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AS MULHERES NO PRIVATE PRESS MOVEMENT: ESCRITAS, LETRAS DE METAL E CHEIRO DE TINTA
ANA C. BAHIA
É interessante constatar como os ofícios da edição e da impressão de livros atravessaram a vida de algumas mulheres escritoras nas primeiras décadas do século XX, algumas vezes conectando-as entre si a formar uma impressionante teia colaborativa de produção cultural.
Como se sabe, Virginia Woolf (1882-1941) foi uma escritora britânica. Considerada uma figura importante do modernismo, desempenhou um papel significativo dentro da sociedade literária londrina durante o período entre guerras. Mas o que nem sempre se sabe sobre a sua história é o fato de que ela também trabalhou como tipógrafa, impressora e editora. A Hogarth Press, sua pequena private press, idealizada em parceria com o seu companheiro Leonard Woolf, foi inaugurada em 1917, inicialmente na sala de jantar do casal.
Segundo Tony Bradshaw (2010), Woolf relatou em um de seus diários que foi na ocasião de seu trigésimo aniversário, quando ela e Leonard estavam a celebrar a data em uma casa de chás na Oxford Street, que eles tiveram a ideia de comprar uma prensa tipográfica manual. Dois anos depois, após nutrir crescente interesse e curiosidade pelas artes da impressão, eles se candidataram a um curso profissionalizante de composição com tipos móveis no St. Bride’s Foundation Institute, sede da London Society of Compositors. Ao se recusarem a fazer parte do sindicato dos impressores – um pré-requisito para a inscrição – não foram aceites. Pouco tempo depois, caminhando pela Ferrington Street, encontraram uma loja que vendia uma pequena prensa manual. Ela vinha acompanhada de um sucinto livreto de instruções que deu o suporte necessário para que eles aprendessem a imprimir. Dá-se aí o início dessa aventura.
É importante lembrar, como pontua Bradshaw (2010), que desde criança Virginia Woolf foi rodeada por livros. Ele conta que seu pai, Leslie Stephen, desde muito cedo a introduziu ao universo da leitura, encorajando-a a contar histórias e a se expressar através da escrita. Ele menciona também que, quando pequena, Woolf gostava de desenhar nos livros que o pai lia em voz alta para ela, estabelecendo desde então uma relação visual com o texto. Mais tarde ela passou a reunir numa biblioteca particular os livros que ganhava de presente dos entes queridos; e aos poucos começou a prestar mais atenção à aparência de cada exemplar. Em uma carta ela conta ao seu irmão Toby:
Gradually all my presents have arrived – Fathers Lockhart came the evening I wrote to you – ten most exquisite little volumes, half bound in purple leather, with gilt scrolls and twirls and thistles everywhere, and a most artistic blue and brown mottling on their other parts. So my blinded eyesight is pouring more fervidly than ever over miserable books – only not even you, my dear brother, could give such an epithet to these lovely creatures (Woolf citada por Bradshaw, 2010, p.280).
O interesse de Woolf pela materialidade do livro vai levá-la a querer aprender algumas técnicas de encadernação. Em 1901, aos dezanove anos, ela começa a fazer aulas e a praticar esse novo ofício, que a princípio nada mais era que um hobby pelo qual ela parece ter cultivado muito apreço e orgulho:
Virginia’s confidence in her ability grew so much that in writing to Thoby in May 1902 she was able to assert ‘I am really rather a good binder’ [...] Less than a year later, also to Thoby, she wrote ‘my whole existence seems to pass in doing up books. All fathers ladies send him books which have to be returned [...] I have invented a new way of bookbinding, which takes half the time, is just as strong’ [...] She also took pride in their appearance telling her cousin Madge Vaughan that ‘I wish you could see my room at this moment, on a dark winter’s evening – all my beloved leather backed books standing up so handsome in their shelves’ (Woolf citada por Bradshaw, 2010, p.281).
A prática da encadernação foi o primeiro passo que levou Virginia Woolf ao encontro do livro como objeto, o que provavelmente culminou, mais tarde, no desejo de participar integralmente das etapas do processo de publicar. Uma vez com a Hogarth Press em atividade, mergulhada nesse novo ofício, ela passou, além de exercitar as técnicas de encadernação que havia anteriormente aprendido, a sujar as próprias mãos de tinta e a sentir o peso de chumbo das palavras. É especialmente interessante perceber como essa experiência com a materialidade do texto passou a influenciar diretamente a sua escrita. A construção de frases, o uso da pontuação e a escolha de palavras tornaram-se um jogo visual de experimentação da forma concreta, como ela mesma descreve:
Try to understand what a writer is doing [she advised]. Think of a book as a very dangerous and exciting game, which it takes two to play at. Books are not turned out of moulds like bricks. Books are made of tiny little words, which a writer shapes, often with great difficulty, into sentences of different lengths, placing one on top of another, never taking his eye off them, sometimes building them quite quickly, at other times knocking them down in despair, and beginning all over again (Woolf citada por Lee, 1997, p. 362).
Conforme Svendsen (n.d.), a influência do processo de impressão no estilo de escrita de Virginia Woolf pode ser notada no seu livro The Waves. Segundo a autora, enquanto Woolf o escrevia, ela anotou em seu diário: “Perhaps I can now say something quite straight out; and at length; and need not be always casting a line to make my book the right shape. But how to pull together, how to compose it—press it into one.” Para Woolf cada palavra deve ser considerada como uma unidade visual única, feita por uma combinação de letras a formar um bloco de tipos. Esses blocos, construídos lado a lado e um acima do outro, moldam a forma de cada frase.
Virginia e Leonard Woolf desenhados com tinta e grafite por Richard Kennedy.
O primeiro livro publicado pela Hogarth Press foi Two Stories, composto por um conto de Leonard, um conto de Virginia e xilogravuras da artista Dora Carrington, convidada pelo casal a estrear como ilustradora. Era um livro com 31 páginas e tiragem de 150 cópias, que foram vendidas a amigos e conhecidos somente para cobrir o seu custo de produção. Inicialmente a Hogarth tinha a intenção de fazer apenas pequenas tiragens, em caráter totalmente experimental, além de permitir que Virginia publicasse os seus livros sem a necessidade de passar pelo crivo de uma terceira pessoa, permitindo-lhe experimentar a escrita com toda a liberdade que lhe conviesse. Mas o que a princípio começou como uma espécie de passatempo para o casal e até mesmo como recurso terapêutico para Virginia, que naquela época andava instável emocionalmente, tomou diferentes proporções. Logo nos primeiros anos a editora ganhou destaque e fez sucesso no meio literário, obrigando-os, mais tarde, a complementar a prensa manual com uma impressora comercial para maiores tiragens.
Como os Woolfs viviam num círculo de amigos intelectuais e escritores, a trajetória da Hogarth Press foi marcada pela publicação de obras de autores influentes, entre os quais podemos citar: Katherine Mansfield, D.H. Lawrence, E.M. Forster, Clive Bell, Roger Fry, Hope Mirrless (que trouxe o primeiro grande desafio tipográfico, com uma linha inteiramente na vertical), T. S. Eliot (com o livro-poema The Waste Land, que esbanjava um aproveitamento inovador do espaço da página), Ezra Pound, Laura Riding e Nancy Cunard. Essas últimas duas, ambas escritoras, também se aventuraram desbravando o ofício da construção do livro impresso, feito que muitas vezes permanece desconhecido por uma parte de seus leitores.
Laura Riding (1901-1991) foi uma poeta americana que, em 1927, em parceria com o seu então companheiro Robert Graves (que também lançou livros pela Hogarth Press), criou e operou a Seizin Press, também sediada em Londres, onde moravam na época. Ao que tudo indica, inseridos no mesmo contexto, os dois casais mantiveram contato e trocaram experiências acerca da impressão de livros. A Seizin Press publicava, além das obras do casal – ambos eram escritores –, títulos de outros autores, entre eles: Ezra Pound e Gertrude Stein.
Gertrude Stein (1874-1946) foi uma escritora americana que, não por acaso, também manteve uma pequena gráfica particular, a Plain Edition, idealizada em parceria com a sua companheira Alice B. Toklas (1877-1967), igualmente poeta. Segundo Shari Benstock (1986), através da Plain Edition as duas passaram a se autopublicar, como assim o fez o casal dos Woolfs. Com o controlo total da produção e longe do crivo de um editor, elas podiam exercer plenamente as suas liberdades estilísticas, tomando todas as decisões criativas sobre os seus livros.
Já Nancy Cunard (1896-1965), escritora romancista e ativista política antifascista de origem britânica, que passou diferentes períodos da vida entre a Inglaterra e a França, resolveu empreender sozinha essa aventura, sendo idealizadora da Hours Press. Pouco mais que dois anos após ter o seu livro-poema Parallax publicado, em 1925, pela Hogarth Press, Cunard decidiu seguir o conselho e os passos de Virginia Woolf e Leonard Woolf, com quem mantinha contato e admiração. Segundo Benstock (1986), ela escreve em seu livro These Were the Hours [1], que ao contar para os Woolfs sobre a sua decisão eles exclamaram: “Your hands will always be covered with ink!” Vê-se que logo tomou gosto pela sensação, pois na passagem seguinte reitera: “the smell of printer’s ink pleased me greatly, as did the beautiful freshness of the glistening pigment”.
Lois Gordon (2007) conta que a Hours Press teve a sua primeira sede num pequeno vilarejo na Normandia, transferindo-se em 1929 para Paris. Com a herança de seu pai, Nancy Cunard comprou uma casa e uma antiga prensa manual. Isolada do agito da metrópole, dedicou-se à aprendizagem da composição e da impressão, inicialmente com a ajuda de um senhor tipógrafo autoproclamado anarquista, chamado Lévy. Rapidamente aprendeu o ofício e a sua primeira obra publicada foi Whoroscope, um livreto com um poema inédito de Samuel Beckett.
Ao longo dos próximos anos Cunard iria publicar muitos escritores modernistas em começo de carreira, entre eles Ezra Pound – também publicado pela Hogarth Press e pela Seizin Press, anteriormente citadas neste artigo. É interessante constatar que Robert Graves e Laura Riding – da Seizin Press – também foram publicados por Cunard. O que atesta o quanto essa rede de produção cultural do período entre guerras é cheia de imbricações.
Nos primeiros anos a Hours Press manteve-se através de um esforço conjunto entre Nancy Cunard e os autores/colaboradores, logo se tornando uma das private presses mais aclamadas do circuito, servindo de inspiração para outros impressores. Décadas mais tarde a sua obra foi exposta no Victoria and Albert Museum, selecionada em razão dos seus designs elegantes, encadernações e singularidade, como atesta Gordon (2007).
Para Cunard fazer livros era uma experiência estética através da qual ela se deleitava, desde a escolha das fontes tipográficas e papéis à composição de cada linha de palavras. Com cuidado selecionava os ilustradores adequados para cada obra, pensava as capas [2], bem como a cor e a textura das embalagens. Em These Were the Hours ela discorre sobre o quanto ficava absorta pelo processo da composição:
For such is one’s absorption – at first especially – that it matters little to the appraising part of one’s mind what one is transferring, from written or typed pages to what will become the printed page... The experience itself! and minding one’s p’s, and q’s and b’s, in all this upside-down world of printing (Cunard, 1969, como citado por Gordon, 2007, p. 143).
É interessante observar a sua relação, atenta e delicada, com os espaços em branco na composição tipográfica: “It is then that ‘les blancs’, the spaces, must be so carefully thought out and fitted (...) balanced by the fitting of ornaments” (Cunard, 1969, como citado por Gordon, 2007, p. 143). Nota-se também que a relação com os espaços vazios igualmente chamou a atenção de Virginia Woolf, que em seus diários comenta sobre como eles ganhavam um caráter material e consistente na composição com os tipos móveis, conferindo significados e ampliando a sensação de visualidade da página. Segundo John Mepham (1991), a influência da composição tipográfica no estilo de escrita de Woolf pode ser notada, entre outros, no livro Jacob’s Room. O autor enfatiza que, nessa obra, o uso que a escritora faz dos espaços em branco é provavelmente influenciado pelo seu trabalho com a poesia de T.S. Elliot. Essas lacunas não preenchidas e a ausência de palavras se tornam fontes de significação e mantêm as cenas retratadas em estado de desconexão ou silenciamento, alterando a forma com que o leitor apreende as narrativas.
Percorrendo um caminho similar ao de Woolf, de Riding e de Cunard, mulheres poetas, romancistas e ensaístas que se aventuraram pelo ofício da construção do livro impresso, temos também Anaïs Nin (1903-1977), escritora de origem francesa radicada nos Estados Unidos, que em 1942 fundou, em parceria com o seu amigo Gonzalo More, a Germor Press, em Nova Iorque. A ideia surgiu em decorrência da dificuldade que ela enfrentou para ter alguns dos seus trabalhos aceites pelas editoras da cidade. Sendo assim, a Gemor Press existiu exclusivamente para Nin se autopublicar.
4a capa do livro This Hunger, de Anaïs, Germor Press, Nova York, 1945.
Sobre a sua relação prática e poética com o processo de materialização dos livros, ela conta:
The relationship to handcraft is a beautiful one. You are related bodily to a solid block of metal letters, to the weight of the trays, to the adroitness of spacing, to the tempo and temper of the machine. You acquire some of the weight and solidity of the metal, the strength and power of the machine. Each triumph is a conquest by the body, fingers, muscles. You live with your hands, in acts of physical deftness.
You pit your faculties against concrete problems. The victories are concrete, definable, touchable. A page of perfect printing. You can touch the page you wrote. We exult in what we master and discover. Instead of using one’s energy in a void, against frustrations, in anger against publishers, I use it on the press, type, paper, a source of energy. Solving problems, technical, mechanical problems. Which can be solved.
If I pay no attention, then I do not lock the tray properly, and when I start printing the whole tray of letters falls into the machine. The words which first appeared in my head, out of the air, take body. Each letter has a weight. I can weigh each word again, to see if it is the right one. [...]
The press mobilized our energies, and is a delight. At the end of the day you can see your work, weigh it. It is done. It exists (Nin & Stuhlmann, 1969, pp. 185, 186).
Outra figura chave para discutir a presença das mulheres no Private Press Movement é Jane Bissel Grabhorn (1911-1973), artista gráfica americana e editora de considerável importância em São Francisco, um dos maiores redutos do negócio do livro nos Estados Unidos e no mundo. Diferentemente das outras mulheres aqui referidas, Grabhorn explorou um território mais voltado ao questionamento das regras tipográficas, além de ter, assim como elas, publicado textos literários de autores diversos – incluindo, por exemplo, Ezra Pound, publicado por muitas das editoras mencionadas.
Educada na França, onde aprendeu o ofício da encadernação, retornou à Califórnia na adolescência e tornou-se aluna de Belle McMurty Young, uma encadernadora de destaque naquela época. Em 1932 casou-se com Robert Grabhorn, que junto ao seu irmão Edwin havia fundado, em 1920, a Grabhorn Press, uma das mais importantes fine presses da América. A partir de 1934 ela trabalhou em parceria com os dois, realizando vários tipos de serviços, que iam desde contabilidade e empacotamento de livros até composição tipográfica, passando também pela encadernação manual.
Segundo Kathleen Walkup (2020), enquanto Grabhorn ainda contribuía largamente com os negócios de seu companheiro e cunhado, em 1937 ela decidiu ir em busca de uma forma de imprimir os seus projetos pessoais sozinha, fundando a sua gráfica particular, a Jumbo Press, que usou de veículo para experimentação e expressão artística até à sua morte, em 1973. Através da Jumbo, Grabhorn materializou as suas reflexões sobre o ambiente social e cultural da época e também imprimiu os seus pensamentos sobre o ofício da impressão, questionando com humor irónico as regras tipográficas tradicionais.
Folha de rosto do livro A Typographic Discourse - Bookmaking on the Distaff Side, 1937.
Entre os títulos publicados pela Jumbo, é possível citar: A Guide & Handbook for Amateurs of Printing, no qual Jane Grabhorn desfaz mitos que envolvem o universo do fine press printing ao afirmar que imprimir pode ser tão fácil o quanto se desejar que seja; e o A Typografic Discourse for The Distaff Side of Printing: A Book by Ladies [3], no qual ela revelou, entre outros, o seu desdém pela quebra convencional de palavras na composição com tipos móveis.
The ability to subvert the expectations of discipleship through the medium of print is what often sets Grabhorn apart from her contemporaries: she has few qualms about poking fun at revered fine-press printers, and successfully draws attention to the unequal measures for which printing success is understood. In providing both the measures for female printers to destabilize the traditions of fine-press printing, as well as to undermine the serious devotions to prominent printing figures, Jane Grabhorn encourages an understated form of social change focused on – yet not limited to printers – of the twentieth century. In her earliest printed work of A Typografic Discourse, Grabhorn describes the printing as coming forth from her “typographic laboratory” rather than describing it in terms of its actuality as a press (Haselberger, 2020, para. 6).
Em 1938, os irmãos Grabhorn convidaram William Matson Roth para passar uma temporada na Grabhorn Press. Conta-se que Roth se encantou pelo talento e criatividade de Jane nas suas publicações da Jumbo e os dois, com o interesse em comum pela literatura contemporânea, resolveram formar uma parceria para publicar uma eclética lista de autores. Nasce então a Colt Press, uma pequena editora independente, cujos títulos incluem obras de autores como Henry Miller, Paul Goodman, Edmund Wilson, Janet Lewis, Weldon Kees, J.V. Cunningham e Don Stanford.
As contribuições de Jane Grabhorn, ferramentas para promover a mudança social, conforme Haselberger (2020), forneceram uma nova maneira de examinar a história do Private Press Movement: através de lentes feministas. [4] Com a sua personalidade destemida e gosto pelos ofícios da escrita, composição tipográfica e impressão, Grabhorn deixou muitas contribuições para a história da atuação das mulheres no campo da produção de livros.
Conclusão
Contrariando a forma com que a história do livro é contada através dos tempos – geralmente sob perspectivas masculinas –, as mulheres colocaram “as mãos na massa” quando o assunto é impressão de livros. Com o advento das lutas feministas e da emancipação da mulher, o século XX testemunhou a sua evolução, tanto como operárias quanto como artistas. Nessa época, o mundo viu nascer um ambiente muito propício à troca de conhecimentos, tendo sido este um período em que as publicações independentes funcionaram como um canal de disseminação de ideias políticas e artísticas de vanguarda. O Private Press Movement contribuiu fortemente para a divulgação de obras de escritores de variadas origens, géneros, cores, nacionalidades e backgrounds, tornando-se um importante veículo para a expansão de várias correntes não hegemónicas de pensamento. Intensamente envolvidas com os movimentos da época, as mulheres contribuíram de maneira memorável para a construção dessas narrativas.
Do ponto de vista da experiência estética, fica clara a ideia de como o ofício da composição tipográfica afetou o trabalho literário de cada uma dessas mulheres de diferentes maneiras. O gosto tanto pelo aspecto tátil e o peso das letras, quanto pelas mãos sujas de tinta as fizeram deixar como legado uma lista de publicações que interessa não apenas aos colecionadores de fine printing, mas às pessoas que simplesmente gostam de ler bons livros.
Também é importante lembrar que o contato com histórias sobre mulheres trabalhando com ofícios que mais tarde passaram a ser identificados como parte do que chamamos “design gráfico”, faz com que outras mulheres possam perceber melhor certos aspectos da sua identidade profissional.
Ana C. Bahia
Natural de Belo Horizonte, Brasil. Atualmente vive em Portugal, onde cursa o mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas, na Universidade de Lisboa. É pós-graduada em Processos Criativos em Palavra e Imagem pela PUC Minas (Belo Horizonte, 2015) e licenciada em Design Gráfico pela Universidade FUMEC (Belo Horizonte, 2012). Trabalha com design editorial há 10 anos, a fazer projetos de livros para diversas editoras. Atualmente é designer freelancer. [anacbaha.com]
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Notas
[1] Em These Were the Hours Nancy Cunard conta minuciosamente as memórias da sua gráfica particular.
[2] Para fazer o design das capas da Hours Press, Nancy Cunard frequentemente convidava artistas avant-garde, entre os quais é possível citar: John Banting, Man Ray e Len Lye – que ilustrou as capas de três coleções de poemas de Laura Riding e Robert Graves.
[3] Texto publicado também no Bookmaking on the Distaff Side, livro colaborativo, inteiramente pensado e impresso por mulheres. Foi lançado em 1939 e constitui uma compilação de ensaios e poesias escritos por impressoras a celebrar juntas as suas contribuições para a área, nas palavras de Walkup (2020): “a non-hierarchical, truly feminist, collaboration among women printers”.
[4] Por meio das publicações da Jumbo Press, Jane Grabhorn incentiva as mulheres a subverterem as regras tradicionais da impressão em tipos móveis, sempre ditadas por figuras masculinas. Em A Typografic Discourse for The Distaff Side of Printing: A Book by Ladies, ela pontua: “Don’t be tied down like dunces and fools / To quads ems picas and man-made rules. / In this kind of trif-eling, let the male wallow, / For women the freedom of wind and of swallow” (Grabhorn citada por Walkup, 2020, p.57)
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Referências bibliográficas
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