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A PROMESSA DA ARQUITECTURA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A GERAÇÃO POR VIR
PEDRO LEVI BISMARCK
A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda.
Hélia Correia, A Terceira Miséria
Preâmbulo
O artigo que aqui se expõe teve como ponto de partida uma reflexão sobre o projecto editorial e curatorial Geração Z, desenvolvido pela revista Arq.a que, convocando o problema das práticas emergentes, procurou lançar o debate em torno das mutações registadas na arquitectura portuguesa dos últimos anos. O facto de este artigo ter sido proposto a alguém ainda mais novo que esses outros novos, (deter)minou uma condição um tanto de órfão (geracional e alfabético), um tanto de estrangeiro, perante um debate que, apesar de pertinente, me pareceu terminar sempre antes mesmo de começar. Talvez, por isso, o que se revelou mais sedutor neste debate foi uma certa condição de limite, do qual esse Z é letra e figura: o limite do alfabeto como limite da própria linguagem. Neste sentido, diria que este artigo não será sobre aquilo que foi dito, mas sobre aquilo que ficou por dizer, ou melhor, daquilo que não se conseguiu (ainda) dizer. Não se trata, contudo, nem de uma tarefa profética nem hermenêutica, apenas o exercício crítico de nos situarmos nesse limite onde todos os discursos se parecem imobilizar, chamar-lhe-ia uma zona de expectância, um limiar, onde sabemos que há qualquer coisa mais para ser dita, mas cujas palavras parecem sempre escassear.
As considerações que, aqui, me arrisco a levantar colocam-se, precisamente, sobre alguns desses limites, que penso atravessaram grande parte dos discursos em torno da Geração Z. Limites ou limiares que, talvez, nos ajudem não tanto a (dis)correr sobre o actual estado da arte, mas a traçar a indelével silhueta de um horizonte que a todo o momento nos parece escapar, mas com o qual toda a geração por vir terá, necessariamente, de se confrontar. Nesse sentido, diria que o primeiro limite a assinalar estará, algures, no facto do debate se situar sempre mais sobre as condições da actividade profissional do que no problema da arquitectura em si. Essa dificuldade em colocar a disciplina no jogo de forças da contemporaneidade estará, porventura, ligada a um segundo limite, a ilusão da autonomia, que não se trata tanto do facto que a autonomia não exista ou não possa existir, mas que esta comporta um certo isolamento e um certo encerramento. Por último, a noção que percorremos o alegre caminho de uma arquitectura despolitizada e desideologizada, o que se revela não apenas uma ilusão, mas sobretudo um esvaziamento do próprio projecto arquitectónico e da sua dimensão política e ética, daquilo que poderíamos chamar a sua condição de promessa.
Consideração 1: sobre a crítica
§ Ideia
A tarefa da crítica: o limite — “não aquilo em que algo termina, mas aquilo a partir de onde algo começa a ser o que é.” (Heidegger) [1] O lugar onde nos libertamos das representações (Agamben) [2] e aprendemos a interrogar os limites do conhecimento, onde reconhecemos que a “nossa liberdade está mais naquilo que pensamos do nosso conhecimento e dos seus limites do que naquilo que fazemos, com mais ou menos coragem.” (Foucault) [3]
§ Limiar
O que nos exige, ou melhor, o que pode guiar esse exercício a que chamamos de crítica? E para que pode a crítica servir, se esta parece, sempre, subsumir-se ao meramente circunstancial e ao particular? Talvez possa ser útil invocar Michel Foucault, para quem a crítica não se restringe ao simples juízo, mas pertence a algo que ele definia como a virtude em geral. [4] Uma certa prática ética de questionamento, um certo ousar saber acerca dos limites do nosso pensamento, onde o sujeito, interrogando o processo de governamentalização da sociedade, “se atribui o direito de interrogar a verdade acerca dos seus efeitos de poder e o poder sobre os seus discursos de verdade.” [5] Para Foucault, a tarefa da crítica assenta na capacidade de discernir a relação fundamental que se estabelece entre saber e poder e que institui o sistema de aceitabilidade que admite e decide, em cada época, o que é falso ou verdadeiro, legítimo ou ilegítimo. Isto é, a crítica não opera dentro das categorias instituídas, ela interroga os próprios ordenamentos epistemológicos a partir dos quais sustentamos a nossa forma de estruturar o mundo.
Esse movimento da crítica é essencial, porque coloca não apenas o problema dos limites do conhecimento, isto é, a questão “até onde posso saber?”, mas abre um horizonte essencialmente ontológico, levantando o problema da liberdade, isto é, daquilo que “portanto eu sou, eu que pertenço a esta humanidade… a este instante de humanidade… subjugada ao poder da verdade.” [6] A crítica é, então, aquilo que Foucault chama a arte da inservidão voluntária, uma prática ética de dessujeição onde o indivíduo ganha distância crítica em relação à autoridade estabelecida, não só para reconhecer e interrogar o sistema de aceitabilidade, mas para colocar a sua própria formação em risco. [7] E é nesse colocar-se em risco que a crítica adquire essa condição de virtude, de uma ética que não se cumpre na prática de um sujeito moral submetido a regras pré-determinadas, mas onde o indivíduo age como formador de si em desobediência aos princípios através dos quais foi formado. Como elucida Judith Butler, “a virtude torna-se a prática através da qual o si mesmo (…) arrisca a sua deformação enquanto sujeito, ocupando essa posição ontologicamente insegura que coloca de novo o problema de quem será aqui um sujeito, e o que contará como vida, um momento de questionamento ético que exige a ruptura com os hábitos de juízo, em favor de uma prática mais arriscada que procura fazer brotar a arte do constrangimento.” [8]
§ Feixe
O que será, talvez, mais surpreendente, não é o facto de a virtude implicar uma certa ilegitimidade (pois implica sair do sistema de aceitabilidade), mas que a própria ética pressuponha uma debilidade ontológica. Talvez seja isso a que Giorgio Agamben se refere, quando escreve que “se o homem fosse ou tivesse de ser esta ou aquela substância, este ou aquele destino não existiria nenhuma experiência ética possível — haveria apenas deveres a realizar.” [9] “Ética — como escreve o autor italiano — é a maneira que não nos acontece nem nos funda, mas nos gera”, é o livre uso do próprio, “o ser gerado pela própria maneira de ser”, que é o significado de hábito, que os gregos chamavam, precisamente, ethos e definiam como sendo “a nossa segunda e mais feliz natureza”. [10]
Consideração 2: sobre o agora
§ Ideia
Ser contemporâneo é essa exigência que a todo momento nos parece escapar, permanentemente devorados, como estamos, pelas luzes da época. Ser contemporâneo é, acima de tudo, construir uma relação de desfasamento com o seu tempo, ser afectado pelo presente sem se deixar ser devorado por ele, ver não as suas luzes mas a sua mais íntima obscuridade, colocar-se no seu agora, na sua fractura. (Giorgio Agamben) Por outro lado, a história não é a boulevard por onde desfilam os seus vencedores, nem a linha vazia homogénea infinita do progresso, nem será muito menos a procura por uma imagem eterna do passado (a tentação de todo o historicismo), mas uma recordação em forma de clarão capaz de alumiar a escuridão do presente. “A tarefa do historiador será esse trabalho contínuo de retirar a tradição da esfera do conformismo que se prepara para a dominar.” (Walter Benjamin) [11]
§ Limiar
O perigo do historicismo não só impende ainda sobre nós, tal como há cem anos atrás, como se transformou no modus operandi actual de uma prática arquitectónica que colecciona e imita as imagens do modernismo e dos seus mestres, tal como os arquitectos fin de siècle coleccionavam e subvertiam os modelos esquecidos da arquitectura clássica na vertigem ansiosa dos eclectismos. Somos herdeiros de modelos (modernos e clássicos) que há muito deixámos de interrogar e compreender e cujas regras permanecem mais pela rotina do que pela sua imperatividade. Invocamos os modernos, copiamos as suas imagens e, contudo, estamos, nesse preciso momento, a traí-los. Eles que se levantaram contra os perigos da imitação e do conformismo do passado, eles que reclamaram uma arquitectura do seu tempo. Tal como Adolf Loos (ou Le Corbusier), que sempre se situou sobre esse agora e que nunca renunciou a compreender as (con)tradições do seu tempo, que eram também as suas próprias (con)tradições. Aquilo a que Loos chamava o ornamento, e contra o qual apontou toda a sua crítica, não era apenas o horror perante o uso excessivo da decoração, mas a denúncia, como o próprio escreve em 1910, de “uma arquitectura que passou a ser, graças aos arquitectos, uma arte gráfica”, [12] desses “ágeis desenhadores” entretidos na manipulação e combinação de estilos. Uma prática neutralizada pelas luzes do seu tempo que, encerrada no historicismo e no esteticismo, tinha abdicado da sua própria contemporaneidade. Para esse Adolf Loos tão benjaminiano tratava-se, antes de mais, de um com-promisso, que implicava tanto a denúncia do conformismo que se apoderou da tradição, como a crítica a uma modernidade que não se reduzia ao irredutível caminho do progresso tecnológico, mas a aventura de uma cultura democrática nova, um estado liberto dos feudalismos do passado, construindo não apenas casas modernas, mas o horizonte de um homem novo e uma ordem social livre. [13]
§ Feixe
Só a geração que se propuser a encontrar esse agora como lugar de fractura, o lugar de encontro entre épocas e converter o seu presente em qualquer coisa como um objecto problemático, poderá reclamar para si a sua contemporaneidade. Poucos o fizeram, mas não somos nós os herdeiros desses que o fizeram (os antigos e os modernos)? Ser contemporâneo de Loos, ser contemporâneo como Loos, deverá ser essa a nossa exigência.
Consideração 3: sobre o político
§ Ideia
“O homem na plena realidade do seu ser concreto vive nessa brecha do tempo entre o passado e o futuro (…). Esse mínimo não-espaço-tempo no próprio seio do tempo, contrariamente ao mundo e à cultura em que nascemos, não pode ser transmitido ou herdado do passado; cada nova geração e mesmo todo o ser humano novo, na medida em que se insere entre um passado infinito e um futuro infinito, deve descobri-lo e abri-lo laboriosamente de novo.” (Hannah Arendt) [14]
§ Limiar
Mas, então, como (re)encontrar esse agora capaz de nos colocar em relação com outra época, não para imitarmos esses que nos antecederam, mas para aprendermos com(o) eles a aceder à obscuridade íntima do nosso presente? Talvez não exista uma resposta possível, mas se quisermos ainda arriscar um pouco, diria que será preciso, antes de mais, fazer desta disciplina, que herdamos, o locus de uma prática crítica e ética capaz de se colocar a si própria como problema, interrogando os limites do campo a partir do qual opera, isto é, os elementos que fundam o quadro epistemológico e ontológico que define, em cada momento e em cada época, o que é e o que pode ser a arquitectura, ela que pertence a esta humanidade, a este instante de humanidade subjugada ao poder da verdade.
Contudo, isso não poderá ser feito sem colocar duas questões fundamentais que constituirão, talvez, o lineamento fundamental dessa geração por vir. Por um lado, considerar o problema da autonomia da arquitectura não mais como a boulevard confortável da citação histórica ou da liberdade narcísica dos “ágeis desenhadores” mas como com-promisso absoluto com a sua época. E isso implica refazer esse vínculo perdido entre prática e teoria, que não é mais do que o vínculo esquecido da arquitectura com o seu tempo, com o seu agora, ou como formulou Ignasi de Solà-Morales, da arquitectura com “os grandes debates do pensamento contemporâneo”. [15] Será preciso voltar a colocar a contemporaneidade como problema essencial da formação arquitectónica, converter a produção crítica contemporânea e filosófica em matéria instrutória do projecto. Será preciso refundar as categorias, as ferramentas conceptuais com que trabalhamos e que nos dão acesso a esse agora. Foi isso que fizeram os mestres do movimento moderno, eles que cansados de uma arquitectura entretida no puro espectáculo do ornamento procuraram, acima de tudo, o confronto com os problemas da sua época. E não bastará, por isso, invocar o arsenal teórico e conceptual do modernismo, é preciso reinventar esses conceitos, como o de funcionalismo que, se há cem anos se afirmou como uma ferramenta poderosíssima para pensar os novos programas e necessidades da habitação, libertando a arquitectura do conformismo da tradição e do peso do desperdício, está hoje reduzido à condição, ele próprio, de ornamento, de uma banalidade.
Para refazer esse vínculo e reclamar essa autonomia teremos de compreender a sismografia complexa que funda a condição arquitectónica actual dentro do sistema capitalista, isto é, inquirir o lugar e o papel da disciplina no sistema de consumo e de entretenimento, na esfera da produção mercantilizada, no tráfego fulgurante de imagens, na utopia concretizada do homo oeconomicus, etc. Mas, sobretudo, compreender que a arquitectura, no trilho encantado do capitalismo, ao afirmar-se despolitizada e desideologizada, tornou-se, essencialmente, uma prática acrítica perante um sistema que, se por um lado lhe ofereceu o fruto mais saboroso de todos, essa absoluta liberdade formal e criativa, por outro, colonizou e esvaziou o seu núcleo mais precioso: a sua dimensão política e ética. Para Slavoj Zizek, a arquitectura da pós-modernidade não é mais que o lugar onde todos os antagonismos e forças opostas aparecem em estado de suspensão, um lugar cínico sem contradições. [16] E esse não é o espaço da liberdade criativa nem da pluralidade democrática, mas do esvaziamento político do conteúdo arquitectónico e da pura estetização da arquitectura. É por isso que a crítica de Loos ao ornamento é tão contemporânea e é, por isso, que todo o desafio da arquitectura por vir terá de passar, necessariamente, por reclamar esse seu núcleo da qual ela foi espoliada.
Refundar a politicidade da arquitectura, será o outro traço fundamental desse lineamento, o que implica, antes de tudo, reconhecer que o político pertence intrinsecamente ao quotidiano, diz respeito ao espaço que partilhamos (polis), ao nosso agir comum. Nesse sentido, podemos dizer, como Foucault, que “não vivemos no interior de um vazio… mas no interior de um conjunto de relações” e, por isso, todo o dispositivo arquitectónico, quer queiramos reconhecer ou não, corresponde, sempre, a uma certa forma de articular e hierarquizar essas relações, de capturar os sujeitos, de instituir hábitos (ethos) e os modos da nossa experiência ética, de organizar “esse espaço… no qual se desenrola a erosão da nossa vida, do nosso tempo e da nossa história, esse espaço que nos rói e escava.” [17] Compreender essa politicidade da arquitectura passará, necessariamente, por interrogar a vocação/condição de dispositivo que lhe pertence, de um fazer(-se) espaço, lugar próprio/comum, que vai muito além da mera produção estetizada de objectos ou da simples reprodução de organizações tipológicas, mais decididas pela burocracia dos regulamentos ou pelas formatações do mercado imobiliário do que fruto do debate da disciplina.
§ Feixe
Talvez, e voltando a evocar essa debilidade ontológica de Foucault e Agamben, pudéssemos ou devêssemos, então, ler essa arquitectura débil de Ignasi de Solà-Morales, [18] não apenas como condição da fragmentação da disciplina na época actual, mas como um fazer arquitectónico que, na ausência de fundamentos absolutos, arrisca, ainda, e em todo o caso, situar-se num certo limite, numa zona de expectância, arrisca uma certa fragilidade e uma certa prática de dessujeição, capaz de “voltar a encontrar”, não só “a experiência estética profunda”, como escreve Ignasi, mas também a sua experiência ética e política profunda, “techné e poiesis da arquitectura”. [19]
Consideração final: sobre a promessa
§ Ideia
“Tive a experiência de que na noite nem pontes nem voos nos ajudam, só o passo fraterno nos acompanha; no meio da noite estamos sós.” (Walter Benjamin) [20]
§ Limiar
A escolha enunciou Loos há mais de cem anos: ornamento ou arquitectura? O ornamento dos ágeis desenhadores ou a arquitectura como projecto? Essa, talvez, a mais preciosa herança do modernismo, um projecto moderno que não se radica tanto na vontade racionalista de domínio, mas no reconhecimento de um horizonte político e ético, que era, antes de mais, um com-promisso, um modo de construir um vínculo com o seu tempo, um modo de falar com esses que vieram antes de nós e com aqueles que estão por vir, um modo, como escreve Maria Filomena Molder, “de olharmos para trás para irmos ter com alguém que nos faz ver o nosso rosto” [21] e, assim, libertar o passado de todo o historicismo e o futuro de todo o progresso.
A promessa é esse com-promisso imemorial que a arquitectura guarda como o seu núcleo mais precioso, que nos olha e diz que no presente nunca estamos sós, e que cada casa e cada lugar, por mais efémeros que possam ser, nos acompanham sempre, nesse passo fraterno da noite e da vida, do amor e da morte. Para Walter Benjamin, a obra de arte não salva (o que salva é a acção humana) mas ilumina como as estrelas essa noite onde só o passo fraterno nos pode acompanhar, o passo, esse passo que se faz es-passo, o espaço “fraternal daqueles que podem encontrar uma coisa comum, uma palavra que podem dizer uns aos outros para vencerem o medo, para tentarem compreender alguma coisa”. [22] Esse é o compromisso que a palavra projecto traz no fundo informulado de si, mas que não nos exige que sejamos, de maneira nenhuma, modernos, mas antes, que façamos o que eles fizeram, isto é, como escreve Hannah Arendt, reabrir esse mínimo não-espaço-tempo no próprio seio do tempo, que cada nova geração deve descobrir e abrir laboriosamente de novo, e que não é a repetição exaustiva das suas imagens ou das suas formas, mas o voltar a procurar esse núcleo precioso sempre informulado da disciplina arquitectónica, que o modernismo tão fugazmente parece ter encontrado e esquecido.
§ Feixe
Que a arquitectura não se reduza ao puro gozo estético nem à simples produção mercantilizada. Deixar que aquilo que nos melhor alimenta não tenha a forma do burocrático ou do gesto criativo narcísico da experimentação-de-si, da repetição sem medida ou do olhar sem palavra, mas de algo mais profundo e arcaico, dessa arché, dessa origem, que pertence inextricavelmente à palavra arqui-tectura. Que cada casa e cada lugar possam ser esse (es)passo fraterno que nos acompanha na escuridão da noite: a possibilidade de um encontro, o lugar onde se pronuncia uma palavra, onde se perde o medo, o com-promisso com aqueles que vieram antes de nós e a nossa promessa para esses que irão um dia nascer. Ou, nas palavras de Agamben, “que aquilo que nos é mais íntimo e melhor alimenta tenha a forma não da ciência e do dogma mas da graça e do testemunho”. [23] Essa será a tarefa urgente à qual toda a geração por vir não terá senão de responder.
Como escreve Maria Filomena Molder “a poesia… e a filosofia… — e eu acrescentaria, a arquitectura — não têm a ver com a sobrevivência. Então têm a ver com quê? Com essa experiência, ou com essa visão, de que a nossa vida está rodeada por uma grande escuridão e que nós temos de fazer qualquer coisa para obviar a essa escuridão, para que haja alguma luz: um passo fraterno, dizer uma palavra, fazer uma promessa, escrever um poema, o que seja. A persistência vital dos seres humanos, fora da sobrevivência, está toda assente aí, nesse gesto tão frágil de procurar um vínculo. Se for rompido, se for interrompido, criará o império da escuridão.” [24]
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O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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Pedro Levi Bismarck
(Porto, 1983) Arquitecto pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (2008) onde foi monitor de Projecto II (2009). Actualmente, está a desenvolver a sua tese de doutoramento na mesma faculdade como Bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Estudou e trabalhou em Berlim, onde frequentou a Technische Universität. É editor e co-fundador da Revista Punkto, publicação indisciplinada sobre limites: da prática e da teoria, da arte e da arquitectura.
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NOTAS
[1] Martin Heidegger, “Construir Habitar Pensar” (1951), Conferencias e Artículos, Ediciones del Serbal (2001).
[2] Giorgio Agamben, Ideia da Prosa, Cotovia (1985/1999).
[3] Michel Foucault, “O que é a crítica?” (1978), Revista Imprópria, n.º1 (2012).
[4] Idem, p.58.
[5] Idem, p.61.
[6] Ibidem, p.66.
[7] Judith Butler, “O que é a crítica? Um ensaio sobre a virtude de Foucault” (2002), Revista Imprópria n.º1 (2012), p.96.
[8] Idem, p.97.
[9] Giorgio Agamben, A comunidade que vem (1990), Editorial Presença, p.38.
[10] Idem, p.30.
[11] A partir de: Giorgio Agamben, “O Que É o Contemporâneo?” (2006) Nudez, Relógio d’Água (2010); Walter Benjamin, O Anjo da História, Assírio & Alvim (2010).
[12] Adolf Loos, “Arquitectura” (1910), Ornamento y delito y otros escritos, Editorial GG (1972), p.224.
[13] Cf. Adolf Loos, “Sem Carruagem Dourada” (1926), Ornamento e Crime, Cotovia (2004), p.268.
[14] Hannah Arendt, Entre Passado e Futuro, Relógio d’Água (1961/2006), p.27. Foi utilizada a tradução de Bragança de Miranda, cit in A analítica da actualidade, Vega (1994), p.91.
[15] Ignasi de Solà-Morales, “Sadomasoquismo. Crítica y prática arquitectónica” (1988). Diferencias, Editorial GG (2003), p.152.
[16] Cf. Slavoj Zizek, Viver no fim dos tempos, Relógio d’Água (2011).
[17] Michel Foucault. “Espaços Outros” (1967). Revista de Comunicações e Linguagens, Relógio d’Água (2005), p.245.
[18] Ignasi de Solà-Morales, “Arquitectura Débil” (1987), in op.cit.
[19] Ignasi de Solà-Morales, “Diferencia y limite” (1992), in op.cit.
[20] Walter Benjamin, “Carta a Herbert Belmore” cit in Maria Filomena Molder, O Químico e o Alquimista, Relógio d’Água (2011), p.84
[21] Molder, op.cit., p.92.
[22] Idem, p.85.
[23] Giorgio Agamben, Nudez, Relógio d’Água (2010), p.132.
[24] Molder, op.cit., p.244.