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Personalized Archive Network - Cable Factory Helsínquia, Finlândia, 2024. © Jueon Woo


Personalized Archive Network - Cable Factory Helsínquia, Finlândia, 2024. © Jueon Woo


Personalized Archive Network - Cable Factory Helsínquia, Finlândia, 2024. © Jueon Woo


Personalized Archive Network - Semmelweisklinik Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro


Personalized Archive Network - Semmelweisklinik Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro


Personalized Archive Network - Cable Factory Gallery Augusta - HIAP, Helsínquia, Finlândia, 2024. © Elis Hannikainen


Personalized Archive Network - Cable Factory Gallery Augusta - HIAP, Helsínquia, Finlândia, 2024. © Elis Hannikainen


Personalized Archive Network - Cable Factory Gallery Augusta - HIAP, Helsínquia, Finlândia, 2024. © Elis Hannikainen


Echoic, sound box Fabrikraum, Viena, Ãustria, 2020. © Ana Loureiro


The inner sound of the shell Fabrikraum, Viena, Ãustria, 2020. © Ana Loureiro


Substratum of memories, participant #1 Fabrikraum, Viena, Ãustria, 2021. © Ana Loureiro


Substratum of memories, participant #2 Kunst ab Hinterhof, Viena, Ãustria, 2022. © Daniel Renz


Substratum of memories, participant #2 Kunst ab Hinterhof, Viena, Ãustria, 2022. © Daniel Renz


“...the way you say it.†Rooming Inn, Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro


“...the way you say it.†Rooming Inn, Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro


“...the way you say it.†Rooming Inn, Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro


“...the way you say it.†Rooming Inn, Viena, Ãustria, 2024. © Ana Loureiro

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ANA LOUREIRO

CATARINA REAL


 

 

Ana Loureiro, nascida em 1991, é licenciada em Artes Plásticas - Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e vive em Viena.

Conversei com Ana a propósito do seu trabalho - uma prática estruturada em projectos de longo termo, que têm a investigação como base e que tomam a forma de instalações com elementos vídeo, texto e escultóricos, assim como performativos - e do interesse contínuo nas memórias, associadas maioritariamente a espaços físicos. Conversámos também em torno do paradoxo da comunicação e da relação destes seus principais interesses com a mudança de contexto cultural e a vivência em Viena.

Numa longa conversa, acontecida virtualmente entre Viena e Nova Iorque, na qual muito ficou por conversar, passamos pelas diferenças entre o cenário artístico e cultural de Viena e o do Porto, a abertura por parte da cena artística e as diferentes dificuldades de subsistência enquanto artista. Falamos da particularidade dos estudos na Universidade do Porto e da mudança do seu trabalho desde então, atravessada não apenas pela mudança, mas como pelas razões dessa mudança ter acontecido, e não ter sido ainda revertida. Ana tem-se mantido, ao longo do seu percurso, relativamente afastada do cenário artístico português, com o qual sente agora mais vontade de se aproximar.

Neste texto apresenta-se uma versão reduzida desta nossa conversa, da qual se espera dar continuidade em breve.

 


Por Catarina Real

 


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CR: Talvez possamos começar pelo início do teu percurso; pela passagem pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e pela mudança do Porto para Viena.

AL: Raramente falo em português, e muito mais raramente falo do meu trabalho em português, pelo que algumas expressões podem não ser as mais claras ou posso demorar mais tempo a articular os pensamentos e as palavras.

CR: Esse era exactamente um dos pontos de que gostava de conversar contigo! Gostava de compreender se essa mudança de língua de uso corrente e a dificuldade que aparece mesmo voltando à língua materna - um estrangeiro na tua própria língua! - seria uma das razões do teu interesse pela complexidade da comunicação.
Mas podemos começar pelo teu percurso, porque acho que iremos lá desembocar.

AL: Comecei a minha mudança para Viena com o programa Erasmus, em 2013, durante o último semestre na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Na FBAUP sempre me senti deslocada; desfasada da forma de pensar vigente, da forma como tudo estava organizado... Parecia-me uma estrutura muito semelhante ao ensino secundário, a exigência da presença nas aulas e o cumprimento de trabalhos de casa, sem termos um outro grau de autonomia. Existia também uma forma de estar, uma forma de lidar com os professores e com as figuras de autoridade com a qual não me identificava ou que era efectivamente contra. Havia muitas nuances de comportamento que tinham de ser cumpridas para alcançar um determinado grau de sucesso no desempenho académico, e era secundária a individualidade de cada aluno. Naturalmente que o curso tem várias saídas profissionais, contudo, mas a principal é a de se formarem artistas profissionais, por isso nunca compreendi que não se explorasse a individualidade de cada aluno, que não se identificassem as potencialidades de cada trajecto artístico e que a faculdade não trabalhasse no sentido de o impulsionar.
Isto significava também uma grande carga de trabalhos – maioritariamente exercícios técnicos – e restava muito pouco tempo para investir em projectos e investigações pessoais; acontecia nas disciplinas opcionais, mas também associada às técnicas sobre as quais versavam. Nas disciplinas principais não existia espaço ou tempo, tal como existe e existiu para mim em Viena. Espaço para o aluno desenvolver projectos e pesquisas onde se revê e está implicado pessoalmente, e que serão, à saída da faculdade, o seu portfólio. Viena trouxe-me isso, terminar a faculdade com a perspectiva de que tinha já algumas primeiras ferramentas para entrar no mercado de trabalho e cenário artístico.
Os meus anos na FBAUP foram também coincidentes com o período da crise, e sentia-se a insatisfação dos professores, que estavam a sofrer cortes nos salários, a faculdade com más condições materiais e os alunos que tinham de acarretar com os custos de comprar todos os materiais. Era essa mistura de limitações que restringiam as práticas dos alunos.
Apesar de nunca ter estado muito satisfeita com todo este cenário, não me imaginava a fazer outra coisa, e por isso fui ficando... Até que surgiu a possibilidade de ingressar no programa Erasmus. Esse ingresso é uma outra história também cheia de limitações e erros burocráticos – que me impediu de ir para a minha primeira cidade de escolha, Paris. Acabei por escolher Viena, por recomendação de uma amiga, sem nunca cá ter estado até então. O meu objectivo com esse semestre era aproveitar as infraestruturas e possibilidades que uma academia de qualidade me podia oferecer, e também aproveitar a cultura da cidade em si. Apesar de o programa ser famoso pelas festas, isso nunca me aliciou, porque já estava a pensar no futuro e a pensar que esse futuro podia não passar por Portugal – é de notar que o ano em que imigrei foi um dos anos em que mais recém licenciados imigraram. Muitos dos que entraram no programa no mesmo ano que eu acabaram por se mudar para as cidades em que foram estudar.

CR: É curioso para mim ver a mudança que aconteceu no teu trabalho, desde que me lembro dele nas Belas Artes do Porto. Essa mudança também se deveu à mudança de contexto?

AL: Em Viena escolhi o programa de pintura figurativa, que achava que seria aquele em que melhor me poderia integrar. Apesar do nome, havia uma liberdade para que a prática não fosse focada na técnica. E sim, muitas das mudanças, ou melhor, das explorações mais profundas que já estavam na minha investigação, mas que ainda não tinham sido canalizadas da melhor forma, se deveram a esta mudança. À experiência da própria cidade, mas sobretudo ao enquadramento nesta nova forma de investigar.
No início foi um pouco complicada a adaptação, foi complicado compreender a dinâmica porque os alunos têm outro grau de autonomia e não existe a obsessão de controlar o tempo que passas na faculdade, uma vez que os alunos também terminam os seus cursos ao seu ritmo, e não estão preocupados em terminá-los o mais rapidamente possível. Muitos sentem que é uma vantagem prolongarem esses anos uma vez que as propinas são relativamente baixas, e que tens acesso não apenas ao estúdio, mas a toda a infraestrutura da faculdade. Por norma as pessoas também ingressam no curso mais tarde, e não seguem a nossa norma de começar a faculdade directamente vindos do ensino secundário, com 18 anos. Com mais maturidade, as pessoas conseguem gerir as suas expectativas e tempos de trabalho de uma forma diferente, e a candidatura à faculdade acontece por portfólio, em que se atestam as competências artísticas. Na minha perspectiva isso faz muito sentido, e correlaciona-se com o facto de as pessoas demorarem mais tempo a ingressar no programa de estudos, porque podem desenvolver esse portfólio até então. O ensino é muito mais individualizado, pelo que estar na posse de uma maior compreensão dos teus objectivos e do que queres retirar do ensino artístico, acaba por ser um ganho.
Escolhi a turma de pintura figurativa, que é a disciplina central, e depois tudo o resto é opcional, e podes moldar ao que faz mais sentido para o teu trabalho, e para alimentar o que estás a desenvolver na disciplina principal. Não és obrigado a seguir um padrão, e podes definir todo o curso à tua medida, o que é uma grande diferença, comparando com o que acontece em Portugal. Faz com que as tuas escolhas sejam mais adequadas e que de alguma maneira, não percas tempo no que não te interessa tanto. Obviamente que muitas disciplinas pelas quais passei nas Belas Artes do Porto não fariam parte das minhas escolhas, e retirei delas coisas importantes, mas acho que este modelo te permite que o tempo do curso seja melhor utilizado, e faz com que o termines com um portfólio já bastante desenvolvido.
Muitas vezes era a única aluna na aula, porque muitos alunos decidiam estar presentes apenas nos encontros semanais com o professor da disciplina principal, num modelo de tutorias. Nesses encontros discutíamos os nossos projectos e tínhamos um acompanhamento individualizado e de maior proximidade com os professores. Cá é muito valorizado o sucesso dos alunos, que é o que é considerado como o sucesso do trabalho dos professores. E todos eles são não professores de carreira, mas professores-artistas, e muitas vezes teres estudado com determinado artista é também um passaporte ou uma referência forte da tua capacidade e qualidade. Há também apoio a que os estudantes se integrem enquanto artistas no mercado de trabalho, no cenário cultural; em pé de igualdade com os artistas que te ensinam.
Os assistentes também têm um papel muito activo na tua educação, porque estão sempre disponíveis e são muito prestativos a encontrar soluções para o que estás a desenvolver. Para além de que tens muitos materiais que são gratuitos e que estão disponíveis para teu usufruto, o que te permite testar e experimentar a uma escala que era impossível em Portugal, onde tens de pagar por todos os materiais que queres usar, e que então tens de estar muito mais consciente e restrito nas experiências que podes ou não fazer.
Os próprios alunos, entre si, desenvolvem um espaço de maior entre ajuda, e há uma mentalidade de cuidar da comunidade que não é competitiva. Há a compreensão de que conseguimos melhores resultados se existir essa ajuda mútua, e há uma curiosidade muito grande no que os colegas fazem, e nas diferenças que existem entre práticas.

CR: E esse lado humano é sempre uma porta para uma boa integração num novo meio, numa nova cidade e contexto.

AL: Sim, esse conforto também te dá um grande sentido de confiança na tua prática. E obriga-te a pensar individualmente, para que o possas partilhar com outras pessoas. Isso, aliado ao facto de não existir um programa rígido que tivesse de cumprir e às críticas construtivas por parte dos meus colegas e dos professores, permitiu-me desenvolver o meu trabalho numa nova direcção, obrigou-me a tomar mais decisões por mim própria, enquanto autora, e desenvolver muito o meu portfólio.

CR: E a diferença da língua, afectou a tua experiência, seja negativa ou positivamente?

AL: No cenário artístico é possível comunicar só em inglês, por isso consegui integrar-me em associações colectivas que me permitiram perceber melhor como tudo funcionava. Funcionamento não apenas no sentido formal de como construir um programa para um espaço, mas também de conhecer muitos outros artistas, curadores... Há um grande apoio do estado para que estas instituições não lucrativas e geridas por artistas funcionem, e para que exista um sentido mais experimental no que acontece lá. E isso é muito relevante e sente-se imenso no cenário cultural da cidade. Muitos desses espaços são o primeiro palco para artistas emergentes, o primeiro passo para integração no contexto, e que muitas vezes resulta na visibilidade suficiente para que sejam convidados a trabalhar com galerias, por exemplo.

CR: Estás a trabalhar com alguma galeria?

AL: De alguma maneira, sim, tenho mostrado o meu trabalho em galerias e tenho algumas obras consignadas. Mas não sou representada por nenhuma galeria.
Aqui, quando o artista está associado a uma galeria, pode ser um factor que não abona muito a favor quando o mesmo se candidata a apoios ou bolsas do estado ou da cidade. Uma vez que partem do pressuposto que obtêm rendimentos das vendas. Só que como sabemos nem sempre se vende e podem-se passar meses sem se vender nada. Hoje em dia é complicado especialmente para os artistas emergentes viverem só das vendas.
Outro exemplo, é caso precises de financiamento para desenvolver e apresentar um projecto, o mesmo não pode ser apresentado numa galeria ou ter um propósito meramente comercial. Isso também tem que ver com o facto de tanto o Estado como a cidade de Viena disponibilizarem apoio a galerias. Vamos ver se, dado o cenário político, estes apoios se mantêm.
O trabalho com as galerias é um pouco imprevisível, porque podes ou não vender o teu trabalho e existem condições, como as comissões de venda, condições de pagamento, entre outras exigências que podem colocar os artistas emergentes numa situação mais delicada. Por isso tenho escolhido não o fazer, e procurar financiamento para o meu trabalho e para os meus projectos de outra maneira. Sinto-me mais livre também, sem pressão de o trabalho se adaptar a um contexto comercial.
Demorou muito até ser capaz de compreender toda a burocracia de acesso a estes apoios, que não está disponível em inglês, demorou-me cerca de seis anos até ser capaz. Mas depois disso, comecei a ser capaz de escrever candidaturas e apresentar os projectos de forma adequada, e já recebi uma das bolsas estatais mais consideradas aqui, o que foi óptimo, não só por poder desenvolver o meu projecto, como também para valorizar o meu currículo, porque funciona como forma de reconhecimento do teu percurso.
Considerando a dificuldade que é ser-se uma artista independente, tenho trabalhado muito para conseguir ser capaz de trabalhar apenas como artista. E a verdade é que as coisas têm funcionado. Toma-me muito tempo, e requer muito trabalho, sobretudo por ter de o fazer numa língua que não é a minha língua materna, sendo que estes documentos estão escritos não apenas em alemão, mas num registo formal e técnico. Há muitas pessoas que não têm paciência para despender tanto tempo para o fazer, mas eu vejo-o como uma grande vantagem, porque há oportunidades excelentes, que nós não temos em Portugal.
Confesso que quando me mudei para cá, estava extremamente desgastada e desiludida, e sinto que não era um caso isolado. Sentia que não existiam oportunidades para conseguir desenvolver o meu trabalho em Portugal, e existia também uma grande competitividade e até hostilidade. Era cada um por si. E aqui vi-me numa realidade oposta, e senti-me mais sintonizada, em contextos mais interessantes e significativos para mim. Houve uma boa receção do meu trabalho e foi muito gratificante sentir a curiosidade dos meus pares. Como se em Portugal me sentisse uma estrangeira no meu próprio país, e em Viena me sentisse mais em casa, no contexto laboral. Contudo, tenho sentido mais vontade agora de me integrar no contexto português, e sinto que houve muitas mudanças a acontecer no Porto, e em Portugal de uma maneira geral, desde que me mudei para Viena. Sinto que há uma maior abertura do meio, nem que seja porque nos tornamos mais internacionais. E tenho amiúde participado em algumas exposições colectivas.

CR: Posto isto, vês-te a voltar para Portugal?

AL: O cenário político não é muito animador por cá, mas parece-me que o terror da extrema direita está espalhado por toda a Europa. Tenho vontade de fazer uma ponte com Portugal, mas ainda não sei o que acontecerá...

CR: Estivemos a explorar mais a parte da tua mudança de contexto. Penso agora não apenas nas mudanças formais que o trabalho tomou, mas também o próprio foco da tua investigação, sendo que tens como temas recorrentes as relações entre memória, espaço e comunicação. O paradoxo da comunicação e do entendimento...

AL: Formalmente cansei-me um pouco da pintura. Não pinto, propriamente, há uns dez anos. Deixou de ir de encontro às necessidades da minha pesquisa. E tenho sobretudo trabalhado com desenhos, fotografia, impressão 3D... numa vertente instalativa.
A relação entre a memória e o espaço, que explorei em maior profundidade no projecto Substratum of Memories, foi muito impactado pelas minhas constantes mudanças de casa em Viena. Toda a minha vivência acaba por influenciar os caminhos que o trabalho toma e o desenvolvimento dos projectos; as pessoas, as circunstâncias da vida...
Quando me mudei para cá não sabia exactamente quanto tempo iria ficar, e como ia sendo necessário mudar de casa com frequência, e tinha de mudar todos os meus pertences, comecei a analisar essas relações com os espaços, porque todos eles acabaram por ser espaços de uma vivência fragmentada, temporária. A minha relação com o espaço era condicionada pelo tempo que lá iria ficar, e também pelas pessoas com que interagia e pelas coisas que ia acumulando.
Comecei por documentar esses objectos, e depois passei a analisar, mapear e a revisitar. E comecei a perceber como é que as memórias desses espaços resultavam dessas interacções, e compreender a relação entre as minhas memórias pessoais e as memórias partilhadas com as outras pessoas que viviam os mesmos espaço.
Durante esse tempo sempre vivi em casas partilhadas, e agora vivo num espaço que é só meu. O que também me permitiu entrar numa outra fase de análise, e a retornar a espaços da minha infância. Foi aí que comecei a introduzir elementos mais interactivos na minha prática, e a explorar a relação dos outros com os seus próprios espaços e memórias. Espaços da infância, mas também de fases particulares em que as circunstâncias da vida se alteram, o que acontece dentro do espaço de vivência e é determinado pela relação da pessoa com o espaço. Se fui feliz ou se passei por experiências horríveis, determina as minhas memórias do espaço em si. Há uma relação emocional implícita. Nós construímos os espaços, damos-lhes identidade, e não o contrário.
Nessa fase da minha pesquisa envolvi outras pessoas, e outras memórias, porque senti que esses inputs poderiam ser relevantes para o projecto e para a investigação.
Comecei por desenvolver um questionário, onde as pessoas descreviam um espaço de forma textual, um espaço com o qual tivessem uma relação afectiva forte, independentemente da fase da vida em que o tenham habitado. Através dessas respostas recriei de forma 3D esses espaços, tentando dar uma imagem à subjectividade da experiência do espaço através das memórias destas pessoas.
Foi muito curioso o confronto desses espaços a que dei forma e a reacção destes participantes, porque quando se deparavam com uma imagem percebiam que na realidade o espaço não era como o descreveram, havia lapsos entre a memória e a imagem, que eram fruto dessa parte emocional. Na exposição que fiz com estes trabalhos criei uma espécie de mise en scène destes espaços.
Aconteceram momentos curiosos, como quando a mãe de uma dessas participantes visitou a exposição - foi o quarto de infância que ela descreveu - e foi confrontada com a diferença das percepções do mesmo espaço familiar. O espaço foi descrito de uma forma muito mais ampla, porque se relacionava com a perspectiva de uma criança, e a partir dessas memórias infantis em que tudo nos parece ser muito maior.

CR: Quais os projectos mais recentes em que estás a trabalhar?

AL: Posso-te falar sobre o projecto the way you say it. Este relaciona-se muito especificamente com a comunicação e teve a sua origem não apenas no facto de ser uma estrangeira a viver num país com uma língua diferente, como a dificuldade de adaptação a uma terceira língua, com a qual não tinha uma relação até aí. E a necessidade de alcançar uma certa fluência porque a integração a longo prazo só acontece se conseguires, de facto, comunicar. Se a comunicação for pobre, limita as relações que crias com as pessoas, mas inclusive ao nível da tua sobrevivência enquanto cidadã. Nos serviços públicos tens de falar a língua, e o alemão é uma língua complexa, não se aprende num curto espaço de tempo.
Para mim, foi como ter um rádio mal sintonizado na minha cabeça, em que as palavras apareciam entre o português, inglês e alemão quando me tentava expressar da melhor forma. Agora, sinto que me esqueci um pouco do português, sobretudo na parte escrita, sinto alguma dificuldade em escrever com naturalidade.
Quanto ao que dizia, das relações com as pessoas, torna-se difícil por exemplo, expressar os meus sentimentos ou pensamentos em maior profundidade, é como se ficassem suspensos ou adormecidos. Posso-me expressar através das palavras que conheço, mas acaba sempre por ser de uma forma limitada e relativamente banal.
Por isso, o projecto utiliza um código híbrido, de cruzamento entre várias formas de comunicar, da linguagem às imagens, às cores, desenhos, gestos. De alguma forma estou à procura de um código onde tudo se possa misturar. É libertador fazê-lo nesta mistura de vários modos de comunicação porque o que está a ser expresso por mim é apreendido, lido, entendido pelos outros à sua maneira, com as ferramentas que têm.
Este projecto começou de uma forma completamente experimental e era dirigido a mim própria. Uma das fases da história da pintura de que mais gosto é a pintura renascentista, sobretudo a pintura flamenga, onde se usavam símbolos e cores como forma de transmitir mensagens subliminares. E estes símbolos que eu uso têm essa referência, mas onde uso códigos que não são à priori partilhados.
Na altura muitas pessoas tiveram vontade de elas próprias experimentarem este modo de expressão híbrido e isso deu lugar a uma fase aberta ao público onde todos os visitantes, adultos, crianças ou idosos, podem experimentar comunicar através destas ferramentas - os objectos, diferentes cores, formatos, fundos. Onde podem fazer composições que comuniquem o que sentem de forma mais profunda e de alguma forma incomunicável por outras vias. Naturalmente que as pessoas podem atribuir os significados aos símbolos de acordo com a sua própria sensibilidade e experiência, mas também disponibilizei um guia com os simbolismos históricos.
Desta maneira, o visitante começava a fazer parte do projecto. As composições foram documentadas e mais tarde agregadas online, e até incluídas em exposição, impressas, e expostas no que servia como uma espécie de “sala de espera”. Foi curioso para mim ver o grau de engajamento das pessoas com a proposta, e a dedicação de tempo para lerem as emoções dos outros, nestas fotografias, antes mesmo de criarem a sua composição-mensagem. Também achei engraçado o facto de muitos casais ficarem com receio de parecerem estar a mandar uma indirecta ao outro. Os resultados das participações dos visitantes vão sendo gradualmente partilhados no Instagram após o fim dos eventos ou exposições.

Agora, mais recentemente, estou a trabalhar num projecto que também é participativo e que explora a dimensão da violência contra as mulheres. Está a ser desenvolvido em relação com um espaço que historicamente também se interliga com este problema e que tem uma história terrível. Há muitos anos este espaço era uma espécie de quiosque, muito pequeno. Lá trabalhava uma jovem que a determinada altura terminou a sua relação com o seu companheiro, que não o aceitou. Um dia ele decidiu esperar que todos os clientes saíssem, para entrar na loja e lançar fogo à ex-companheira. A jovem morreu queimada viva.
O que aconteceu chocou a cidade inteira, de tão horrível que foi. E, mesmo já passado algum tempo, as pessoas ainda têm muito presente o que aconteceu. Por isso, a presidente do distrito 9, decidiu reabilitar o espaço para acolhimento de projectos que sensibilizassem para o problema da violência contra as mulheres e o feminicídio. O espaço serve como uma espécie de memorial, para que não apenas essa vítima como muitas outras sejam lembradas, num país em que a violência doméstica é elevada e continua a aumentar. Recorrendo a essa memória trágica do espaço estou a trabalhar num projecto sobre relações abusivas e a pensar como se podem criar formas de prevenção. É um projecto que estou a desenvolver em conjunto com a artista búlgara Zhanina Marinova, que também vive em Viena.

 

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