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EVAN CLáVER
LIZ VAHIA
08/06/2025
Nascido em 1987 em Luanda, Evan Cláver é um artista autodidacta. Estudou cinema e cinematografia e começou a desenhar desde cedo. Usa o formato desenho para retratar a dinâmica, o caos e o movimento da vida urbana angolana, a realidade frenética do quotidiano que observa.
Acabou de participar com a obra "Big Kahombo” na 1ª Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau, que terminou agora no dia 31 de Maio. Para lá desta presença, tem integrado inúmeras exposições em Angola e noutros países, nomeadamente a 1ª Trienal de Luanda - “Dipanda Forever" da Fundação Sindika Dokolo em 2004; Fuckin' Globo em Luanda em 2016; AMREF HEALTH AFRICA ARTBALL em Nova Iorque em 2017; Sede das Nações Unidas no Brasil em 2017; Beyond Borders da Sotheby's na Africell Galeria 10A em Luanda em 2024; “Kuduro - a força que não depende da sorte” em Luanda em 2024; a FNB Joburg Art Fair em 2024; a Investec Cape Town Art Fair em 2025; entre outras.
Nesta conversa com a Artecapital, Cláver fala dos temas que o animam a trabalhar visualmente e dos seus próximos projectos.
Por Liz Vahia
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LV: Acabaste de participar na 1ª Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau, com a obra "Big Kahombo”. Podes falar-nos um pouco dessa obra?
EC: Tudo partiu de um desafio proposto pelo produtor de arte Dominick A Maia Tanner de usar bidões para uma intervenção na exposição KUDURO-A FORÇA QUE NÃO DEPENDE DA SORTE. A obra surge como uma reflexão crítica e irónica sobre o quotidiano angolano, especialmente o desejo crescente de emigração. A instalação, composta por 24 bidões amarelos comuns no dia-a-dia, em Angola, pintados a óleo, convida o público a interagir e circular entre eles, evocando sátira social e política. O título "Big Kahombo" faz uma analogia entre a "Big Apple" (Nova Iorque) e "Big Kahombo" (Luanda), representando o sonho de muitos angolanos de emigrar em busca de melhores oportunidades. Na obra, destaca-se a figura de uma vendedora de kahombo, apelidada de "Americana", que sonha conhecer Nova Iorque, simbolizando esse desejo de migração. A obra foi apresentada na primeira Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau, consolidando-se como uma plataforma de afirmação das identidades africanas e de partilha entre artistas de diferentes gerações.
LV: Indicas na tua biografia que és um artista autodidacta e que estudaste cinema. Como é que se deu a tua entrada no mundo das artes visuais? O cinema influenciou/influencia ainda o teu trabalho? Há uma ideia de ritmo e montagem muito presente nas tuas obras.
EC: O cinema e a fotografia são a base da minha obra artística. Busco os veículos mais adequados a cada projecto e interpretação. É e na fotografia e cinema que tiro as imagens para reprodução em pintura. Vejo-me como um repórter de imagem, um cronista social ou cartoonista, um repórter do espectáculo que vejo na sociedade actual. Procuro reproduzir pinturas que sugiram estórias, mas sem apresentá-las de forma explícita. Essa abertura narrativa é típica do cinema autoral e da fotografia documental ou artística, onde o espectador é convidado a completar a cena com sua imaginação. As figuras retratadas frequentemente lembram fotografias antigas ou contemporâneas - com poses naturais, olhares capturados de forma espontânea, ou até com a estética da fotografia analógica. Isso reforça o carácter de registo e memória colectiva, mas, ao mesmo tempo desconstrói a ideia de que a pintura é apenas representação. A influência do cinema é evidente na minha abordagem artística, utilizando narrativas visuais e elementos cinematográficos para enriquecer a experiência sensorial que tento passar.
Enoquio - Que Não Tinha Coração, de Ery e Evan Cláver.
LV: As tuas obras utilizam uma variedade de meios artísticos, como o desenho, o vídeo ou a instalação. Como é que se dá o processo de desenvolvimento material da obra? É a ideia que condiciona o meio ou partes de explorações plásticas? Ou ambas?
EC: A ideia surge, primeiramente, da observação crítica da vida urbana e da memória coletiva angolana. Inicio o processo criativo captando e selecionando imagens, memes e vídeos que dialogam com o tema que desejo explorar. Aproprio-me dessas trivialidades do quotidiano angolano e distorço-as de forma jocosa e teatral para criar uma narrativa visual única. Utilizo os desenhos (rabiscos/doodles) e stencil para retratar a dinâmica, o caos e o movimento característicos da vida urbana, com uma perspectiva de desapego que me permite encenar a frenética realidade do dia a dia através de linhas que capturam a energia das ruas de Luanda. Enfim, uma fusão de observação social, crítica política e expressão artística, que convida o público a uma reflexão profunda sobre a identidade e a cultura angolanas.
© Evan Cláver
LV: Se o teu trabalho tem uma base de crítica, ironia ou sátira ao contexto ou quotidiano em que te moves, estás atento às reacções do público às tuas obras? Essa dimensão relacional interessa-te?
EC: Obviamente, o meu trabalho está inteiramente relacionado às pessoas e ao público. São eles que retrato e de quem faço paródia. A interpretação e reacção à minha obra, eu vejo, ou gostaria de ver e que vissem, como uma representação das situações que todos vivemos diariamente nas grandes cidades. Não busco entendimento ou, propriamente, passar uma mensagem "moral" ou apelativa. Espero só que as pessoas se reconheçam no retrato urbano que faço, provocando ele um sentimento agradável, chocante ou outro qualquer. É uma pergunta que também me coloco: o que vejo e que reacção tenho ao sair à rua e cruzar-me com várias situações: miúdos na rua a pedirem, a senhora que vende, o choro do óbito, ou a violência gratuita, também o caos e harmonia no nosso viver alegre, para além do drama.
LV: Que projectos estás a desenvolver actualmente? Onde é que vamos poder ver o trabalho em breve?
EC: Em projecto tenho já entre os dias 25 e 28 de Junho a participação através da Galeria The Art Affair na segunda edição da ´Africell Luanda Feira de Arte´, no Palácio de Ferro. A seguir, tenho em projeto 3 curtas-metragens, cada uma delas representando uma cor da bandeira angolana, assim como uma instalação com 50 bidões para a celebração dos ´50 Anos da Independência de Angola´. Estará também disponível uma coleção exclusiva na galeria digital AFRIKANIZM, no mesmo mês. Fora isso, vou trabalhando com encomendas e souvenirs para coleções privadas, multinacionais e instituições.
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