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ENTREVISTA


Inês Teles no atelier. Cortesia da artista.


Catálogo de Symbionts.


Social Ameba, de InêsTeles. © Bruno Lopes


Social Ameba (detalhe), de InêsTeles. © Bruno Lopes


Social Ameba, de Inês Teles, em Portais do Tempo. © Luis Filipe Catarino | CMA


Social Ameba, de Inês Teles, em Portais do Tempo. © Alberto Cunha


Visita de Campo - Formações Tor e Castle. © Inês Ferreira-Norman


Visita de Campo - Tor © Inês Ferreira-Norman


Visita de Campo - Represa © Inês Ferreira-Norman


Visita de Campo - Vale Rossim © Inês Ferreira-Norman


Visita de Campo - Vale Rossim II © Inês Ferreira-Norman


Visita de Campo - feixe de quartzo, © Inês Ferreira-Norman

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INÊS TELES


29/04/2024

 

 

 

O projeto milieu-specific: Inês Teles e microrganismos aquáticos

 


I.F-N: O que buscas Inês?
I.T.: Não sei, algum elemento que me apetecesse agregar. Comigo.
I.F-N: Agregar a ti, como aquele organismo que agrega, a Anitella Amelia?

 

Inês Teles, artista plástica, é uma artista que para além de um currículo vasto em exposições e prémios, está a tirar doutoramento na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Atualmente, vemos cada vez mais artistas interessados na ideia de investigação. É uma palavra que se vai normalizando no mundo artístico em Portugal, mesmo que ainda não seja recebido por um público mais à arte pela arte da mesma forma que pelos próprios artistas. Afinal de contas, são os artistas que determinam que arte é que se produz, e as ecologias artísticas, ainda que (muito) devagar, vão-se desdobrando.

‘O Estado da Água’ é um projeto multidisciplinar de residências artísticas que junta 6 artistas na Aldeia de Sabugueiro e em Seia, e ‘pretende analisar a presença da água em redor da aldeia (...) nas suas componentes material, sensorial, visual, paisagística e sociológica. O projeto consiste na realização de residências artísticas, interações com a comunidade local e apresentação local dos trabalhos resultantes (desenho, escultura, instalação, fotografia, vídeo). A equipa artística é formada por Eunice Artur, Iana Ferreira, Inês Teles, Joana Patrão, Jorge Leal e Thierry Ferreira.’ [1]1

Foi nas paisagens da Serra da Estrela que me encontrei com Inês Teles para dar início ao seu processo de investigação no contexto desta residência. Inês atualmente dedica-se mais frequentemente à escultura. O seu doutoramento incide exatamente sobre a matéria (com um foco especial no barro e por consequência na água), e um campo de pesquisa que se vai denominando como Novos Materialismos. Em outros tempos, a prática artística de Inês revolvia mais em torno da pintura, mas ainda assim debruçava-se sobre como a tinta é matéria, desconstruindo-a para voltar a moldá-la e assim transformá-la. É sobretudo este dinamismo da matéria que fascina Teles no nosso mundo, na nossa existência. Por isso não é de estranhar que esteja embrenhada em estudar o estado da água, ou melhor, os estados da água, matéria transformadora e transformável por excelência.

Assim como tantas outras atividades do meio artístico, o processo de uma residência artística é muito pessoal. Cada artista traz a sua bagagem, cada artista traz as suas intenções (ou não) e cada residência artística é diferente, oferece possibilidades diferentes. ‘O Estado da Água’ não oferece um atelier, por isso cada artista tem de desenvolver estratégias próprias para poder realizar o seu trabalho artístico. Nesta residência haverá (para além das atividades comunitárias) uma exposição em Outubro que irá reunir o trabalho de todos os artistas envolvidos. Esta exposição terá lugar no âmbito do Festival Internacional de Cinema Ambiental de Seia, em vários locais, como por exemplo o forno comunitário de Sabugueiro e o Museu Etnográfico.

Quando digo que o processo é muito pessoal, tem que ver com o facto de que os artistas quando estão em seus ateliers, têm o seu processo, mas estão na sua zona de conforto, e é muito fácil – e aqui falo por mim e por muitos outros artistas, mas claro que não por todos – nos ‘distrairmos’, ainda que de forma direcionada. É muito fácil nos inspirarmos por várias ideias ao mesmo tempo, é muito fácil nos convencermos que mais uma atividade ‘é pesquisa’. Ou que precisamos de mais x material para começar peça y. Ou que agora o sol está a entrar na janela de uma maneira especial e precisamos de um café para desfrutarmos daquele momento só nosso, para nos centrarmos, para depois então recomeçarmos. E com isto, os dias passam, e as obras de arte avançam... a um passo que não tem uma data que determine a sua velocidade ou quando tem de ser terminados. Dentro do estúdio, a liberdade é uma. Fora do estúdio a liberdade é outra. E quando falo de estúdio, falo da entidade que é o estúdio, em distinção do que é um projeto; que se subentenda estúdio como o khôra Platoniano, um espaço, um intervalo sem forma, que é também o substrato material, mas ao qual eu lhe atribuo em adição uma perceção sensorial estética. O que o estúdio significa é um estado de espírito, metodologias específicas, uma variedade tecnológica seletiva, um espaço em quem confiar, a atemporalidade. O projeto (mesmo que se esteja a desenvolver dentro das paredes do estúdio) não é o estúdio. Mais frequentemente que não, o projeto tem deadlines, o projeto segue um briefing (por mais aberto que ele seja), o projeto leva-nos de A para B, mesmo que não se saiba onde fica B... ou se B é minúsculo. O projeto leva-nos a um outro khôra sensório-estético, e os projetos de residência site-specific exponenciam tal trânsito, pois nos confrontam com uma paisagem na qual nos convidamos a conhecê-la, por um período limitado de tempo, mas também a nós próprios.

Algo diferente acontece na paisagem: a paisagem dá-nos uma liberdade imensa, mas retira-nos confortos, e é nessa zona de não conforto que avanços significativos se dão na prática artística e revelam as idiossincrasias de cada um. A paisagem sempre determinou muito do que se faz culturalmente, quer falemos em paisagem sintética (Rosário Assunto) quer falemos em milieu (Augustine Berque). A paisagem sintética tem uma posição antropocêntrica da definição do que é a paisagem pelo método de separação, o inerente dualismo cultura-natureza muitas vezes também aferido à palavra meio-ambiente. O milieu aponta para aquilo que é produzido num ‘mundo-ambiente’, onde significâncias relacionadas com a integração, ou pelo menos uma relação entre uma entidade e o que a rodeia, são fundamentais para a sua compreensão.

Quais são as questões que a paisagem nos traz? Ou são os artistas que trazem questões para a paisagem? O valor estético e sensorial da paisagem acaba por transmitir sinais que despertam o interesse de cada artista. É como se as sinapses cerebrais engatassem com os sinais específicos que conseguem descodificar naquele bioma, para encontrar o caminho de como aproximar o parentesco. Este engate ocorre de forma sensorial, e o projeto – no caso do ‘Estado da Água’, o processo de residência artística - serve para descodificar esse engate, e por isso podemos dizer que os artistas hoje em dia que fazem obras ou projetos milieu-specific, estão envolvidos em processos bio semióticos.

‘’A Biosemiótica (bios = vida e semion = sinal) é um campo de estudo em crescimento que estuda a produção, ação e interpretação de sinais, como sons, objetos, cheiros, movimentos, mas também sinais à escala molecular, numa tentativa de integrar os achados da biologia e semiótica para formar uma nova visão da vida e significância como características imanentes do mundo natural’. [2]

A bagagem mais imediata que Inês Teles traz para esta primeira visita ao local desta residência, provém da investigação que estava a desenvolver quando a convidaram para participar na exposição ‘Portais do Tempo’ com a curadoria de Pauline Foessel na Lisnave em Almada, patente até 13 de Julho. Inspirada pelo trabalho da exposição ‘Symbionts: Contemporary Artists and the Biosphere’ com curadoria de Natalie Bell, Caroline A. Jones, Selby Nimrod, no MIT List Visual Arts Center, Teles tomou conhecimento de vários conceitos e seres ligados à (micro)biologia. Esta exposição pretendia posicionar a Bio-Arte numa perspetiva de colaboração e não de exploração (algo que debati no meu artigo anterior) e por isso apresentou várias estratégias empregadas por seres ou fenómenos que exemplificam e desmistificam a lei da competição e corroboram a lei da colaboração na natureza. Leah Aronowsly, investigadora doutorada em Harvard em História da Ciência, fala-nos do aspeto político que a palavra simbiose tem, e faz-nos refletir (em consequência do trabalho que os artistas apresentaram) sobre as características sociais que inevitavelmente se manifestam em interdependências entre seres e humanos. Simbiotas ‘são parceiros em simbiose, um conceito na biologia que significa ‘viver com’ e descreve as variadas formas de relação interdependente entre organismos de espécies diferentes’ [3]. Como é que podemos viver com os nossos vizinhos? Uma pergunta altamente política se pensarmos por exemplo no processo de colonização de Israel em Gaza. Será que podemos criar soluções biomiméticas para questões tão profundas?

Inês Teles detetou a presença da vegetação numa fotografia de Alberto Cunha, fotógrafo do 25 de Abril, e Cunha revelou-lhe que esses ramos que apareciam ora umas vezes focados ou outras desfocados, o fez pensar - e assumir a sua presença na composição visual das fotografias - num labirinto, o qual associava à ditadura. Um elemento estético natural, pertencente ao milieu do 25 de abril apoderou-se de significados. Poderíamos falar aqui de bio semiótica também?

O milieu é um termo da Filosofia, e mostra relação, usado pela primeira vez em 1854. A simbiose é um termo da Biologia, e mostra dependência, usado pela primeira vez em 1887. Concomitantemente, o impressionismo desenvolveu-se a partir de 1860. Os impressionistas eram obcecados por pintar o que viam, o que ouviam, in-loco, in-paisagem. A paisagem era um dos seus temas principais, e a pintura ou esboço no local colocava seus autores em relação a essa paisagem. No entanto, o emoldurar de uma visão (e uso visão como sinónimo de paisagem - Adriana Serrão e Moirika Reker) retinha o pintor enquanto retratista, numa relação hierárquica. Sendo os ideias modernistas individualistas, as traduções pictóricas que herdámos do seu legado mostram a paisagem como um terceiro elemento, uma experiência à distância, uma entidade que por muito que seja representada é outrada, sintética. Os movimentos da Bio Arte e dos Novos Materialismos, das temáticas mais-do-que-humanas, procuram perceber a paisagem de dentro para fora, numa relação embrenhada, sedenta por uma fusão que tem sido renunciada pelos sistemas (principalmente económicos) que ganham com o outramento.

Na Serra da Estrela, a produção cultural está associada às lagoas e ao pastoreio. Às lagoas, pois é delas que surgem muitas lendas, inclusive a história de como a Serra da Estrela se chama Estrela, e o pastoreio como forma de vida, como impulsionador da transumância.

Visito a fonte do rio Mondego, o Mondeguinho, com Inês Teles, e pergunto-lhe o que é que lhe interessa na Serra da Estrela e Inês responde que é o dinamismo, o facto de termos 4 estações num só dia na mesma paisagem, e o facto de a água carregar, movimentar, com ela um sentido agregador de fenómenos.

Inês tem estado a estudar uma série de microrganismos no seguimento da sua pesquisa para o trabalho que realizou para ‘Portais do Tempo’, ‘Social Ameba’. As amebas sociais são organismos unicelulares que quando ‘passam por escassez nutricional, (...) forma[m] uma coletividade, um organismo conglomerado que passa por vários estados: vegetativo, agregação, migração e culminação. Criada esta lesma multicelular, o grupo transforma-se numa torre produtora de esporos, um farol projetor de amebas para áreas mais nutritivas. Este processo de transformação implica o sacrifício de algumas células em prol da coletividade. Observamos por isso, renúncia e solidariedade neste modelo de vida social microscópica.’ [4]4 O trabalho de Inês é para mim, claramente adequado a ser desdobrado num discurso bio semiótico. O comportamento deste organismo produziu uma experiência estética, e Inês interpretou-a como uma escultura em vidro, bronze e silicone pigmentado.

A este processo transitório, de transumância entre as regiões mais lógicas (objetivas) e outras mais intuitivas (subjetivas) da nossa perceção, em que a paisagem é traduzida através de uma lente que procura constatar, poetizar como é que a simbiose acontece, podemos denominar de uma qualidade trajetiva. Esta qualidade está no cerne do processo dos artistas que trabalham com Arte e Ciência.

É claro que Inês não sabe ainda o que vai fazer para esta residência. As palavras do dia são a agregação pois em paralelo com a Ameba Social, Teles tem vindo a aproximar-se também da Anitella Amelia. Este, um organismo aquático que – fantasiámos – ou tem tendências colecionistas, ou gosta de se parecer maior para eliminar predadores ou ainda, sofre de influências militares, pois agrega a si mesmo todo o tipo de material em seu redor.

A investigação ainda está a desenrolar-se e literalmente, andámos à procura de pistas. As águas cristalinas da represa do Vale do Rossim transportaram-me para outro mundo. A montanha aconchegava um abraço apertado, e o horizonte era a serra, a geologia nua. Descobri sobre formações chamadas Castle Koppie, Tor e Nubbin. E fiquei a pensar que agora já eramos um bocadinho mais íntimas, eu e a serra.

Mas é a água, possivelmente, a substância que nos é mais íntima. Para além de sermos feitos dela, ela rodeia-nos (desde a conceção), e quando mergulhamos nela, ela entra nos orifícios que temos, e sem a beber morremos. Ela possibilita que a vida se propague e desenvolva. A água une-nos.

A água e o que se passa dentro dela, é todo um milieu sensório-estético com a complexidade acrescida de que é cíclica e muda de estados. E este ‘simples’ facto científico, são para os cientistas só mais um facto, diz Inês, mas eu acho que é na poesia dos factos que artistas como Inês Teles constroem os seus milieus. No caso da arte transdisciplinar focada na simbiose, são mundos-ambientes que nos permitem aproximar das partes que sabemos serem interdependentes, possibilitando em retorno, para o público, uma reflexão sobre a nossa interdependência com o mundo natural e neste caso, a água. Para o artista, a importância do projeto milieu-specific é outra, pois nele acentua-se a intimidade. Sendo que o projeto nos confronta com a paisagem exterior, mas também a interior, a intimidade que surge do projeto milieu-specific está relacionada com o facto que o artista é parte integrante das descobertas. Não seria interessante saber se já apanhámos chuva das águas do nosso próprio saco amniótico?

 

 

Inês Ferreira-Norman
Mestre em Artes Plásticas pela University of the Arts London, foi editora chefe do Journal of Arts Writing by Students publicado pela Intellect entre 2019 e 2023, e tem-se formado e envolvido em projetos editoriais desde 2009. Foi produtora cultural e gerente de artistas no Reino Unido até 2018, quando voltou para Portugal para se dedicar à sua prática e ao pensamento artístico.

 

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Notas

[1] Documento de apresentação da residência ‘Estado da Água’.
[2] Brier, Søren, Biosemiotics, in Cybernetics & Human Knowing, Copenhagen Business School.
[3] Symbionts: Contemporary Artists and the Biosphere
[4] Inês Teles, em instagram, postagem de 18 de Abril de 2024.

 

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Social ameba, vidro, bronze e silicone pigmentado, 40 x 56 x 36 cm, 2024

Produção de moldes: Oficina de Produção Plástica

Design de vidro: María Renée Morales Lam

Créditos fotográficos: 
© Bruno Lopes

Portais do Tempo: Exposição colectiva "Portais do Tempo", desenvolvida pela Underdogs e pela Câmara Municipal de Almada.
Curadoria de Pauline Foessel, nos Antigos estaleiros da Lisnave, em Almada
Créditos fotográficos: 

© Luís Filipe Catarino | CMA 

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