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EXPOSIÇÕES ATUAIS


João Tabarra, “O Encantador de Serpentes”. HD, projecção, cor, s/ som; loop


João Tabarra, “O troféu”. HD, projecção, cor, som; loop


João Tabarra, “The Moonwatcher´s defeat”. Vídeo digital 2000 frames/seg., projecção, cor, som; loop


João Tabarra, “Atelier”, 2007. Vídeo digital 2000 frames/seg., projecção, cor, som; loop


João Tabarra, “Roda”, 2007. DV Pal, projecção, cor, som; loop


João Tabarra, “Mind the gap”, 2007. HD, projecção, cor, s/ som; loop


João Tabarra, “Tornado”, 2007. DV Pal, projecção, cor, s/ som; loop

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ARQUIVO:


JOÃO TABARRA

G




GALERIA ZDB / GALERIA GRAÇA BRANDÃO (LISBOA)



22 FEV - 05 MAI 2007


Galeria ZDB até 28 de Abril

Galeria Graça Brandão (Lisboa) até 5 de Maio



Integralmente produzida pela Galeria ZDB e comissariada por Natxo Checa, a exposição de João Tabarra (n.1966) desenvolve-se em dois tempos e em dois espaços do Bairro Alto. Patente na ZDB até 28 de Março e na Galeria Graça Brandão até 5 de Maio, reúne sobre um enigmático título, “G”, um conjunto de 19 peças, inéditas, diferentemente materializadas em fotografia, vídeo ou instalação. Sem ruído, folclore ou lantejoulas, esta exposição é o resultado consciente de um longo processo de maturação conceptual das premissas dos trabalhos anteriores, no sentido de uma maior complexidade e subtileza programáticas, e assinala um feliz reencontro do público com o trabalho de um artista fundamental da década de 90, após dois anos de recolhimento estratégico.

O registo do corpo de obra obedece a uma vontade de expressar de forma individual, maturada, determinante e irreversível uma preocupação empenhada de estar e ser no mundo. “A questão humana não é a de quantos podem sobreviver dentro do sistema, mas que espécie de existência é possível para aqueles que sobrevivem” é a chave oferecida a João Tabarra por Pardot Kynes, primeiro planetologista de Arrakis, no primeiro volume de “Dune” (saga literária de ficção científica criada por Brian Herbert e Kevin J. Anderson) para a abertura da exposição. A complexidade da equação exige um recentramento permanente, uma tomada de posição responsável relativamente a uma preocupação maior sobre a condição humana. O trabalho reflecte a importância e a necessidade absoluta da neutralização do carácter (tornado) paradoxal de conceitos fundamentais como humanidade, cultura e inovação, contextualizando duplamente artista e espectador dentro destas questões, obrigando-os a uma problematização simultânea sobre as condições e possibilidades da sua própria existência, bem como do seu lugar no mundo.

A proximidade amadorística à música, à literatura, à poesia, ao cinema, à ciência ou à filosofia consubstancia o seu trabalho diário de atelier, servindo a investigação lenta, o desenvolvimento progressivo dos conceitos e determinando a valorização dos conteúdos criativos (face aos técnicos) posteriormente traduzidos em imagem. A materialização dos dois anos de conceptualização discursiva foi realizada nos seis meses anteriores à exposição e a sua resolução técnica dependeu da capacidade de outras pessoas, cujos trabalhos incidissem especificamente nesses domínios. O despojamento, a depuração, o rigor e a meticulosidade processuais serviram a eficácia da produção que envolveu meios de espectacularidade monumental, particularmente, nos momentos de convocação da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, do Estado-Maior da Força Aérea, da Companhia Logística de Combustíveis e do Observatório Astronómico de Lisboa.

A exposição abre, na ZDB, com a obra “A segunda morte de Rocinante”, fotografia na qual os vestígios do cadáver do cavalo quixotesco (elemento condição, enquanto veículo, para a heroicização da figura ficcionada de Cervantes) são assinalados em confirmação forense, resolvendo em definitivo o seu enigmático desaparecimento literário, confirmado pelo valor documental do registo fotográfico. As testemunhas-figurantes (alguns membros da equipa de produção da ZDB) convocadas para o terreno baldio do subúrbio procedem ao luto. A constatação da necessidade da celebração colectiva do herói, protagonista ritual no discurso capitalista, prossegue na desconstrução icónica da figura de Che Guevara no vídeo “A Fenda”, através do questionamento dos pressupostos da sua resolução imagética. Tabarra recorre ao original de Korda restabelecendo a verdade pré-mediática da sua captura, revelando apenas os elementos excedentário à sua fórmula de universalização.

É em vídeo, enquanto possibilidade de formulação da imagem em movimento, que Tabarra resolve a generalidade das ideias apresentadas. É o “medium” fundamental da exposição que assim se diferencia dos anteriores projectos que tinham na fotografia o seu suporte preferencial. A ideia de conflito (também presente na procura do domínio do próprio “medium”) é performativamente encenada em arena de subúrbio com uma mangueira descontrolada com a qual o protagonista (autor) estabelece uma relação coreográfica. A tarefa de “O encantador de serpentes” é simultaneamente cómica, nas relações óbvias que estabelece com o burlesco (nomeadamente com o cinema de Keaton e Chaplin), e profundamente dramática na evocação de um esforço infrutífero absurda e sistematicamente repetido. A mesma ideia está contida em “Êxodo”, vídeo que apresenta um personagem em migração sucessiva para ambientes simultaneamente equivalentes (a água simbolicamente entendida enquanto inevitabilidade existencial de eterno retorno) e paradoxais (da perigosidade natural do mar à segurança controlada e artificial da piscina e vice-versa). O protagonista é interminavelmente recolhido e mergulhado, numa tentativa fracassada de salvamento de alguém que não sabe onde quer estar e se define em permanente dependência, fragilidade e humanidade, integrado num cenário profundamente pictórico. Pictórica é também a paisagem alternadamente velada em artifício imagético e sonoro da “Floresta encantada com motor a diesel”. Estes dois últimos trabalhos revestem-se de uma importância estrutural no contexto da exposição, destacando-se ainda o vídeo “Ballata del suicidio. Working class angels, para Pasolini”. A resistência aqui operada ao obscurantismo do poema funda-se numa alegórica e quasi-divina sobrexposição, através de um processo progressivamente cumulativo de corpos luminosos que habitam, estranhamente suspensos, o enquadramento, sonorizado com o registo repetido e obsessivo da inscrição em papel, pelo autor, do poema de Pasolini que dá título à obra.

As ideias de suspensão, permanência ou infinito, presentes nestes e noutros trabalhos, radicam numa profunda admiração pelos limites do universo e por uma desejada conquista do espaço. A letra “G”, que dá nome à exposição, refere-se à constante gravitacional universal e a obra “2001 – Odisseia no Espaço” constitui-se como referência central de “Tableau vivant. Manhã Lacaniana”, trabalho que, sincrético e enigmático, promove a continuidade com o conjunto da Galeria Graça Brandão, apresentando a resolução dos seus indícios na obra “The Moonwatcher´s defeat”. O osso, ícone estranhamente pousado frente a um personagem velado no primeiro vídeo, aparece num movimento que, ascendente, simula o arremesso operado pelo macaco vitorioso na cena “kubrikiana”, que ali se transforma em nave e aqui se desintegra fatalmente, provocando uma dramática ruptura evolutiva, com um único e seco projéctil. Em “Atelier”, Tabarra convoca deliberadamente esse universo para o seu lugar de trabalho, estabelecendo desta forma uma fuga para dentro, redireccionando-se no sentido do seu próprio encontro. As passadas lunares que, vitorioso, ali encena são a projecção mais imediata desse sentimento de maturação individual.

Não obstante, a convocação sociológica do papel do colectivo permanece reforçada. Não organizado em “Frente/Verso”, o modelo tem o seu oposto em “Roda”, alegoria à ideia de aldeia global e ao falhanço da distribuição equitativa (democrática) dos recursos. “Roda” é também o anel cósmico que se projecta em esforço no chão, no caminho circular que resulta da passagem sistemática e resignada dos elementos do grupo pelo bidon cujo calor não conforta. O registo sonoro da matéria (fogo), que se consome e se extingue, contamina toda o espaço de exposição, cujo corpo expositivo é completado com os vídeos “Tornado”, “Mind the Gap” e “The Keeper”, e as fotografias “The Keeper” e “Homem Couraçado.”

A contaminação é, efectivamente, condição primeira da interpelação das obras do espaço da Galeria Graça Brandão. Condicionada pela sua estrutura impositiva, a montagem revela-se particularmente inteligente na determinação das justaposições sequenciais dos ecrãs num espaço distribuído em estreitas passagens abertas para um centro comum. O impacto do espaço nas obras obriga a uma leitura global imediata, pelo que o conjunto funciona numa unidade discursiva apenas interrompida pelos dispositivos técnicos que, porque suspensos do tecto, redimensionam o espaço e convocam uma positiva, e eventualmente autonomizadora, alternância entre as obras.

Na Galeria ZDB, a colocação das paredes de insonorização, bem como a consequente criação de passagens pesadas e dramáticas no percurso expositivo, permitiu a anulação desejada de algumas das salas do edifício. A linguagem expositiva que aqui privilegia (em oposição à primeira) — a descoberta do espaço, a fruição demorada e a emoção do jogo de expectativas — resultou profundamente adequada às exigências específicas das obras e potenciadora do seu carácter reflexivo.

Não institucional, “G” marca a diferença no panorama cultural da capital. Integralmente produzida pela ZDB, espaço histórico do circuito alternativo, a exposição é, actualmente, a proposta mais coerente e inteligente para um discurso plástico contemporâneo. O projecto para o “livro G”, resultante do trabalho produzido no contexto desta exposição, existe e aguarda financiamento.


Lígia Afonso