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BRUNA VETTORI
LIZ VAHIA
30/05/2022
Bruna Vettori nasceu no Brasil em 1991. Actualmente reside em Paris, onde realiza um programa de intercâmbio na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts. A sua prática artística desenrola-se à volta da experiência da linguagem, tanto no seu carácter poético e relacional, como no seu aspecto visual gráfico e performativo. O “escrever” está na base da sua investigação artística - o vestígio do gesto, o traço marcado, o apagamento, os diferentes suportes - num sobrepassar da necessidade da legibilidade.
Nesta conversa, Bruna fala-nos do seu entendimento da escrita como representação visual, sobre a performatividade e a poética que habitam os seus trabalhos.
Por Liz Vahia
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LV: Quando vemos as tuas obras, é menos a palavra e mais a escrita que parece emergir do teu trabalho. Dizes mesmo que o escrever é o ponto de partida das tuas criações artísticas, onde exploras o seu potencial plástico para além da sua semântica. Isso é especialmente visível nas obras onde não há propriamente “palavras”, como nas peças de madeira com arranjos de pequenas pedras onde reconhecemos visualmente uma ideia de “texto”. É este lugar específico, entre o visual e o linguístico, que te interessa trabalhar, através de várias materialidades?
BV: Sim, percebo que a escrita é uma consequência, um vestígio do meu próprio gesto, e me interessa investigar as camadas que habitam o processo do escrever; aquilo tudo que a linguagem nem sempre dá conta de representar.
LV: O escrever aparece muitas vezes na tua obra como algo difuso, entre uma promessa de legibilidade e um desvanecimento pela transparência. Como nos teus trabalhos em tecido ou papel seda, que devido às características do próprio material, de transparência ou de criação de dobras, tornam a vontade de ler numa acção impossível. Parece-te que há uma ênfase permanente no escrever como acção total (física, espacial, material), ao lograr as expectativas de um espectador que, perante um texto, espera sempre conseguir apreender uma mensagem escrita?
BV: Exatamente, percebo a escrita como uma representação visual, não apenas com seu aspecto semântico, pois a legibilidade não é obrigatória nos meus trabalhos. Gosto de explorar a dimensão do tempo a partir do enigma da palavra, dar atenção a cada símbolo e marca que estão presentes na obra, é uma construção demorada eleger e priorizar aquilo que deve estar visível e aquilo que é legível. Por se tratarem de textos poéticos, eu uso muitas figuras de linguagem e mesmo quando há legibilidade em algum fragmento, ali habitam muitos significados; os meus, e de quem está também lendo.
LV: Achas que a performatividade da escrita, a sua inseparabilidade do gesto, também se manifesta na escolha do negro e do branco, como traço e fundo (ou vice-versa)? Ou seja, como a manifestação mais concreta da ideia de inscrição, de rasto?
BV: Sim, existe uma dicotomia constante nos trabalhos, o que é lido e o que é oculto, o gesto e a pausa, o que é claro e o que é escuro, o cheio e o vazio que são tão presentes na arte oriental, e que eu busco comunicar também nas obras. No processo de criação, o que está escrito ou preenchido importa tanto quanto o espaço em branco; o peso dos silêncios, os hiatos, as entrelinhas.
LV: A questão do poético também está muito presente na tua obra, mas passa para lá dos significados das palavras em si. Escrever “sobre” a matéria, em todos os seus sentidos, é aquilo que constrói o poético, ele não sobrevive sem o seu suporte. Concordas?
BV: Concordo muito. Cada palavra repousa sobre um suporte que por si só, já está preenchido de significados. Me interesso no modo que as palavras se entrelaçam no corpo do suporte, se tornando um corpo único. Gosto de explorar essa descoberta das matérias, entendendo e me comunicando também com o material que escolho trabalhar.
LV: A diversidade de formatos em que se apresenta a tua obra é resultante de uma experimentação que deriva num formato final ou há já um condicionamento escolhido ao início que depois é trabalhado?
BV: Eu acho que há um processo constante de investigação que atravessa todos os trabalhos, e a partir dele, vou desdobrando em materiais e novos suportes. O meu processo de pensar parte de cadernos, pequenos textos, fragmentos, pensamentos soltos. Sobre os materiais das obras, não é sempre um caso premeditado, existe uma curiosidade pulsante que vai guiando essa exploração. Me interesso especialmente pelos erros e possibilidades do suporte, os limites poéticos que são intrínsecos à sua própria natureza; onde ele amassa, falha, quebra, abre fissura, transparece, me conta uma história. E ali, sinto que encontro o lugar para a poesia.
LV: Neste momento estás a fazer um intercâmbio em Paris, na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts. Podes contar-nos o que estás a desenvolver neste momento no âmbito desse projecto? E que outros planos tens para o futuro mais próximo?
BV: Estou finalizando meu Master em Artes Plásticas numa colaboração entre a Universidade do Porto e a Escola de Paris, onde venho produzindo nos Ateliês dos Professores Claude Closky e Guillaume Paris, além da orientação da Prof. Filipa Cruz e Prof. Francisco Laranjo. Neste momento, busco compreender como trabalhar com a escala sem perder o caráter íntimo e sensível da escrita, e como minha obra se incorpora em diferentes espaços, existindo num formato de instalações, e interagindo também com o ambiente que a recebe. Isso implica uma investigação também sobre a própria língua francesa, como traduzir e representar esta vivência em Paris nos meus escritos. Tenho algumas exposições planejadas para este ano, nas próprias Galerias da École des Beaux-Arts e também em outros espaços culturais em Paris, além de uma participação na Biennale Culturelle d’Aix-en-Provence no verão. Para o futuro próximo, pretendo produzir e publicar minhas poesias num formato de livro de artista, onde as obras possam ser vistas e lidas, nas diversas linguagens e representações possíveis.
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[imagens cortesia da artista]