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ENTREVISTA


Natasa Petresin


Sound performance by Scanner, Salon Minimal, Ljubljana, 2001


Huseyin Alptekin, “Albanian bunker for each Contemporary Art Museum”. Exposição “In the Gorges of the Balkan”, Kassel, 2003


Vista da exposição “Participation: Nuissance or Necessity?”, Iaspis Gallery, Stockholm, 2005


Discussão “Problem of the Week” durante a exposição “Societè Anonyme”, Le Plateau, Paris, 2007

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JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




NATASA PETRESIN


Natasa Petresin é comissária de exposições e crítica de arte. Vive e trabalha em Paris e Ljubljana. Terminou o seu mestrado na EHESS (École des Hautes Études en Sciences Sociales), onde co-dirige um seminário sobre práticas artísticas e curatoriais contemporâneas, juntamente com Patricia Falguières, Elisabeth Lebovici e Hans Ulrich Obrist.

Foi uma das jovens comissárias internacionais convidadas a participar este ano na Bienal de Lyon e comissariou, entre outras, as seguintes exposições: “Distorted Fabric” (De Appel, Amsterdão, 2007), “Participation: Nuisance or Necessity?” (Iaspis Gallery, Estocolmo, 2005), “Our House is a House That Moves” (Pavelhaus, Laafeld, Skuc Gallery, Ljubljana, 2004). Foi assistente do comissário do Pavilhão Esloveno na 49ª Bienal de Veneza (2001) e co-comissariou “In the Gorges of the Balkans” (Kunsthalle Fridericianum, 2003 em Kassel) sob a direcção de René Bloch.

Em 2007 co-comissariou um programa de pesquisa de larga escala no Le Plateau em Paris, “Societè Anonyme”, juntamente com Thomas Boutoux e François Piron). No próximo ano será a comissária convidada a desenhar a exposição “Conspire!” do Festival Transmediale 08, em Berlim.

Por Sílvia Guerra
Paris, Outubro de 2007


Actualmente impõe-se uma perspectiva diferente das lógicas nacionais, que existe para além das heranças políticas que formam e nutrem as novas gerações de cada país. Hoje desenha-se, prefigura-se uma lógica internacional que é a de uma Europa que ainda não existe. É importante poder partilhar ideias com os colegas da nossa geração, pois entre o Leste e o Ocidente Europeu, entre os derradeiros netos da Jugoslávia de Tito e os filhos da Revolução de Abril em Portugal existe uma inevitável proximidade que surge da herança política das últimas experiências de não-capitalismo europeu; ou poderíamos dizer, eufemisticamente, da herança póstuma de outras formas de modernidade (comunismo e ditadura fascista).

Esta herança e a sua problematização reflecte-se inevitavelmente, como a história colectiva que cada cidadão traz consigo, nas práticas curatoriais contemporâneas. Assim sendo, vamos “falar de trabalho” pedindo de empréstimo o título de um livro de Philip Roth “Shop Talk, a writer and his colleagues and their work”. É esta a proposta da minha conversa com Natasa Petresin, minha colega em Paris, cidade que é provisoriamente a nossa casa.



P: A tua reflexão sobre a Europa de Leste, particularmente sobre a Eslovénia, defendida na tua tese de mestrado (Amplifier sa propre stratégie d’apparition: Les stratégies artistiques d´auto-historicisation et d´auto-institutionalisation dans la période de post-socialisme, de transition et d´internationalisation de la Slovénie de 1980 à 2006) visava repensar a história do teu país?

R: Sim, penso que devemos começar pela história do nosso país e, neste caso, concentrei-me sobre os problemas de auto-organização dos artistas na Eslovénia. Durante todo esse período, ou seja nas três últimas décadas do século XX, não existiam instituições extra-estatais na Europa de Leste e a iniciativa privada foi assumida pelos próprios artistas que organizaram o seu trabalho de modo a suprimr essa lacuna. Chamei a este fenómeno de auto-institucionalização: do trabalho, da crítica de arte. Andava tudo à volta da arte política na Europa de Leste e foi através desta auto-institucionalização que estes artistas da ex-Jugoslávia obtiveram alguma visibilidade. Não existiam os mesmos meios do Ocidente para atingir essa visibilidade.

A Leste foram os artistas que se auto-organizaram para escrever a história dos outros artistas seus colegas, como foi o caso dos Irwin. A historiografia, a escrita da história foi feita por eles, já que não havia uma única instituição que validasse o seu trabalho. Durante os anos 70 e 80, foram os artistas que se tornaram polivalentes em todas as profissões do circuito artístico criando o seu próprio contexto. Os Irwin, colectivo de artistas que trabalha desde 1983 para fazer o East Art Map, escreveram sempre, explicando o seu trabalho como numa auto-crítica, através dos nomes dos seus projectos, tais como “creating our own context”, e a maior parte destes projectos continua ainda em desenvolvimento.

Eu vi este processo através do exemplo esloveno, uma vez que até aos anos 90, os artistas que não podiam contar com nada para além dos subsídios estatais, desenvolveram uma forma de obter esses fundos públicos que era a de se constituírem como uma entidade legalmente reconhecida, como um “corpo legal”, criando assim as suas próprias organizações, a sua contabilidade, a sua empresa.



P: Não existiam galerias de arte na Eslovénia?

R: Só existe uma galeria comercial em Ljubjana, a de Gregor Podnar, criada em 2002, e que agora já tem uma sucursal em Berlim. Vou-te agora contar um detalhe surpreendente e pouco conhecido: na ex-Jugoslávia, a teoria de Tito era a de self-management, que era uma “terceira via” entre o Ocidente capitalista e o comunismo russo, que ele criou com o apoio de conselheiros marxistas. Quando entrevistei os artistas que trabalham constituindo pequenas instituições, que são praticamente individuais, pensei nesta ironia histórica…

Outra ideia forte que ainda me interessa explorar após este estudo aprofundado é a de analisar a instituição da crítica de arte existente na Europa de Leste. A Ocidente a crítica contemporânea surge com o aparecimento da arte conceptual, quando os artistas se dedicaram à land art e à sound art ou a outras práticas, mas a Leste não havia nenhum fenómeno crítico comparável, e penso que foi a necessidade de suprir esta lacuna que forçou os artistas a criarem um contexto à sua volta e a criticarem mutuamente os seus trabalhos.

De resto, este mesmo fenómeno existia na Rússia e na Húngria. Por exemplo, em Budapeste existia um Artpool, que arquivou o movimento fluxus. No entanto, esta auto-crítica feita por artistas é muito diferente da Ocidental pois funciona “in a corrective way”, e eu gostaria de criar futuramente um projecto que possa reflectir sobre este fenómeno…



P: Houve uma explosão de vitalidade vinda dos Países de Leste e a Eslovénia foi sempre uma das economias mais florescentes da ex-Jugoslávia. Tito ainda governava quando tu nasceste e eu nasci com o fim do regime de Salazar. Após a morte de Tito, as guerras fizeram publicidade a estes países e ainda hoje estamos a explorar este filão da criatividade vinda dos Países de Leste e dos seus agentes culturais. Na tua opinião, o que poderá ter provocado esta “promoção” do Leste Europeu?

R: Penso que todo esse fenómeno remonta à queda do Muro de Berlim, com a abertura a Ocidente houve uma grande deslocação de artistas e agentes culturais que vinham da Roménia para a França, da Eslovénia para Paris. Não existia nada, cristalizado em livros, sobre a arte produzida a Leste, não existiam exposições realizadas entre os estados da ex-Jugoslávia durante o período do comunismo, e a informação existente condensava-se na memória dos artistas.

Eram os artistas que conheciam os trabalhos uns dos outros e este saber assumia o carácter de uma tradição oral. Ora a consciência pública daquilo a que chamamos arte contemporânea pós 1945, toda essa construção teórica, concentrava-se no Ocidente, e faltava reescrever a arte contemporânea de toda a Europa. Penso que é por esta razão que ainda hoje continuamos a explorar este desconhecimento, e mesmo actualmente, não existe uma visão global da arte contemporânea europeia.

Para o Ocidente era esta a decoberta, mas após tantas exposições sobre a Europa de Leste, o Ocidente descobre o Leste, como se estabelecesse uma visão sobre os nossos pontos de vista e como se fosse uma questão nacional que lhe pertence redescobrir.



P: Estás um pouco cansada de ser uma “embaixadora do teu país” e onde quer que desenvolvas os teus projectos, coloca-se sempre a questão de “vires do Leste Europeu”?

R: Bom, mais ou menos. No entanto, apesar de não sermos galeristas, é necessário informar e mostrar o que os artistas de Leste produziram e produzem hoje. É necessário criar um contexto intelectual que permita validar criticamente a produção do nosso país, quando nos questionam sobre isso. Isto faz-se através de uma contextualização da história política e social do país. Mas, sim, estou farta de exposições nacionais.



P: Mas esse fenómeno acontece um pouco por toda a Europa, e no entanto é curioso que por vezes nessas exposições o proteccionismo esteja virado para dentro: apresenta-se a “cena francesa” em França, o “made in Germany” na Alemanha… No projecto em que trabalhaste, “Participation: nuisance or hospitality?”, estava subjacente a ideia de que “utilidade” em arte contemporânea é participar politicamente na sociedade. Como é que os artistas dos nossos dias participam politicamente? A dupla de artistas, Nomeda e Gediminas Urbonas, que comissariaste para a Bienal de Lyon podem servir como exemplo dessa participação?

R: A ideia de “utilidade” da arte pode ser relacionada com as noções de militância e activismo político que estão nela presentes desde há séculos: na literatura, na filosofia, no teatro e também nas artes visuais. No meu trabalho curatorial esta é uma questão que me interessa profundamente. Nem é tanto (ou pelo menos deixou de ser…) a questão de resistências potenciais aos regimes como as que são praticadas pela arte “militante”, mas a “autoridade“ que o objecto criativo reivindica para se exprimir criticamente sobre toda uma série de questões relevantes.

A questão colocada actualmente por muitos artistas - “What is to be done?” (O que há a fazer?) - na sociedade actual, dada a conjuntura social e política que vivemos, usufruindo das comodidades culturais do capitalismo tardio, pode também ser interpretada como um re-questionar sobre: Qual é o papel do artista hoje? Onde é que ele é encarado como um agente “reformador” de pequenas e grandes questões, assumindo a veste de um trabalhador social, ou outras vezes de um ser utópico. Na exposição “Participation: nuisance or hospitality?”, explorei, num intenso diálogo com os artistas, a ideia dos contratos de participação social que existem em projectos, sejam eles artísticos ou de outra espécie, na nossa sociedade. Acredito que hoje, um número cada vez mais alargado de artistas desenvolve a sua prática à luz das noções de visibilidade, responsabilidade ou mesmo de ética, que são noções com que tento lidar na minha prática curatorial.

Os artistas que escolhi para a Bienal de Lyon, Nomeda e Gediminas Urbonas, representam para mim este tipo de actores que contribuem amplamente e descrevem a realidade pós-comunista de certos (antigos) países do Leste Europeu, mais precisamente os processos da transição pós-socialista e de privatização.



P: Na medida em que também colaboras como crítica de arte em diversas revistas e magazines culturais (como a Parkett Magazine, Interview, NU: The Nordic Art Review, Acoustic Lab Reader, Framework: The Finnish Art Review, Springerin), gostaria de saber qual é o teu campo de batalha nessa área, sobretudo porque nos teus artigos existe igualmente o ponto de vista da curadora.

R: Com a ascenção dos curadores profissionais (especialmente os independentes) ouvimos falar muito desses agentes e põe-se a questão do estatuto desta nova carreira que está em afirmação crescente e apaga a posição que antigamente pertencia exclusivamente aos críticos de arte profissionais.

Eu argumentaria que muitos dos comissários agem hoje como importantes críticos de arte e ensaístas, e isto por vezes deduz-se a partir de uma simples leitura dos textos que escrevem para catálogos e pelos conceitos das exposições, onde até um certo nível, está expressa uma inerente (auto) opinião reflexiva. Parece-me também que existe uma maior influência, ou pelo menos uma maior visibilidade, dada hoje aos nomes dos artistas que integrm exposições colectivas e aos conceitos chave expressos nos títulos das mesmas ou nas suas apresentações, que é superior àquela que é dada às críticas das exposições ou às recensões feitas na imprensa.

Uma vez que as posições/escolhas subjectivas, misturadas com interesses institucionais ou económicos, estão muitas vezes em jogo nas práticas curatoriais, acabamos por “seguir as modas” estabelecidas por estas mesmas opiniões muito subjectivas. São estas críticas artísticas de curadores que substituem hoje o trabalho de críticos/jornalistas de arte profissionais, cujas posições, durante muito tempo, validaram as práticas artísticas a partir de pontos de vista positivos e negativos, e que no entanto eram proclamados como objectivos.



P: Em certa medida Hans Ulrich Obrist pode ser considerado um desses curadores que apresenta, no título das suas exposições, o conceito que será demonstrado na mostra. Foste ver em Manchester a sua última produção, “Il tempo del Postino?”, uma exposição colectiva (com os artistas: Doug Aitken, Matthew Barney, Tacita Dean, Trisha Donnelly, Olafur Eliasson, Liam Gillick, Dominique Gonzalez-Foerster, Douglas Gordon, Carsten Höller, Pierre Huyghe, Koo Jeong-A, Anri Sala, Tino Sehgal e Rirkrit Tiravanija) apresentada no tempo e espaço de uma ópera?

R: Ainda não vi a mise-en-scène “Il tempo del Postino” comissariada por Hans Ulrich Obrist e Philipe Parreno, mas li que se anunciou como um projecto co-comissariado pelos dois e dirigido pelo Parreno. Acredito que seja um conjunto muito interessante de projectos artísticos realizados por artistas com quem Obrist colabora desde o início da sua prática curatorial. É também muito interessante que uma colaboração, a primordial empatia que une um artista ao seu curador, seja enquadrada num contexto performativo. Os formatos nos quais a arte contemporânea se apresenta são felizmente bastante flexíveis, tal como as instituições, pelo menos na sua primeira aparência.



P: Num dos teus mais recentes projectos, que tive a oportunidade de visitar este ano no Le Plateau em Paris, a “Societè Anonyme”, conseguiste apresentar o “fazer” criativo, o trabalho como uma atitude artística, mais do que mostrar o objecto final do processo artístico, as obras. Qual foi o “relatório” final da “Societè Anonyme”? Havia a intenção de criar um arquivo em todo este processo?

R: A “Societè Anonyme” (curadoria com François Piron e Thomas Boutoux) explorou as já muito discutidas economias do trabalho e pesquisa artística, crítica ou curatorial num enquadramento temporário e institucional. Economias do trabalho que são consideradas enquanto actividades orgânicas, produtivas e de colaboração.

O “relatório” ainda está a metade, tal como os projectos que os hóspedes convidados iniciaram, que ainda estão prestes a ser terminados. O “balanço” da primeira fase do projecto, que adveio do convite que a directora artística do Le Plateau, Caroline Bourgeois, nos fez (três curadores independentes), é o resultado de uma experiência sobre a qual não previamos demasiado os frutos, nem sabíamos de antemão aonde nos poderia conduzir; e isto é a magia de uma produção deste tipo. Tendemos a visualizar cada detalhe do processo, mas a “componente artística” acontece num momento inesperado ou apanha-nos de surpresa, tal como nos mesmos momentos podem surgir experiências negativas. Para nós os três as discussões que tiveram lugar entre os hóspedes convidados e os participantes de origem francesa, artistas ou curadores, foram momentos tão precisosos como aqueles em que a troca se fez ou não existiu. Por outro lado, conseguimos mostrar um amplo leque de enquadramentos, de contactos e possibilidades para diferentes projectos que os convidados quiseram começar a trabalhar e por aí em diante, e isto foi motivo de uma imensa alegria e desafio para os comissários. A segunda fase do projecto irá ter lugar na Fundação Kadist em Paris no início de 2008.

Nesta segunda fase será focada a noção de limites institucionais e os seus desafios, bem como os “resultados” dos projectos que começaram a ser discutidos na primeira fase. Eu penso que é difícil compreender os resultados de um acto artístico na medida em que é diferente compreender o sentido de uma obra de arte, que pode ser mesmo “desmaterializada” - como é o caso da arte conceptual - ou imaterial - como no caso dos media art ou de projectos Net art. A validação do resultado do esforço artístico, acontece na óptica do capitalismo tardio e da sua necessidade de produtos. Podemos de qualquer modo colocar a questão de documentar a obra de arte, de documentar uma pesquisa como obra de arte, ou pensar no documento como obra de arte. Esta será também uma das questões que serão colocadas na segunda fase da Societè Anonyme. Mas por outro lado, também pode surgir uma nova discussão, que poderia centrar-se na questão de actos “não-artísticos” prosseguidos pelos artistas e identificados como “não-artísticos”, que existem seguramente por todo o lado e que seria ainda mais interessante explorar no contexto de uma exposição.



P: Eu diria que hoje a leitura da obra de arte depende cada vez mais da sua integração no espaço e no tempo, ou seja da sua interacção com o dispostivo expositivo. Qual é a para ti a relevância do dispostivo em que se apresentam as obras?

R: A estrutura da arte contemporânea, cuja chave principal são as exposições, faz parte do sistema capitalista tardio. Sobre o mecanismo do “após”, Slavoj Zizek nota que “o capitalismo contém a sua própria destruição, deixou de ser um sistema estável, centrado em si mesmo e perturbado por excessos e interferências, para ser um sistema precário que realiza a sua manutenção através de incessantes auto-revoluções, um sistema cuja instabilidade é muito forte”. Cada exposição é uma instituição em si mesma, uma construção, uma moldura individual, uma narrativa pessoal ou um conglomerado comprometido pelo contexto sócio-económico no qual ocorre, e é deste modo mediatizada por uma vasta audiência, por um público, e por outro lado, por uma falta de ética ou ainda mais por uma falta de responsabilidade para com a visibilidade que a arte contemporânea obtém, através das suas diversas actividades, formatos e modelos, enquanto participante no capitalismo global.

Penso que hoje na prática curatorial é importante dar visibilidade às diversas e potenciais leituras das obras de arte, bem como aos múltiplos sentidos que ela coloca, sejam eles um desafio ou uma resistência aos sentidos que lhes foram historica ou hegemonicamente estabelecidos. E ter em conta os sentidos virulentos da arte e lidar em consonância com os mesmos faz-me evocar o que Giorgio Agamben entende como potencialidade: “To be potential means to be one´s own lack, to be in relation to one´s own incapacity. Beings that exist in the mode of potentiality are capable of their own impotentiality... In the abyss of potentiality it is possible to find the root of freedom: to be free is not simply to have the power to do this or that thing, nor is it simply to have the power to refuse to do this or that thing. To be free is to be capable of one’s own impotentiality.”