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RÉPLICA E REBELDIA NO MUSART- MAPUTO![]() JORGE DIAS2006-04-20![]() Organizada pelo Instituto Camões com a parceria do Museu Nacional de Arte de Maputo (MUSART), “Réplica e Rebeldia: Artistas Plásticos de Moçambique, Angola, Cabo Verde e Brasil” é a maior exposição de arte contemporânea realizada por uma entidade do estado português, que pode ser vista em Maputo. A exposição “Réplica e Rebeldia” abre um espaço de debate da história da arte africana, dos países africanos, a partir das produções de Angola, Cabo Verde e Moçambique, contando também com a participação do Brasil, enquanto país com fortes raízes africanas. O comissário do evento, António Pinto Ribeiro, propõe uma escolha de artistas, que na sua maioria não têm visibilidade no circuito ocidental, e que detêm uma grande qualidade artística. A escolha dos artistas não se colocou tendo em consideração os seus espaços de representatividade, ou seja, os seus países de origem, tendo-se relacionado, essencialmente, com a possibilidade de, através da procura de um olhar específico, trazer aquilo que espelha as produções contemporâneas dos países participantes. O comissário potencia uma reflexão das abordagens e suas problemáticas estéticas, bem como revela os compromissos que estes artistas tem com o seu tempo. Por um lado, foi o olhar estético e critico para com um eurocentrismo que determinou a escolha dos artistas e, por outro lado, uma abordagem histórica das práticas destes países. A exposição traz um debate sobre a história de arte, sobre os caminhos percorridos pelos artistas e sobre as estruturações do pensamento plástico com base na arte moderna. No entanto, deixa de parte artistas novos cuja produção não se enquadra no pensamento moderno europeu. As obras escolhidas são aquelas que respondem às preocupações dos artistas, os quais, usando das tecnologias, meios materiais e até conceitos modernos, procuram acima de tudo reflectir no seu trabalho as questões que mais se identificam, apresentando soluções encontradas dentro das suas realidades. A exposição foi estruturada em cinco núcleos. No núcleo “Réplica e Rebeldia - História” subentende-se que os artistas produziram réplicas do Modernismo europeu, trazido pelos colonizadores, através do recurso a técnicas e meios característicos de escolas académicas ocidentais como, por exemplo, o uso da pintura a cavalete, o uso do desenho a lápis, da fotografia e de diferentes modelos de execução. No caso particular de Moçambique, grande parte dos pintores sofreram influências directas das escolas ocidentais, das suas técnicas e meios de representação, acabando estes por se reflectir nas produções mais recentes - numa lógica actualmente imposta pelo mercado da arte, que se estruturou nos últimos 30 anos. Em Moçambique, as práticas artísticas estavam aliadas à luta de libertação colonial e cultural. A fotografia, em particular, foi muito usada pelos fotógrafos para documentar as zonas libertadas, as populações e os guerrilheiros da Frelimo. Os artistas, através das suas formas de expressão, denunciavam as estruturas de poder colonial, as práticas de racismo, as perseguições políticas e os abusos no domínio dos direitos humanos. Para Ricardo Rangel (Moçambique), a fotografia serviu para lutar pelos direitos humanos dos nativos. Através dela denunciou os maus tratos praticados pelos colonizadores. No Brasil, o contexto era diferente e os artistas afro-brasileiros buscavam elementos para a sua criação nos cultos religiosos e nas heranças tradicionais. Mestre Didi, através de um artesanato tradicional, cores vivas e materiais usuais em cerimónias dos terreiros, faz esculturas com uma variação, fuga e improvisação melódica, integrando-a nos circuitos dos museus e galerias. É uma das formas encontradas para ir ao encontro de sua raiz cultural, rebelando-se contra as escolas ocidentais e as ditaduras estéticas impostas pelo circuito brasileiro. Neste sentido, a sua escultura não é contra a cultura, mas estabelece um segmento e um sentido mágico por meio dela. O antigo poder curativo da estética passa para um novo horizonte, um poder que através da estética é capaz de promover a auto-estima e reinstalar elementos tradicionais enquanto arte contemporânea. Anésia Manjate (Moçambique), artista da nova geração que não participa nesta exposição, é talvez a artista que mais se encontra com o trabalho do Mestre Didi. Tem trabalhado com elementos e materiais da medicina tradicional, com o objectivo de rediscutir o papel, importância e contribuição da estética tradicional na contemporaneidade. No núcleo “Fotografias”, onde os fotógrafos moçambicanos são todos novos, tendo começado a aparecer com maior regularidade nos finais dos anos 90, apresentam-se fotografias com uma exploração de planos e, em alguns casos, com a perspectiva que estrutura uma certa relação entre os espaços e as pessoas retratadas. Muito diferente das fotos apresentadas pelos fotógrafos brasileiros, caracterizadas por uma abordagem espiritual e com um certo ritualismo, como o trabalho de Bauer Sá, artista que vive e trabalha em Salvador da Baía. Por outro lado, temos Fábio Domingues, também brasileiro, com uma fotografia trabalhada com um recurso tecnológico, manipulada digitalmente, onde se pode ver um uso exagerado de cor e efeitos visuais conseguidos através da tecnologia utilizada. É uma abordagem que reflecte um trabalho feito num espaço cosmopolita. A escolha do grupo de fotógrafos moçambicanos deve-se ao facto de serem pertinentes nas propostas que vêm apresentando. É uma fotografia que está em busca de registos alternativos, com base na documentação da sociedade em transformação e recorrendo a caminhos e narrativas particulares. Alexandre Santos, o mais novo do núcleo, tem-se revelado com um trabalho que estabelece um diálogo permanente entre as classes trabalhadoras e as tensões existentes, por meio de circunstâncias causadas por factores políticos, sociais e pessoais. As personagens aparecem normalmente em repouso, quando solitárias, e em movimento, quando estão em colectivo. Luís Basto e Tomás Cumbana têm tirado partido do detalhe onde a acção social e as personagens se tornam caricatas, passando uma aura de paz e de alegria. Mauro Pinto preocupa-se com uma fotografia que possa ser, ao mesmo tempo, um documento social e um meio para repensarmos a existência humana, enquanto ser social e existencial. Sabe tirar proveito de meios de comunicação visual dos espaços públicos e das pessoas que por ali passam, podendo desta forma articular um novo dado visual e de associações subjectivas. A particularidade destes fotógrafos é serem capazes de transmitir com algum prazer, optimismo e alegria, os pequenos e grandes problemas sociais, políticos e económicos dos moçambicanos. Esta forma de representação da realidade moçambicana é também amplamente explorada na publicidade, nos programas humorísticos de televisão, no teatro e em variadas formas de expressão cultural. É uma vontade que os artistas têm de fazer parte do mundo global, com alguma riqueza cultural que lhe foi negada num período curto da história. A procura das raízes culturais, o encontro com as origens, a pesquisa e apropriação da história, fez parte de um leque de questões que determinados artistas se preocupam em trazer para as suas produções, de forma a reencontrarem os caminhos para uma reafirmação cultural e de identidade. Maurícios Araújo (Brasil) é influenciado pelas imagens de igrejas e de santos barrocos, reavaliando-as, reflete um sincretismos religioso. As imagens lembram pequenos totens utilizados para cultos em terreiros. Outras abordagens são utilizadas neste grupo de identidades e apropriação de signos, textos e imagens. Estes artistas trabalharam com base no imaginário e na estética dos povos indígenas africanos. O núcleo “Independência e Artes” reúne dois artistas do Brasil e dois de Angola. Na visão do comissário, estes artistas buscavam uma independência nas artes. No caso dos angolanos Fernando Alvim e António Olé, que passaram pelo período da independência, em que grande parte dos artistas trabalharam as questões dos nacionalismos africanos, não partilharam por muito tempo estas preocupações e caminharam para uma arte mais “independente”, buscando novas linguagens, novos procedimentos de produção e experimentando os variados meios, como vídeo, fotografia, cinema, objectos, entre outros, para poderem articular formas de comunicação. Fernando Alvim que divide a residência entre Luanda e Bruxelas, apresenta uma pintura que reflecte este universo. Utilizando um tecido com padrão e também (na parte inferior do espaço pictórico) um tratamento cromático próprio de escolas modernas europeias, remete para o universo de uma África negra. Esta solução plástica reflecte a personalidade de um artista completamente instável: ao mesmo tempo, pode-se encontrar nos dois espaços, mas estando também ausente. António Olé que vive e trabalha em Luanda, tem um trabalho virado para a estética da pobreza. Busca nas memórias da história de colonização, nas tradições dos povos nativos e nas estéticas dos bairros suburbanos de Luanda, material para a sua produção. Diferente dos artistas do núcleo “Independência e Arte”, os artistas do núcleo “O Prazer Contemporâneo”, vão ao encontro das práticas contemporâneas que caracterizam os dias de hoje. Os artistas, segundo António Pinto Ribeiro, respondem ao mundo contemporâneo com a apropriação de estratégias oriundas do conceptualismo, da forma e da revisitação de tradições locais, criando exemplos de sincretismo artístico que são a prova avançada do cosmopolitismo contemporâneo. Alguns artistas buscam documentar os maiores acontecimentos do mundo global e regional, enquanto outros vão ao encontro das memórias e mitos, como é o caso de Mudaulane. Gemuce aborda questões da pobreza e da sua dinâmica face ao mundo globalizado, partindo de situações sócio-políticas. A instalação apresentada: “Deixa Andar” é uma critíca ao fenómeno social que se vive em Moçambique. Gemuce é um artista com um senso crítico muito apurado. Victor Sousa tem uma grande produção em pintura e cerâmica, com temas sobre a pobreza, cerimónias religiosas, momentos festivos e, recentemente, tem trabalhado sobre as marcas deixadas pelo tempo nas superfícies dos objectos. Mudaulane que produz esculturas-cerâmicas em grandes formatos, sobre temas do quotidiano, tem usado personagens do seu imaginário, com cabeças de animais e com mais membros que o normal. Para esta exposição apresenta um desenho em grande formato. Estes dois artistas poderiam estar perfeitamente no núcleo “Independência e Artes”, pelo trabalho que têm feito no maior período da sua produção, onde procuram, acima de tudo, conjugar as raízes culturais, as memórias genéticas e o mundo dos seus imaginários, com as linguagens e procedimentos alternativos oferecidos no espaço global. Pinto, apresenta desenhos, com narrativas sociais e culturais. Fazendo uso de um traço limpo e seguro, estrutura as suas composições tirando proveito do uso do espaço vazio. Revela um grande domínio do desenho. A exposição “Réplica e Rebeldia”, inaugurada no dia 13 de Abril no MUSART, estará aberta ao público até ao dia 28 de Maio. Jorge Dias Artista visual |