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LEONARDO FINOTTI: O FOTÓGRAFO QUE TRANSFORMA A ARQUITETURA NUM LABORATÓRIO VISUAL
FÁTIMA LOPES CARDOSO
Se apreciarmos o percurso de Leonardo Finotti, um dos mais prestigiados e produtivos fotógrafos de arquitetura brasileiros, percebemos que a vida pode ser uma combinação de circunstâncias com a dose certa de audácia, loucura e talento. Com apenas 48 anos, a amplitude geográfica da sua obra revela o pulsar do ritmo em que vive, sempre a viajar de lugar em lugar, da América Latina à Europa do Norte.
Na ampla estante da sala da sua casa luminosa, em São Paulo, reúne um número considerável de obras próprias e publicações especializadas. Dezenas de livros e revistas como a Wallpaper, Domus, a+u, Architectural Record, Monolito, Plot, entre outras, são as guardiãs do espólio do autor. Entre uma breve pausa antes de viajar para a Amazónia, o próximo destino a fotografar, Leonardo Finotti conversou com a ARTECAPITAL e revelou como a chegada acidental a Portugal, em 2002, e o encontro com a arquitetura contemporânea nacional lhe traçou o destino. Em 2027, comemora 30 anos de carreira, com novas exposições e publicações em vista.
Por Fátima Lopes Cardoso
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FLC: É formado em Arquitetura, mas foi na fotografia que se encontrou profissionalmente. Como começou esta espécie de curto circuito que gerou um arquiteto fotógrafo ou um fotógrafo arquiteto?
LF: A trajetória em fotografia coincide com o meu ingresso na Universidade Federal de Uberlândia, no interior do estado de Minas Gerais. A licenciatura em Arquitetura partilhava o mesmo edifício com o curso de Belas-Artes, no qual existia a matéria optativa de Fotografia. Nesse momento, deparei-me com uma figura incrível, Thomaz Harrell, um professor de origem mexicana que viajou pelo mundo inteiro. Emigrou para os Estados Unidos, estudou Cinema, em Los Angeles, e, depois, trabalhou com um documentarista japonês. Ao passar pelo Brasil, mais propriamente pelo Xingu, apaixonou-se pelo país e aqui ficou. O que me atraiu foi o facto de ele ser completamente motivado por aquilo que fazia. Eu nunca fui movido pelo fascínio de ser fotógrafo, mas aquela paixão que Thomaz entregava à fotografia, atraiu-me. Naquele momento, tive a certeza que, tal como ele, queria fazer alguma coisa pela qual fosse apaixonado. Tivemos uma empatia imediata e assim começamos uma relação mestre-pupilo que durou os cinco anos do curso em que literalmente inventámos atividades para além da disciplina de Fotografia oferecida.
FLC: Veio à Europa, pela primeira vez, nessa altura, mas não correu bem...
LF: Quando me encontrava a realizar a tese final em fotografia no curso de Belas-Artes como aluno de Arquitetura, que era mais um ano, viajei, pela primeira vez, para a Europa e fui roubado no comboio entre Veneza e Roma. Já tinha comprado as primeiras lentes, tinha uma câmara oferecida pelo meu pai, mas fiquei sem nada. Perdi todas as fotos que realizei nessa viagem, exceto um rolo de filme de diapositivo com imagens da cidade de Burano, perto de Veneza, que tem as casinhas coloridas. Na verdade, se fosse para escolher um filme que se relacionasse com o meu trabalho, nesse momento, seria esse. Por isso, nem tudo foi negativo. Consegui concluir o trabalho final, “Cromofotografopólis”, sobre a relação de cor e luz no espaço urbano. Embora gostasse do que fazia, ainda não me tinha passado pela cabeça ser fotógrafo. Tinha terminado o projeto final e, por causa do roubo, estava novamente sem equipamento para continuar. Depois, surgiu a oportunidade de trabalhar com Thomaz Harrell e Aristeu Silveira Neto no curso de Engenharia Mecânica da universidade, que tinha acabado de adquirir um excelente equipamento e precisava de ajuda no departamento de Mecânica dos Fluídos. Desenvolvi “Imperfeições”, um projeto com luz contínua em que fotografei um pingo de leite a cair sobre uma superfície plana. Este trabalho inicial foi selecionado para diversas exposições no Brasil.
FLC: Mas depois acabou por regressar a Itália para integrar o curso da Fabrica, centro de pesquisa em comunicação do Grupo Benetton?
LF: Antes de ir para a Fabrica, ainda respondi a uma chamada na revista brasileira Veja para uma formação da editora Abril, no início de 2002. Esse curso era super concorrido. Havia mais de cem candidatos por vaga e lá caí de para-quedas. Deixei a editora com a certeza de que nunca iria trabalhar em revistas. Odiei ser pautado, direcionado para fotografar determinada coisa. Sempre fui demasiado rebelde. Durante o curso, fiquei a saber da Fabrica, que era uma agência de criatividade da Benneton, em Itália, fundado por Oliviero Toscani. Enviei portefólio e, seis meses depois, fui selecionado para uma experiência. Estamos a falar do segundo semestre de 2002. Mas não correu nada bem. Nem eu gostei de lá, nem eles do meu trabalho.
FLC: Naquele momento, Portugal pareceu-lhe a tábua de salvação?
LF: Vim à procura de uma amiga portuguesa que conheci no curso do grupo Abril. Como qualquer recém-formado, não tinha a certeza do que queria fazer e vim para Portugal porque as minhas reservas financeiras durariam mais do que em Itália. Só que essa amiga estava a viajar, em Cuba, e fiquei algum tempo sozinho. Aluguei um quarto na casa de um casal. Ele era austríaco, músico de jazz, e ela era brasileira, da Bahia. Por coincidência, ele dava aulas de saxofone a João Nunes, um dos principais arquitetos paisagistas portugueses, e insistiu que fosse mostrar-lhe o meu trabalho. Naquele momento, o escritório PROAP, de João Nunes, tinha sido escolhido para representar Portugal na Bienal de Arquitetura de Veneza.
Fui então conhecer o João, mas sem muita expectativa. Levei um catálogo sobre o projeto do leite, que era um A5 com poucas páginas. Disse-lhe que não tinha portefólio; ele que escolhesse uma obra e que eu iria lá fotografar. Naquele momento, já havia um lugar em Lisboa de que gostava bastante, que era o Parque do Tejo, na Expo. Usava o Pavilhão do Conhecimento, de Carrilho da Graça, para acessar à internet. A única certeza era que iria realizar essa experiência no Parque do Tejo. Fotografei durante uma semana, em outubro ou novembro de 2002, em 35mm. E tudo me aconteceu. Quase fui preso, ao fotografar em cima da ponte Vasco da Gama; outra vez, cai e como estava a chover, a câmara deixou de funcionar. Mas realizei o trabalho. Montei uma seleção de slides e fui à PROAP. Naquele tempo, tinha muita dificuldade em perceber o português de Portugal. Cada vez que clicava no projetor, o João falava “bestial”. Pensei: “Puts, está a achar uma porcaria”. Graças a essa experiência, chamou-me para fotografar toda a obra dele e decidi ficar a viver em Portugal e ser fotógrafo de arquitetura.
FLC: Nos anos que viveu e trabalhou em Portugal, fotografou também os projetos de João Gomes da Silva, Inês Lobo, Ricardo Bak Gordon, João Favila, Carrilho da Graça ou, entre outros, Aires Mateus. De que forma este período foi importante na sua carreira?
LF: João Nunes foi muito generoso e apresentou-me João Gomes da Silva - os dois são os principais paisagistas de Portugal. Comecei com vários outros arquitetos, como Inês Lobo, João Favila, Ricardo Bak Gordon, Paulo David... Essa boa coincidência de Portugal estar no momento auge de sua arquitetura, a integração na União Europeia, com muita obra e uma elevada qualidade nos arquitetos, levou a que o meu trabalho começasse a ser muito publicado. As próprias revistas europeias, por causa do meu sobrenome, pensavam que eu era italiano. Aí, ficou uma confusão quando se apercebiam de que era brasileiro. “Como é que um brasileiro nunca fotografou nada no Brasil?” No final de 2005, ao invés de vir só de férias ao meu país, resolvi procurar alguns arquitetos e realizar trabalhos. Outra coincidência: numa das minhas idas ao Porto, fui visitar o escritório do Siza. Como trabalhava para João Gomes da Silva já tinha fotografado vários projetos de Siza Vieira em que a GAP tinha realizado os arranjos exteriores. Imprimi algumas fotos em tamanho 20 x 30 e mostrei-lhe. Siza Vieira virou-se para mim e disse: “Agora em Dezembro, fica pronto o betão do Iberê e seria bom que fosse um brasileiro a fotografar”. O meu primeiro trabalho relevante, no Brasil, foi fotografar o edifício da Fundação Iberê Camargo para o Siza, no final de 2005.
FLC: E um dia regressou para sempre ao Brasil.
LF: A partir de 2005, comecei também a fotografar para arquitetos brasileiros, como Marcos Acayaba, Thiago Bernardes e Paulo Jacobsen, Isay Weinfeld, entre outros, o que também foi muito importante. Parece que todos me adotaram para ser o fotógrafo da sua obra. Conheci também Paulo Mendes da Rocha, no final de 2005, e tinha acabado de participar na revista de arquitetura 2G com obras de Portugal. E aí, propus realizar uma monografia de Paulo Mendes da Rocha e, na sequência, ele ganhou o Pritzker. Por coincidência ou não, parece que estava a antecipar os acontecimentos importantes. E estive sempre nos momentos em que ocorreram situações interessantes para a arquitetura. Parte do sucesso da minha carreira está relacionada com essa circunstância: estar em Portugal, no auge da arquitetura portuguesa, que considero uma das melhores. Apesar de existir a figura de Siza Vieira, fala-se da arquitetura portuguesa como um todo, ou seja, a genialidade de Siza não sobressai do conjunto de excelentes arquitetos. O próprio Paulo Mendes da Rocha não é tão conhecido como Siza Vieira pelo público em geral. Portugal também tem a vantagem de não ter um peso tão forte no modernismo, o que faz com que não exista um lastro criativo no período moderno, como aconteceu no Brasil. Por não ter essa referência tão presente, liberta o contemporâneo, além da questão económica e dos fundos da União Europeia que foram sempre muito importantes.
Portugal também foi essencial na formação do meu carácter enquanto profissional. Os arquitetos portugueses foram muito generosos comigo. Basta falar no exemplo que mencionei de João Nunes me ter indicado ao seu colega, não sei se o mesmo teria acontecido no Brasil.
FLC: Além do vasto caminho percorrido na fotografia de arquitetura no Brasil, tem acompanhado importantes obras no Paraguai, Chile, México, Uruguai, mas também na Suíça, Noruega, entre outros? A projeção internacional teria sido possível se não tivesse regressado ao Brasil, onde conseguiu, com certeza, um outro “efeito de escala”?
LF: A produção em arquitetura em Portugal, por mais pequena que seja, é mais interessante do que a do Brasil. Também regressei para o Brasil antes da crise de 2008, por isso, não sei muito bem como a situação evoluiu. Também nesse momento começo uma relação forte com arquitetos suíços que, desde então, passou a ser o meu destino principal de trabalhos, na Europa. Acabei por já estar mais interessado na América Latina, onde me sinto mais desafiado em ajudar nessa construção coletiva de um olhar sobre a região.
O interesse por Niemeyer e pelo modernismo
Oscar Niemeyer, Editora Brasileira. © Leonardo Finotti
FLC: Como surgiu o interesse pela arquitetura modernista?
LF: Iniciei a carreira a fotografar para os arquitetos contemporâneos, mas a receção do Iberê Camargo, que foi publicado bastante, deu-me vontade de contribuir para a valorização da arquitetura do Brasil. Com a aproximação do centenário de Oscar Niemeyer, em 2007, além de fotografar a obra de Paulo Mendes da Rocha, para a publicação da editora Gustavo Gilli, resolvi lançar-me nesse projeto pouco sensato: viver em Portugal e, por iniciativa própria, fotografar a obra de Niemeyer em todo o mundo. Estava há alguns anos fora e apeteceu-me contribuir para a história do meu país. Até hoje não sei se foi bom ou insensatez. Mas senti que tinha de o fazer. Na maioria das fotografias sobre a obra de Niemeyer, todo o mundo tentava acompanhar as suas curvas. Basicamente, a inovação do meu trabalho foi encarar Niemeyer de frente e fotografar os edifícios de forma direta, reta, com fachadas precisas e não tentar fazer fotos à Niemeyer. A ideia era fotografar 100 edifícios. Por um lado, tentava aproveitar as minhas idas ao Brasil e alguns trabalhos que tinha para financiar o projeto. Naquela altura, o digital ainda estava no início e as publicações em papel foram fundamentais nesse processo.
FLC: Quais são as obras de Niemeyer que mais aprecia?
LF: A marquise, do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. É uma obra complexa. É uma laje plana que conecta alguns edifícios. Num parque onde faz calor, essa obra faz sombra. É muito inteligente e importante.
FLC: Esse desafio resultou no arquivo de fotografia contemporânea mais representativo sobre Oscar Niemeyer, com cerca de 200 edifícios fotografados em todo o mundo. E existe, inclusive, um livro de 352 páginas de fotografia a preto e branco. No início do projeto, acreditou que chegaria tão longe?
LF: No inicio de 2008 apresentei a exposição “100 fotos, 100 obras, 100 anos: Oscar Niemeyer por Leonardo Finotti”, no Museu da Electricidade de Lisboa, que quebrou completamente com o paradigma da exposição de fotografia de arquitetura. Eu e Michelle Jean de Castro, minha companheira e com quem tenho a sorte de fazer alguns trabalhos, definimos seis tamanhos de fotos para aproximar a escala dos edifícios. A linha do horizonte ficava na altura do meu olho e apresentada na cronologia do fotógrafo. Era uma lógica conceptual completamente diferente.
Nesse momento, o então curador chefe de design e arquitetura do MoMA, Barry Bergdoll, estava a iniciar um projeto sobre o modernismo na América Latina. Ele tinha estado em Lisboa e disse-me que foi a exposição de fotografia de arquitetura mais bonita que alguma vez tinha visto. Imaginei que estaria envolvido, naturalmente, nessa exposição que ele preparava no MoMA. Assim aconteceu. Trabalhei durante sete anos nesse projeto, entre 2008 e 2015. Essa oportunidade do MoMA potencializa o meu interesse pelo modernismo na América Latina, além de ter sido um momento determinante, em que o Museu adquiriu 15 dessas fotos para a sua coleção permanente. Antes, a arquitetura da América Latina era pouco conhecida e passou a ter mais visibilidade. É um projeto a que me dedico até hoje.
FLC: Quais são as principais características da fotografia de Leonardo Finotti? O que o distingue de outros autores de imagem de arquitetura?
LF: Sempre fui muito do campo. Acabei por estudar Fotografia para perceber o que estava a fazer. Durante uma palestra, fui confrontado com uma pergunta sobre o meu estilo e daí a comparação com a Escola de Düsseldorf, a fotografia direta. Sempre vivi em lugares luminosos. Lisboa tem uma luz muito dura; sou natural de Uberlândia, que tem uma luz parecida com a de Brasília, em que existe um planalto e um horizonte aberto, com sol muito acentuado, muitas nuvens. A luz do Norte da Europa é plana e com menos sol direto, por isso, em muito períodos do ano, quase não faz diferença fotografar na parte da manhã ou à tarde. Na luz dura, consigo trabalhar melhor a geometria através da luz e da sombra. Por estar num ambiente mais luminoso e mesmo que de ângulos semelhantes, a minha construção depende muito da incidência do sol. As composições de luz e sombra marcam mais a perspetiva e a foto fica mais tridimensional.
Depois, se há algo que me distingue são as intervenções e experiências com os livros. Pensar como um livro de tiragem elevada pode ser transformado num livro autoral, numa obra. A partir da reutilização das chapas de impressão offset, cortes de alguns livros; noutros casos, construo objetos a partir da matriz. A capacidade de realizar certos exercícios como as exposições e pensá-las como foto-instalações. No fundo, como levar a fotografia, uma obra bidimensional, para o espaço.
FLC: Quais são os maiores desafios da fotografia de arquitetura?
LF: A fotografia é um objeto inanimado. Em todo o lugar, o Sol vai nascer a Este e se pôe a Oeste. Portanto, é um objeto fixo. Não tem como controlar a questão natural, o clima, as intempéries. Mas segue a dinâmica de acompanhar o movimento do Sol, que é claro e simples. Quando fotografamos um trabalho comissionado, temos de reunir um conjunto de fotografias que represente bem a obra.
FLC: A fotografia de arquitetura é sempre uma reinterpretação de determinada obra, edifício ou paisagem?
LF: A fotografia tem essa pretensão. Mas são poucos os fotógrafos que conseguem se distinguir e ter identidade no trabalho. As imagens e a própria inteligência artificial, em vez de ajudar, estão a limitar, pois os modismos tendem a predominar. Tudo vai ficando mais enlatado. Até me questiono acerca da própria fotografia digital. Talvez o termo mais apropriado seja imagem, uma vez que não existe um meio físico que reage à exposição à luz.
FLC: Tem apostado muito na publicação de livros de arquitetura, individuais ou coletivos. Considera que a obra de um fotógrafo tem uma maior dignidade quando prolongada num livro, como se deixasse uma pegada eterna na história da fotografia de arquitetura?
LF: Sempre fui muito crítico. Como fui criando um vínculo com os editores, era mais fácil eles procurarem um fotógrafo que trabalhasse com dezenas de arquitetos diferentes do que contactá-los individualmente. Daí o digital também servir como plataforma de divulgação do fotógrafo. Os arquitetos e os fotógrafos de arquitetura passaram a ter as suas plataformas, sites e Instagram. No caso do editor suíço Lars Müller, com quem tenho trabalhado muito, é completamente diferente. Ele só publica projetos mais autorais e menos comerciais. O primeiro projeto que fizemos juntos, em 2014, foi o livro “Futebol: Urban Euphoria in Brazil”, em que o convidamos outro fotógrafo brasileiro, Ed Viggiani, que dedicou a vida a registar o futebol em várias regiões do Brasil e, no meu caso, são fotos aéreas da periferia de São Paulo, em que relaciono esses campos como sendo o único espaço público dessas zonas.
Futebol: Urban Euphoria in Brazil, 2014.
FLC: Realizou e participou em quase 50 livros, muitos deles são quase objetos de culto do design, outros parecem processos editoriais em metamorfose que podem suscitar várias leituras. Que relação existe entre a fotografia, a arquitetura e o livro?
LF: Considero-me um privilegiado. Sempre recebi muitos convites, quer para realizar exposições como para publicar livros, pelo que tive espaço para experimentações. A característica de ser muito crítico e nunca estar satisfeito com nada permitiu-se sair da zona de conforto e ir à procura de algo mais. Fez com que criasse uma reputação e conseguisse responder de forma eficaz e criativa. Às vezes, conseguia responder de forma rápida a uma lacuna de agenda de um museu ou relações com os editores permitiram-me conceptualizar livros interessantes e, ao mesmo tempo, simples, o que gera mais oportunidades.
FLC: Que projetos o ocupam no momento?
LF: Acabei de lançar “São Paulo”. Na verdade, é um livro que se desdobrou em dois. Decidi separar o Este do Oeste e o Norte do Sul. Um dos livros é Sul-Norte e o outro é Oeste-Leste. O centro surge nos dois livros em seus centros. A narrativa envolve uma brincadeira concetual que joga com a orientação de São Paulo. Ainda estou a tentar fazer uma foto da cidade em que se vê o mar.
Também continuo envolvido no projeto “América Latina”, já publicado em livro - volume 1. Tenho participado em várias exposições fotográficas. A “Latinitudes” é o desdobramento da exposição “América Latina”. Esteve recentemente em Bogotá e depois foi para Quito, na Bienal de Arquitetura. Na semana de 10 de março deste ano, inaugurou em Cuenca. É uma série que envolve fotografias de doze países da América Latina e que terminei no ano passado. São 119 fotos a preto e branco. Cada cidade (Montevideo, Buenos Aires, Santiago, São Paulo, Lima, Quito, Bogotá, Caracas, San José, Cidade da Guatemala, Cidade do México e Havana) tem entre sete e doze fotografias. Pretendo terminar o segundo volume ainda este ano.
Em 2027, vou completar 30 anos de carreira. Desde 2022, tenho realizado exposições em que associo a ideia de laboratório. Pretendo olhar para trás e organizar o meu trabalho em séries. Propus-me a que cada série tivesse uma materialidade diferente. Por exemplo, na série da América Latina, conhecemos a fotografia moderna através da fotografia a preto e branco. Neste caso, decidimos apresentar a preto e branco, mas impresso numa chapa de alumínio para remeter para a história da fotografia, na relação com a prata. A ideia é pensar em algo contemporâneo e para contrastar com esse material industrial e uma moldura artesanal com madeira brasileira.
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Fátima Lopes Cardoso
Investigadora do LIACOM e professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCS), onde coordena a licenciatura em Jornalismo. Doutorada em Ciências da Comunicação, especialidade Comunicação e Artes, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, é autora do livro “A Fotografia Documental na Imprensa Nacional: o Real e o Verosímil” (2022), adaptado da tese de doutoramento homónima (2015). Jornalista desde 1997, o interesse académico por conhecer a ontologia da imagem e, em particular, da fotografia jornalística tem levado à participação em várias conferências e colóquios em Portugal e a nível internacional sobre a temática, bem como em diversos projetos editoriais e científicos.