|
O FIM DA ARQUITECTURA
SAM JACOB
Uma moldura de porta está pendura desde o tecto numa sala dilapidada. Os seus pilares de madeira balançam como as pernas de uma vítima de suicídio. A cena é um pouco estranha e não tanto deprimente. É o mesmo sentimento de domesticity-gone-wrong, quando faz uma cena de crime.
Integra a primeira exposição do meu antigo colega Sean Griffiths (My Dreams of Levitation, 2014, Room Artspace, London), com quem eu partilho uma longa história como co-director do escritório de arquitectura (e outras coisas) FAT. Durante os 20 anos da prática do FAT, o estúdio mutou desde as suas origens – típico modo de meados de 1990 - de uma práctica interdisciplinar próspera na fronteira obscura entre arte e arquitetura, para algo que se aproxima ao mainstream arquitectónico. Fechamos o escritório no ano passado, saindo em alta ao comissariar o pavilhão britânico na Bienal de Arquitetura de Veneza e projectar uma casa com Grayson Perry.
Afinal a nossa aposta inicial sobre uma prática de arte/arquitectura estava exactamente certa e ao mesmo tempo totalmente errada. Certa, no sentido de que a arquitetura, design e arte têm, em certas circunstâncias, uma fusão. Esta reuniu alianças de artistas, arquitectos, engenheiros e autarcas para produzir um novo tipo de práctica: do tipo que cria coisas enormes e espetaculares que se executam numa escala urbana. Coisas como Cloud Gate (2006) de Anish Kapoor, em Chicago no Millennium Park, ou o londrino Garden Bridge proposto pelo Heatherwick Studio.
Junto a isto, poderíamos apoiar o tipo de arquitectura que sai dos estúdios como aqueles liderados por Zaha Hadid e Frank Gehry. São projetos para cidades que disputam a pole position. Poderíamos considerá-las como uma forma esvaziada de prática que alijou quaisquer reclamações a preocupações disciplinares mais amplas na busca de espectáculo global.
Mas enquanto este tipo excepcional de projecto surgiu, o resto do mundo arquitectónico ficou pequeno, como Norma Desmond poderia ter dito. Isto para dizer, a aversão ao risco da arquitetura tornou-se tão endémica que não é de admirar muita da nova construção ser anémica e repetitiva, a ponto de um escritório de arquitetura se tornar o pior lugar para se pensar sobre arquitetura.
Esta separação extrema entre espectáculo cintilante e pulverização de mediocridade deixa o trabalho real - de dar identidade aos lugares, e de criação que preencha cenários sociais, em realizar compromissos e significativas proposições urbanas – infelizmente vazio.
A parte preponderante da instalação de Griffiths é um offset tridimensional de um quarto construído dentro da mesma sala. Os adereços usuais de rodapé, moldura de janela e cornija foram cortados e soltos das paredes que normalmente os ancoram, e invés flutuam no espaço. Estas faixas tradicionais de madeira domesticada foram montadas como um wireframe, modelo avariado, formando uma dupla exposição espacial da sala.
As aberturas de porta tornam-se congestionadas por múltiplas molduras de porta que passam pelas suas aberturas, as janelas tornam-se ofuscadas por outras versões de si mesmas suspensas em frente. Através do seu corredor offset, o espaço da sala que normalmente permanece como fundo para a vida que acontece dentro dele torna-se visível e legível. Ele torna-se um tipo muito unheimlich de semi-desconexão, onde o espaço doméstico comum é assombrado por um fantasma de si mesmo.
É a instalação de Griffiths uma nota de suicídio arquitectónica? Está ele a pronunciar como morto o cadáver da arquitectura à chegada?
Existem muitas referências aqui. Existem sombras das intervenções arquitecturais de Gordon Matta-Clark, de Dan Graham e as suas estranhas complexidades internalizadas no espaço. Existem momentos de arquitectura também: de Frank Gehry experiências iniciais de sawn-and-nailgunned Home Depot, de Peter Eisenman o método indexical e de Venturi e Scott Brown a ’casa fantasma’ de Franklin Court.
Talvez a morte não seja uma coisa má. Ao morrer, poderia a arquitectura reencarnar como arte? Poderia o arquitecto renascer como um artista imaginando um novo tipo de práctica? Talvez, Griffiths diz-nos, seja mais fácil fazer arquitectura, abordando-a pela arte. Talvez, liberto do jugo do profissionalismo, algo mais arquitectónico possa emergir. Talvez seja necessário matar o que se ama.
Isso é arte sobre a ideia de arquitectura, e no seu interior são sugestões de como tornar-se um ex-arquitecto pode ser um modo de definir um novo papel na criação de espaço e cidades, e como a profissionalização pode ser o caminho para a arquitectura obter o seu verdadeiro encanto de volta.
[tradução portuguesa do original inglês]
Sam Jacob
Crítico da revista Art Review e colaborador de outras publicações.
::::
Este artigo foi originalmente publicado na ArtReview, Março 2015.