação da primeira edição do Festival Eufémia: Mulheres, Teatro e Identidades destacam-se artistas como Joana Craveiro, Tita Maravilha, Marisa Paulo e Ana Woolf. Joana Craveiro, fundadora do Teatro do Vestido, apresentou Silêncios Persistentes, uma performance sobre tudo o que fica por dizer numa conversa, sobre a deterioração das imagens, sobre aquilo que não contam e aquilo que se perde com os que morrem. Tita Maravilha apresentou Tita no País das Maravilhas, uma criação artística baseada na fisicalidade subjectiva e no corpo político. Tita transforma-se, vive aventuras e é confrontada com o absurdo e o impossível. Mistura a personagem da Alice no País das Maravilhas com a sua intimidade e trajectória. Marisa Paulo estreia (IN)visível, uma performance que coloca em pauta a visibilidade invisível do corpo da mulher africana na Diáspora. Visível pela sua expressão numérica, mas ao mesmo tempo, ainda invisível no cenário artístico e político. Que corpo é esse? Que movimento tem esse corpo? São algumas das questões que a artista coloca em cena. Ana Woolf apresenta Semillas de Memoria, um espectáculo que fala sobre a ausência e apresenta o testemunho de uma mulher que sofre o desaparecimento do seu irmão, vítima da ditadura militar argentina. A encenação é de Julia Varley.

 

Ana Woolf, Semillas de Memoria.

 

Nas Mesas Redondas destacam-se as conversas: Arte, Política e Memória como Estratégia de Resistência; Feminismos, Interseccionalidade e a Desconstrução de Estereótipos de Género-Raça-Classe; Artes, Corporalidades e Construção de Identidades.

 

Projecto Suigeneris. © Maurício Centurion

 

Nas Formações sublinhamos o Projecto Suigeneris, de Nuno Labau, André Vasconcelos e Juan Fresina, assim como a exibição do filme As Mulheres do Meu País (2019), de Raquel Freire. Suigeneris é o resultado de uma residência de criação artística nas áreas da dança, teatro, circo e explora os processos de configuração das identidades de género, questionando os limites e potencialidades da ideia de novas masculinidades. O filme As Mulheres do Meu País trata-se do cruzamento de quatorze histórias, sobrepostas, contrastadas e colocadas em diálogo. São quatorze testemunhos de vida, de resistência, de dignidade, que nos emocionam e interpelam. Em cada mulher há uma história onde se cruzam múltiplas opressões, em cada sujeito uma singularidade que é também a síntese de múltiplas determinações sociais. Em síntese, é um retrato de Portugal, das estruturas, das desigualdades, mas também da inteligência, da coragem e da emancipação da luta pela felicidade.

 


Rodrigo Fonseca

Licenciado em História da Arte pela FCSH/UNL, e pós-Graduado em Artes Cénicas pela mesma faculdade. Viajou pela Europa central, pelos Balcãs, América do Sul, e viveu em Itália, Grécia e Brasil. O seu trabalho artístico desenvolve-se na música e no corpo. Organiza e programa os festivais culturais Dia Aberto às Artes (Mafra) e Sintra Con-Cê (Sintra) e é membro fundador da associação cultural A3 - Apertum Ars e da editora CusCus Discus.




Outros artigos:

2024-03-24


PARADIGMAS DA CONTÍNUA METAMORFOSE NA CONSTRUÇÃO DO TEMPO EM MOVIMENTO // A CONQUISTA DE UMA PAISAGEM AUTORAL HÍBRIDA EM CONTÍNUA CAMINHADA
 

2024-02-26


A RESISTÊNCIA TEMPORAL, A PRODUÇÃO CORPORAL E AS DINÂMICAS DE LUTA NA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2023-12-15


CAFE ZERO BY SOREN AAGAARD, PERFORMA - BIENAL DE ARTES PERFORMATIVAS
 

2023-11-13


SOBRE O PROTEGER E O SUPLICAR – “OS PROTEGIDOS” DE ELFRIEDE JELINEK
 

2023-10-31


O REGRESSO DE CLÁUDIA DIAS. UM CICLO DE CRIAÇÃO DE 10 ANOS A EMERGIR DA COLEÇÃO DE LIVROS DO SEU PAI
 

2023-09-12


FESTIVAL MATERIAIS DIVERSOS - ENTREVISTA A ELISABETE PAIVA
 

2023-08-10


CINEMA INSUFLÁVEL: ENTREVISTA A SÉRGIO MARQUES
 

2023-07-10


DEPOIS DE METADE DOS MINUTOS - ENTREVISTA A ÂNGELA ROCHA
 

2023-05-20


FEIOS, PORCOS E MAUS: UMA CONVERSA SOBRE A FAMÍLIA
 

2023-05-03


UMA TERRA QUE TREME E UM MAR QUE GEME
 

2023-03-23


SOBRE A PARTILHA DO PROCESSO CRIATIVO
 

2023-02-22


ALVALADE CINECLUBE: A PROGRAMAÇÃO QUE FALTAVA À CIDADE
 

2023-01-11


'CONTRA O MEDO' EM 2023 - ENTREVISTA COM TEATROMOSCA
 

2022-12-06


SAIR DE CENA – UMA REFLEXÃO SOBRE VINTE ANOS DE TRABALHO
 

2022-11-06


SAMOTRACIAS: ENTREVISTA A CAROLINA SANTOS, LETÍCIA BLANC E ULIMA ORTIZ
 

2022-10-07


ENTREVISTA A EUNICE GONÇALVES DUARTE
 

2022-09-07


PORÉM AINDA. — SOBRE QUASE UM PRAZER DE GONÇALO DUARTE
 

2022-08-01


O FUTURO EM MODO SILENCIOSO. SOBRE HUMANIDADE E TECNOLOGIA EM SILENT RUNNING (1972)
 

2022-06-29


A IMPORTÂNCIA DE SER VELVET GOLDMINE
 

2022-05-31


OS ESQUILOS PARA AS NOZES
 

2022-04-28


À VOLTA DA 'META-PERSONAGEM' DE ORGIA DE PASOLINI. ENTREVISTA A IVANA SEHIC
 

2022-03-31


PAISAGENS TRANSDISCIPLINARES: ENTREVISTA A GRAÇA P. CORRÊA
 

2022-02-27


POÉTICA E POLÍTICA (VÍDEOS DE FRANCIS ALŸS)
 

2022-01-27


ESTAR QUIETA - A PEQUENA DANÇA DE STEVE PAXTON
 

2021-12-28


KILIG: UMA NARRATIVA INSPIRADA PELO LOST IN TRANSLATION DE ANDRÉ CARVALHO
 

2021-11-25


FESTIVAL EUFÉMIA: MULHERES, TEATRO E IDENTIDADES
 

2021-10-25


ENTREVISTA A GUILHERME GOMES, CO-CRIADOR DO ESPECTÁCULO SILÊNCIO
 

2021-09-19


ALBUQUERQUE MENDES: CORPO DE PERFORMANCE
 

2021-08-08


ONLINE DISTORTION / BORDER LINE(S)
 

2021-07-06


AURORA NEGRA
 

2021-05-26


A CONFUSÃO DE SE SER NÓMADA EM NOMADLAND
 

2021-04-30


LODO
 

2021-03-24


A INSUSTENTÁVEL ORIGINALIDADE DOS GROWLERS
 

2021-02-22


O ESTRANHO CASO DE DEVLIN
 

2021-01-20


O MONSTRO DOS PUSCIFER
 

2020-12-20


LOURENÇO CRESPO
 

2020-11-18


O RETORNO DE UM DYLAN À PARTE
 

2020-10-15


EMA THOMAS
 

2020-09-14


DREAMIN’ WILD
 

2020-08-07


GABRIEL FERRANDINI
 

2020-07-15


UMA LIVRE ASSOCIAÇÃO DO HERE COME THE WARM JETS
 

2020-06-17


O CLASSICISMO DE NORMAN FUCKING ROCKWELL!
 

2019-07-31


R.I.P HAYMAN: DREAMS OF INDIA AND CHINA
 

2019-06-12


O PUNK QUER-SE FEIO - G.G. ALLIN: UMA ABJECÇÃO ANÁRQUICA
 

2019-02-19


COSEY FANNI TUTTI – “TUTTI”
 

2019-01-17


LIGHTS ON MOSCOW – Aorta Songs Part I
 

2018-11-30


LLAMA VIRGEM – “desconseguiste?”
 

2018-10-29


SRSQ – “UNREALITY”
 

2018-09-25


LIARS – “1/1”
 

2018-07-25


LEBANON HANOVER - “LET THEM BE ALIEN”
 

2018-06-24


LOMA – “LOMA”
 

2018-05-23


SUUNS – “FELT”
 

2018-04-22


LOLINA – THE SMOKE
 

2018-03-17


ANNA VON HAUSSWOLFF - DEAD MAGIC
 

2018-01-28


COUCOU CHLOÉ
 

2017-12-22


JOHN MAUS – “SCREEN MEMORIES”
 

2017-11-12


HAARVÖL | ENTREVISTA
 

2017-10-07


GHOSTPOET – “DARK DAYS + CANAPÉS”
 

2017-09-02


TATRAN – “EYES, “NO SIDES” E O RESTO
 

2017-07-20


SUGESTÕES ADICIONAIS A MEIO DE 2017
 

2017-06-20


TIMBER TIMBRE – A HIBRIDIZAÇÃO MUSICAL
 

2017-05-17


KARRIEM RIGGINS: EXPERIÊNCIAS E IDEIAS SOBRE RITMO E HARMONIAS
 

2017-04-17


PONTIAK – UM PASSO EM FRENTE
 

2017-03-13


TRISTESSE CONTEMPORAINE – SEM ILUSÕES NEM DESILUSÕES
 

2017-02-10


A PROJECTION – OBJECTOS DE HOJE, SÍMBOLOS DE ONTEM
 

2017-01-13


AGORA QUE 2016 TERMINOU
 

2016-12-13


THE PARKINSONS – QUINZE ANOS PUNK
 

2016-11-02


patten – A EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS, A ALTERAÇÃO DA PERCEPÇÃO
 

2016-10-03


GONJASUFI – DESCIDA À CAVE REAL E PSICOLÓGICA
 

2016-08-29


AGORA QUE 2016 VAI A MEIO
 

2016-07-27


ODONIS ODONIS – A QUESTÃO TECNOLÓGICA
 

2016-06-27


GAIKA – ENTRE POLÍTICA E MÚSICA
 

2016-05-25


PUBLIC MEMORY – A TRANSFORMAÇÃO PASSO A PASSO
 

2016-04-23


JOHN CALE – O REECONTRO COM O PASSADO EM MAIS UMA FACE DO POLIMORFISMO
 

2016-03-22


SAUL WILLIAMS – A FORÇA E A ARTE DA PALAVRA ALIADA À MÚSICA
 

2016-02-11


BIANCA CASADY & THE C.I.A – SINGULARES EXPERIMENTALISMO E IMAGINÁRIO
 

2015-12-29


AGORA QUE 2015 TERMINOU
 

2015-12-15


LANTERNS ON THE LAKE – SOBRE FORÇA E FRAGILIDADE
 

2015-11-11


BLUE DAISY – UM VÓRTEX DE OBSCURA REALIDADE E HONESTA REVOLTA
 

2015-10-06


MORLY – EM REDOR DE REVOLUÇÕES, REFORMULAÇÕES E REINVENÇÕES
 

2015-09-04


ABRA – PONTO DE EXCLAMAÇÃO, PONTO DE EXCLAMAÇÃO!! PONTO DE INTERROGAÇÃO?...
 

2015-08-05


BILAL – A BANDEIRA EMPUNHADA POR QUEM SABE QUEM É
 

2015-07-05


ANNABEL (LEE) – NA PRESENÇA SUPERIOR DA PROFUNDIDADE E DA EXCELÊNCIA
 

2015-06-03


ZIMOWA – A SURPREENDENTE ORIGEM DO FUTURO
 

2015-05-04


FRANCESCA BELMONTE – A EMERGÊNCIA DE UMA ALMA VELHA JOVEM
 

2015-04-06


CHOCOLAT – A RELEVANTE EXTRAVAGÂNCIA DO VERDADEIRO ROCK
 

2015-03-03


DELHIA DE FRANCE, PENTATONES E O LIRISMO NA ERA ELECTRÓNICA
 

2015-02-02


TĀLĀ – VOLTA AO MUNDO EM DOIS EP’S
 

2014-12-30


SILK RHODES - Viagem no Tempo
 

2014-12-02


ARCA – O SURREALISMO FUTURISTA
 

2014-10-30


MONEY – É TEMPO DE PARAR
 

2014-09-30


MOTHXR – O PRAZER DA SIMPLICIDADE
 

2014-08-21


CARLA BOZULICH E NÓS, SOZINHOS NUMA SALA SOTURNA
 

2014-07-14


SHAMIR: MULTI-CAMADA AOS 19
 

2014-06-18


COURTNEY BARNETT
 

2014-05-19


KENDRA MORRIS
 

2014-04-15


!VON CALHAU!
 

2014-03-18


VANCE JOY
 

2014-02-17


FKA Twigs
 

2014-01-15


SKY FERREIRA – MORE THAN MY IMAGE
 

2013-09-24


ENTRE O MAL E A INOCÊNCIA: RUTH WHITE E AS SUAS FLOWERS OF EVIL
 

2013-07-05


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 2)
 

2013-06-03


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 1)
 

2013-04-03


BERNARDO DEVLIN: SEGREDO EXÓTICO
 

2013-02-05


TOD DOCKSTADER: O HOMEM QUE VIA O SOM
 

2012-11-27


TROPA MACACA: O SOM DO MISTÉRIO
 

2012-10-19


RECOLLECTION GRM: DAS MÁQUINAS E DOS HOMENS
 

2012-09-10


BRANCHES: DOS AFECTOS E DAS MEMÓRIAS
 

2012-07-19


DEVON FOLKLORE TAPES (II): SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA COM DAVID CHATTON BARKER
 

2012-06-11


DEVON FOLKLORE TAPES - PESQUISAS DE CAMPO, FANTASMAS FOLCLÓRICOS E LANÇAMENTOS EM CASSETE
 

2012-04-11


FC JUDD: AMADOR DA ELETRÓNICA
 

2012-02-06


SPETTRO FAMILY: OCULTISMO PSICADÉLICO ITALIANO
 

2011-11-25


ONEOHTRIX POINT NEVER: DA IMPLOSÃO DOS FANTASMAS
 

2011-10-06


O SOM E O SENTIDO – PÁGINAS DA MEMÓRIA DO RADIOPHONIC WORKSHOP
 

2011-09-01


ZOMBY. PARA LÁ DO DUBSTEP
 

2011-07-08


ASTROBOY: SONHOS ANALÓGICOS MADE IN PORTUGAL
 

2011-06-02


DELIA DERBYSHIRE: O SOM E A MATEMÁTICA
 

2011-05-06


DAPHNE ORAM: PIONEIRA ELECTRÓNICA E INVENTORA DO FUTURO
 

2011-03-29


TERREIRO DAS BRUXAS: ELECTRÓNICA FANTASMAGÓRICA, WITCH HOUSE E MATER SUSPIRIA VISION
 

2010-09-04


ARTE E INOVAÇÃO: A ELECTRODIVA PAMELA Z
 

2010-06-28


YOKO PLASTIC ONO BAND – BETWEEN MY HEAD AND THE SKY: MÚLTIPLA FANTASIA EM MÚLTIPLOS ESTILOS