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FABRIZIO MATOS
VICTOR PINTO DA FONSECA
Fabrizio Matos nasceu em 1975 na Figueira da Foz. Cursou Pintura na FBAUP, tendo feito depois um mestrado em Escultura na mesma universidade. Em conversa à Artecapital, Fabrizio traçou o percurso das suas influências e referências artísticas e pessoais, falou da importância do mistério e da anatomia nas suas obras, sobre a fotografia e o cinema.
Por Victor Pinto da Fonseca
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VPF: Não é frequente um artista ser simultaneamente pintor e escultor e, no teu caso, muito mais do que isso, porque à semelhança de um ambidestro – que se serve com a mesma habilidade ou destreza, das duas mãos, - tu praticas a pintura e a escultura com a mesma qualidade e habilidade. O que é que te conduziu no início dos teus estudos na FBAUP à pintura e mais tarde ao mestrado de escultura? Que artistas te influenciaram no começo?
FM: Não sei se isso será verdade, há muitos artistas que fazem pintura e escultura. (Os meus pais também são artistas, pintores) Muito sinceramente, terão sido eles as minhas primeiras influências. Nos períodos de férias tive a sorte de ir muito a Roma visitar familiares e vi muita arte, antiga principalmente. Claro que aquilo impressionou-me muito. Lembro-me perfeitamente, devia ter 16 ou 17 anos, quando descobri as pinturas do Caravaggio na Igreja de San Luigi dei Francesi, que apareciam do escuro, quando se punha uma moeda, na altura liras.
Quando cheguei ao Porto, entrei nas Belas Artes para pintura, não tinha dúvidas que era o que queria estudar. O Tiziano, o Francis Bacon, o Di Chirico, Henry Darger, o Borremans, vários artistas importantes para mim a diferentes níveis, e depois na pintura portuguesa, que está cheia de bons artistas, como o Miguel Branco, o António Melo, e outros. É impossível mencionar todos.
VPF: Uma das qualidades que encontro em muitas das tuas obras é o seu silêncio; paralelamente pareces-me um artista liberto dos constrangimentos do mercado e uma pessoa tímida. Não te preocupa a ideia contemporânea de que o artista deve ser um ser social – uma celebridade, que quanto mais aparece e se faz lembrar, mais pode ajudar a ser famoso e bem sucedido?
FM: O meu trabalho, é essencialmente evocativo, da memória, de coisas que já existiram, ou nunca chegaram a existir, sobre o mistério e a morte, talvez seja isso que a torna silenciosa. Não sei bem como responder.
Quanto à parte social do artista, eu sei que é importante, toda a gente sabe. Prefiro que conheçam primeiro o meu trabalho. Para além disso, não me sinto confortável em determinadas circunstâncias. Não tenho muita habilidade.
VPF: O imaginário mágico que habita a tua obra, seja por referências ou pelos temas que abordas, faz-me pensar que te interessas particularmente por exoterismo e anatomia, de onde retiras fundamentação para a concepção de muitas das tuas obras. Podes explicar porque prisma articulas as tuas ideias na produção da tua obra ao nível do imaginário?
FM: O exoterismo interessa-me em certa medida, o potencial das imagens é muito rico. E depois porque se relaciona com o misterioso, encenação, truque, do inexplicável, do que há por descobrir. A questão do mistério é importante no meu trabalho. Gary Lynch (neurocientista), fala numa entrevista da questão do mistério, das coisas que desconhecemos e do prazer profundo e inesperado que estas provocam. O mistério inquieta, é algo que não parece acabar.
A anatomia faz parte da parte mais racional do meu trabalho, mais científica e ordenada. É obrigatória no meu trabalho, e para fazer monstros ou retratos à escala real, requer um conhecimento anatómico mais científico, mais analítico do corpo.
É por isso que gosto de Museus de História Natural, têm esse lado racional, mas que emocionalmente não deixam ninguém indiferente, pelo seu silêncio e imobilidade dos espécimes.
VPF: Simultaneamente, algumas das tuas pinturas recordam o uso de processos cinemáticos e fotográficos, a captura de imagens como fonte para a base de algumas das tuas pinturas. Tens uma ligação especial ao cinema?
FM: Os meus avós viviam a 5 minutos de Cinecitá, que ficava no caminho para o metro. Passava lá muitas vezes e via os grandes cenários dos filmes, ainda de pé. Eram tão altos que se viam do lado de fora do muro que circunda os velhos estúdios em Roma. Estas estruturas fascinavam-me, bem como esculturas, usadas em filmagens, agora em decomposição numa espécie de abandono, ruínas de uma ficção algures na nossa memória. Na exposição São Francisco abordei o tema. Sempre gostei de cinema, e o seu carácter narrativo, algo que uso muitas vezes no meu trabalho, e muitas das minhas ideias têm origens em filmes. Muitas vezes enceno com amigos as imagens que uso nas pinturas. Filmo ou fotografo, como aconteceu para a exposição Vita Brevis. Outras vezes uso imagens de revistas antigas ou retiradas de filmes. O processo é muito experimental, para mim, e é só através da experiência que podemos descobrir algo de novo.