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EXPOSIÇÕES ATUAIS


© MICAS - Malta International Contemporary Art Space


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ARQUIVO:


JOANA VASCONCELOS

TRANSCENDING THE DOMESTIC




MICAS — MALTA INTERNATIONAL CONTEMPORARY ARTS SPACE
Ospizio Complex, Bieb il-Pulverista, Triq Joseph J. Mangion
Floriana FRN1830, Malta

27 OUT - 27 MAR 2025


 

Joana Vasconcelos apresenta a exposição “Transcending the Domestic”, no Malta International Contemporary Art Space. A exposição, inaugurada no final de Outubro de 2024, estará patente até ao dia 27 de Março de 2025.

Na informação paratextual, Joana Vasconcelos é apresentada como sendo uma artista “reconhecida pelas suas esculturas monumentais e instalações imersivas, onde descontextualiza objectos quotidianos, actualiza e recupera artesanias, estabelecendo um diálogo entre a esfera privada e o espaço público, as tradições populares e a alta cultura. Com humor e ironia, questiona o estatuto da mulher, a sociedade consumista e a identidade colectiva.” (tradução livre).

Redobrando a ironia referida, aquando da minha visita a Transcending the Domestic, uma mulher de idade avançada, vestida de fato de cetim púrpura, posiciona-se nas escadas que dão acesso à sala em que está em exibição Tree of Life, instalação que evoca o mito de Daphne juntamente com as adaptações necessárias à realização do trabalho da artista nos momentos de confinamento impostos. Os seus trabalhadores executaram as 140000 folhas que constituem esta peça a partir de casa, utilizando materiais reciclados. Ao ritmo da luz vermelha, que aparece e desaparece, esta árvore propõe-nos a natureza como um agente activo, embora previsível; acendendo e apagando.

Uma outra mulher, com material fotográfico de aspecto profissional, fotografa a primeira.

Contrastando com a vestimenta formal, a mulher fotografada usa chinelos de quarto rosa, com penas aveludadas. De forma a não perder o enquadramento, de onde se destacava a grande árvore da vida, nenhuma das duas, sem qualquer gesto de cerimónia, se incomoda a criar espaço para que os restantes visitantes possam visitar a instalação.

Triplicando a ironia, é também nesta exposição apresentada a peça de 1997, Aspirin Sofa, cujo título a descreve directamente; trata-se de um sofá constituído por tabletes de aspirina. Visito esta exposição no recobro da maior enxaqueca de que alguma vez sofri.

Em Loft, os espaços domésticos - sala, quarto, cozinha, casa de banho - são recriados com recurso a uma ampla variedade de materiais associados à domesticidade. Somos estimulados visualmente pelos berlindes e berloques, pelo brilho das peças com azulejos e vísceras almofadadas. Loft é um mostruário das diferentes possibilidades do kitsch, dos papéis de parede aos variados padrões decorativos dos azulejos, apliques e patchworks com diferentes texturas. A casa passo, um espaço, a cada mostruário, um passo. Há um certo animismo nos elementos da natureza reapropriados e tecidos; há espelhos que nos colocam dentro ou em relação com este animismo, ladrilhos de piscina, bordados, altos relevos. Este Loft assoberba a vivência da casa.

A obra de Joana Vasconcelos, corrijo, a apreciação da obra de Joana Vasconcelos, sendo relativamente consensual entre o demais público, é altamente contestada no seio do que vagamente nomeamos como mundo artístico. Pela adesão massiva às suas exposições, pela capacidade produtivamente fabril, e, talvez, por proclamar uma portugalidade atravessada por ícones cuja história é terraplanada para que se celebrem acriticamente, a prática e obra de Joana Vasconcelos é desconfiadamente aproximada. Se é o caso de que tal se saiba sem precisar de ser dito, num universo artístico moderadamente provinciano onde vigora ainda a conexão da “arte séria” a registos formais contidos, de “bom gosto”, que recorrem a uma certa conceptualização das técnicas (e artesanias também) e a transladam para paletas de todo o espectro do cinzento... Crio uma caricatura da “arte portuguesa”, intelectual e burguesa - embora relutante nesta admissão -, para que seja simples compreender o desdém interno pela obra de Joana. Visível, imponente, ameaçadoramente colorida, revestida pelas demais artesanias. Grande.

Quando tinha vinte anos, lembro-me, a artista Rita Castro Neves, na altura minha professora na Faculdade de Belas Artes do Porto, em contexto talvez informal partilhou que, independentemente da obra, dos pressupostos, processos e prática, não poderíamos deixar de reconhecer a Vasconcelos a capacidade de, enquanto mulher-artista, se impor nos circuitos artísticos. E de, com uma pujança à altura e ainda maioritariamente reservada aos homens, se afirmar. Lembro-me deste comentário - desculpo-me caso a memória deturpe a forma em que foi dito - porque foi também neste ano, com vinte anos, que compreendi o que significava ser mulher, com a agravante do que significava ser mulher no contexto artístico. Tendo crescido entre homens, e educada como seus iguais, tomei com surpresa, em primeira instância, os afagos paternalistas. A raiva que daí resultou rapidamente se espelhou em gestos de soberba, que espelhavam em igual medida a condescendência que em diferentes circunstâncias se colocava ao meu dispor. Nunca fui dada à hierarquia. “Joana Vasconcelos é um tractor”, dizia Rita, e é capaz de atropelar as circunstâncias que a tentam diminuir. Gostei desta imagem. Ser um tractor é não apenas mover-se em terreno que pode ser difícil e ainda infértil, mas ainda significa ser-se capaz de arrastar outros corpos, outras artistas.

Dez anos mais tarde, com trinta anos, lembro-me, a artista Luísa Cunha - artista altamente considerada no contexto artístico, tanto comercial como independente, pela sua obra e pela liberdade com que sempre tomou o fazer artístico - expressou a sua admiração por Vasconcelos, que descreveu como sendo não só uma magnífica artista mas como um par de discussão e de pensamento crítico sobre o fazer. A minha surpresa face à improvável parelha, naturalmente, espelhava um certo preconceito snob que também eu trazia para com a obra de Vasconcelos.

A peça de entrada nesta exposição é Valkyrie Mumbet, de 2020. Tal como as restantes Valquírias de Vasconcelos, que se iniciaram em 2004, esta refere-se às poderosas guerreiras da mitologia escandinava. Esta, dá voz a Elizabeth “Mum Bett” Freeman, mulher afro-americana escravizada que ganhou legalmente a sua liberdade em 1781, no estado de Massachusetts, seguindo a linha constitucional de que todos detêm o direito à liberdade e igualdade, desde o seu nascimento.

Ainda não posso dizer “dez anos mais tarde”, contudo, nos quarenta, creio que estarei, antes de tudo, grata ao tractor Vasconcelos. Respeitar é o exercício de reconhecer primeiro e criticar depois. E ser-se capaz de criticar, com respeito, gostando ou não, partilhando ou não famílias artísticas. Esse respeito implica também o reconhecimento anterior de que a produção artística, ou a Arte caso se queira acrescer solenidade, está embrenhada no tecido e na organização social e que é esse mesmo que exige ainda que as vozes não-masculinas gritem. Vasconcelos grita as mesmas palavras repetidamente ao trazer o que é doméstico à visibilidade, o que é descartável à especulação de valor. Por o ter feito, e o repetir constantemente, um enorme agradecimento; porque independentemente de outros comentários a serem feitos, são os tractores que permitem que as mesmas invisibilidades se possam agora expressar sem gritar tão alto.

 

Reservam-se as memórias e referências a dizeres de outras à criação livre da rememorização pela qual são processadas. É de direito sublinhar que se referem Rita Castro Neves e Luísa Cunha pela importância que guardei do que comigo partilharam quanto à obra de Joana Vasconcelos mas que, factualmente, os seus comentários poderão aqui ser replicados com lapsos, falhas e alterações.

 

 


Catarina Real
(1992, Barcelos) Trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica no campos expandidos da pintura, escrita e coreografia, maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração, que se debruçam sobre o questionamento de como podemos viver melhor colectivamente. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Encontra-se em desenvolvimento da Terapia da Cor, prática aplicada entre teoria da cor, arte postal e intuição coreográfica. Mantém uma prática de comentário - nas vertentes de textos de reflexão, textos introdutórios a exposições, entrevistas e moderação de conversas - às obras e processos realizados pelos artistas na sua faixa geracional, com a intenção de contribuir para um ambiente salutar de crítica e criação colectiva e comunitária.
Foi artista residente na Residency Unlimited, Nova Iorque, com apoio do Atelier-Museu Júlio Pomar/EGEAC.



CATARINA REAL