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PASSAGENS DE SERRALVES PELO TERMINAL DE CRUZEIROS DO PORTO DE LEIXÕES
CONSTANÇA BABO
O Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões torna-se, até ao dia 17 de setembro do presente ano, o habitat de trinta e três obras de arte contemporânea. Esta magnífica iniciativa é possibilitada por uma triparceria entre a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), o Museu de Arte Contemporânea de Serralves e a Câmara Municipal de Matosinhos.
O recente edifício do Terminal de Cruzeiros foi inaugurado no dia 23 de julho de 2015, mediante uma cerimónia oficial de importância equivalente à do próprio espaço, o "maior projeto de sempre de abertura do porto à cidade" segundo afirmou a APDL à agência Lusa. Localizada em Matosinhos, a infra-estrutura acompanha o cais construído em 2011, ambos determinando o início e o término da atracagem dos cruzeiros, facilitando o fluxo destes e, sobretudo, dos seus passageiros. Acrescente-se que o edifício do terminal acolhe o Parque de Ciência e Tecnologia do Mar da Universidade do Porto e outras unidades de investigação.
Da autoria do arquiteto Luís Pedro Silva, constatamos tratar-se de uma construção complexa e singular. Apresenta-se como um espaço amplo, despojado e, como se observa noutros projetos do mesmo arquiteto, parte de uma concepção e geometria contemporâneas que criam uma relação de proximidade e harmonia com o ambiente natural em redor. Neste caso, é particularmente interessante que parte das paredes da estrutura sejam cobertas por uma textura de azulejos brancos em escamas à semelhança dos peixes. Assim, o terminal constitui, para o público, um desafio de o percorrer e contemplar, algo que se intensifica exponencialmente perante a perspetiva da concretização de uma exposição de arte. Os predominantes tons de branco e cinza compõem também uma tela convidativa ao artista que for capaz de lhes responder e aí intervir. Ora, Miguel von Hafe Pérez está, sem dúvida, apto para tal exercício, com uma visão curatorial tão surpreendente e atual quanto as obras de arte mais contemporâneas.
É assim que a escolha do comissário a partir da coleção do Museu de Serralves resulta numa seleção de peças assinadas por 26 artistas, nacionais e estrangeiros. Com um espaço temporal entre os anos 60 e a atualidade, procurou criar um diálogo entre obras portuguesas e internacionais, numa tentativa de revisitar peças que não tenham sido expostas nos últimos anos.
A iniciar a exposição, ainda antes de entrar no edifício, apresenta-se A casa dos murmúrios (1990), de Pedro Cabrita Reis, que joga com a questão da escala e provoca, como o curador diz, "uma ressonância muito particular". Relacionando-se com o espaço, a estrutura evoca a água, o seu percurso, fluxo e armazenamento, em diálogo com o mar que se anuncia em frente e com o carácter orgânico e industrial do edifício.
Também as duas obras, dos anos 90, que ocupam o hall de entrada do terminal, manifestam-se inesperadas e, simultaneamente, bem enquadradas. Do lado esquerdo, um carro, objeto de trânsito e passagens, de Miguel Palma, com o título Engenho (1993) e, à direita, uma grande instalação de Pedro Tudela. Esta última, Rastos (1997-98), foi prontamente imaginada pelo curador para ser instalada nessa parede do edifício. Para tal, propôs ao artista que a repensasse e recriasse, alterando a sua posição horizontal para vertical. Como Tudela explica, a peça tanto engole como projeta, representando, assim, um movimento, um outro trânsito, neste caso, visual e sonoro.
No primeiro andar, onde se encontra o corredor de passagem para a doca do porto, há uma clara noção das milhares de pessoas que percorrem este espaço. Deste modo, as obras que aí foram colocadas apelam a todo o indivíduo social, principalmente o europeu. Podendo ser reativadas e suscitando um novo entendimento sobre si mesmas, estas formas não se relacionam somente com o contexto em que foram concebidas. Como Georges Didi-Huberman sublinhou, é possível resgatarmos os objetos do passado para os recebermos com novas interpretações. Ora, nesta exposição revemos e relemos os trabalhos de Bruce Nauman, Ignasi Aballí ou Paulo Nozolino, entre outros. E, perante a atual circunstância política e social que vivemos, como europeus, podemos gritar como Cristina Mateus, em 1997, no vídeo Grito, ou construir uma arte radical, fundamentalmente de cor preta, como anunciou Theodor W. Adorno e Avelino Sá reproduziu em Negro (1992).
João Tabarra, Barricadas improvisées, 2001. Serralves 2017, Passagens, Terminal Leixões. Fotografia: Pedro Figueiredo.
Como Miguel von Hafe Pérez afirma, a arte pode servir para ver as coisas de uma nova perspetiva. Na obra de Denis Oppenheim, Posto de visionamento (1967), com efeito, encontramos uma estrutura através da qual podemos observar a paisagem exterior, sendo esta uma das obras que, em conjunto com o edifício, nos oferece uma maior experiência física, visual e perceptiva. Nessa mesma medida anuncia-se a obra de Richard Long, Earth Circle (2001), a única disposta no terraço do terminal. Composta por um elemento natural, o granito, aproxima-se do ambiente que a circunda e oferece uma nova óptica sobre a arte e, claro, o azul do céu, da água e da praia de Matosinhos. A paisagem, já por si só magnífica, ganha com este elemento que com ela entra em diálogo, uma nova vida e dinâmica.
Sendo Passagens a primeira exposição realizada no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, Fernando Rocha, Vereador da Cultura de Matosinhos, observou que a "arte é uma forma de democratizar este edifício", considerando que o espaço da Cultura não são só as galerias, mas também o nosso território e o que o compõe. O Presidente da APDL Eng.º Brògueira Dias, , considerou a ocasião enriquecedora e identificou o desafio que esta contém, tanto pelo edifício como pelas próprias particularidades de cada obra. Miguel von Hafe Pérez acrescenta ainda que o público é desafiante, sendo, nesta exposição, mais diversificado do que nos usuais contextos expositivos e também, possivelmente, menos habituado a interagir com produções artísticas.
Para todos os outros espetadores que procurarem visitar a exposição, esta encontra-se aberta todos os domingos, das 9h30 às 13h00, estando a tentar-se prolongar a sua abertura ao resto desse dia da semana.
O Museu de Arte Contemporânea de Serralves comprova, uma vez mais, a sua imensa vontade e determinação em expandir-se e levar a arte a espaços exteriores a si mesmo. Como a Presidente Ana Pinho referiu na inauguração, trata-se da possibilidade de pensar a produção artística para um contexto muito menos formal e institucional. Sendo este um dos grandes objetivos de 2017 e que determina a exposição Passagens, constrói-se uma programação plural, heterogénea e dinâmica. Ora, quando esta ação é realizada por Miguel von Hafe Pérez, antevê-se uma acentuada experiência estética e um resultado de sucesso verdadeiramente brilhante.
Constança Babo