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© Jaime Ferreira


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© Sara Cordeiro


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Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette


Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette


Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette


Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette


Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette


Se o branco tivesse asas, 2023, Galeria na Montra. © Beatriz Roquette

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BEATRIZ ROQUETTE

VICTOR PINTO DA FONSECA


28/10/2023 

 

 


Beatriz Roquette (Lisboa, 1994) licenciou-se em Escultura, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa em 2017. Realizou parte da sua formação em Roma, na RUFA - Rome University of Fine Arts. No seu percurso académico, destaca-se a exploração do gesso e das suas técnicas. Em 2020, montou o seu atelier de escultura, em Vila Nova de Milfontes, onde desenvolve peças em gesso, não só artísticas mas também com carácter decorativo e/ou funcional.

A sua última exposição, “Se o branco tivesse asas”, que esteve patente até 18 de Outubro na Galeria na Montra (Caxias), apresenta um conjunto de esculturas em gesso que remetem, na sua multiplicidade de formas, para o ciclo da vida e as suas metamorfoses. Germinar, crescer e multiplicar, geram várias possibilidades, entre fauna, flora e anatomias, onde o branco do gesso se torna num terreno fértil, em permanente mutação. A partir daqui, a Artecapital foi conversar com a artista.


Por Victor Pinto da Fonseca

 

 

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VPF: “Se o branco tivesse asas”, título da tua primeira exposição individual na Galeria na Montra, em Caxias, parece ter em vista uma certa interação com a poesia… — Utilizaste-te de leitura de pesquisa como meio de inspiração? Como é que se desenvolveu a exposição? Que referências privilegias na arte contemporânea?

BR: O arranque do trabalho para esta exposição deu-se após a leitura de “A Metamorfose das Plantas”, de Goethe. Com ela surgiram os primeiros trabalhos da série Florilegium. Esta série é composta por um conjunto de 30 painéis que funcionam como uma colecção de formas orgânicas em que o foco é a transformação. Na passagem de um painel para o outro podem observar-se sequências, que em muitos momentos podem mudar de sentido, ser rompidas, ou até mesmo passar do vegetal para o animal.
A segunda série — Metamorphosis — composta por seis figuras simétricas de carácter mais abstracto, nasceu da necessidade de reforçar a ideia da mutação do interior para o exterior, do desabrochar, misturando elementos vegetais, animais e anatómicos, através de camadas e sobreposições que remetem para a revelação de algo que vem de dentro.
Por fim, a série Ab ovo veio para dar unidade às duas séries anteriores. De volta aos relevos num painel, desta vez oval, as suas formas fluídas remetem para o ciclo da metamorfose, variando entre uma constante expansão e contracção, em que o início — marcado pelo ovo e anterior ao desabrochar e à revelação, e o fim — estado final do ciclo, se confundem.
Em casa dos meus pais havia, e há, dezenas de livros de arte que folheei desde cedo. A paixão pelas artes — não só plásticas mas também pela música — foi-me incutida de uma forma muito natural e eclética. Lembro-me de, com seis anos, adorar ouvir discos do Tchaikovsky, do Vinícius de Moraes ou dos Joy Division, a par de folhear livros com imagens de pinturas e esculturas de tantos artistas de várias épocas da História da Arte. Com 10 anos, fui pela primeira vez a Paris com o meu pai. Durante seis ou sete anos, repetimos a mesma viagem, e era sempre igual: passávamos os dias a ver as colecções dos museus e exposições. Por vezes, levava comigo um caderno para desenhar nos museus. Duas exposições que vimos nessa altura, e que ainda hoje guardo vivamente na memória, foram do Henri Matisse e do Brancusi.
Na preparação para esta primeira exposição, folheei muito livros de botânica, nomeadamente o “Florilegium” de Basilius Besler — que vem dar nome a uma das séries de trabalhos; mas ao mesmo tempo senti necessidade de distanciar-me um pouco de outras referências mais visuais. Aqui, a música teve um papel importante: ajuda-me a viajar no trabalho e a encontrar fluidez nas formas. Destaco em particular músicos como o Chet Baker, Bernardo Sassetti, Chico Buarque e Rita Payés, que ouvi incessantemente ao longo destes meses de trabalho para a exposição. Por isso, o título da exposição “Se o branco tivesse asas” interage não só com a poesia, como referiste, mas também com a música.

 

© Beatriz Roquette

 

 

VPF: O branco, como fenómeno físico, é definido como ‘a cor da luz’ porque quando o sol incide num objecto branco, este reflete todos os raios luminosos proporcionando uma clareza total. No contexto bíblico, o significado do branco, tradicionalmente, é pureza. Na exposição apresentas três séries de trabalho nas quais exploras metamorfoses do branco. — Interessa-te relacionar questões de luz ou espiritualidade e silêncio na escultura ou o branco das obras é apenas uma propriedade estética/física do gesso?

BR: Diria que ambos. A pureza do gesso como propriedade estética fascina-me muito, desde a sua textura porosa e ao mesmo tempo suave, discreta e delicada, às tonalidades do branco que nascem das diversas reacções à luz (jogos de luz-sombra).
No entanto, essa não foi a única razão para a decisão de estas esculturas serem brancas. A metamorfose enquanto viagem é abundantemente espiritual, um caminho de crescimento e aperfeiçoamento que no seu íntimo deseja elevar-se e atingir a perfeição. Nestas esculturas, quer na pressa das Florilegium conquistarem o estado de maturação desde a semente até à flor, ou em Metamorphosis em que a necessidade do desabrochar procura romper o eixo central da simetria, ou em Ab ovo onde as formas onduladas procuram soltar-se do fundo oval, podemos observar esse desejo de elevação, de “voar”.
O título “Se o branco tivesse asas”, surge desta necessidade de ascensão, em que a pureza do branco aliada à necessidade incessante de florescer, reforça a plenitude da libertação, aquela que eleva.

 

VPF: A tua escultura é rigorosa no processo da obra e abstrata na forma (tenho essa sensação). No entanto, por outro lado, permite outras possibilidades: podem descobrir-se multiformas ambíguas de metamorfoses vegetais e anatómicas nas obras. — É este lugar ambíguo entre o abstracto e o figurativo que te interessa trabalhar através da escultura? Ou não é isso que está aqui em jogo?

BR: Sem dúvida. O trabalho em gesso requer muito rigor na técnica e consequentemente no processo. É preciso respeitar proporções, tempos, reacções… Enquanto que ao trabalhar com barro podemos modelar, desfazer, voltar a modelar infinitamente à nossa vontade até estarmos satisfeitos com a forma, com o gesso não funciona assim. No processo de criação procuro reagir às adversidades e surpresas a que o gesso me expõe. Neste sentido, o contacto com a natureza, a observação directa, o respeito pelo seu ritmo, as suas reacções à luz, à escuridão, à temperatura e também o seu modo de reagir e sobreviver às adversidades acabaram por ser altamente inspiradores, não só para o desenvolvimento criativo e formal, mas também no processo técnico; e estes “fenómenos” acabam por estar bem presentes nestes trabalhos.
Estas esculturas revelam formas mais identificáveis da flora e da fauna, para depois se transformarem noutras coisas. Embora para mim não seja uma preocupação consciente, durante o processo criativo, pensar no figurativo ou no abstracto, a metamorfose garante o alcance de uma infinitude admirável de formas, o que é altamente libertador. Quando as formas tendem a tornar-se mais abstractas, a procura pela liberdade existente no momento da transformação intensifica-se e esse lugar ambíguo é o que me garante a liberdade criativa.

 

VPF: A arte é inesgotável: a importância de um jovem quando começa a expor é encontrar uma linguagem que o legitime. A obra tem de ser capaz de possuir uma existência própria. — A experiência de viveres e teres o teu atelier de trabalho no Alentejo (isolado no campo) influenciou-te no processo criativo (linguagem) de interpretar a natureza? Fala-nos também da utilização do barro da terra para a realização das obras e da escolha do gesso como material.

BR: Completamente! O facto de ter vindo viver para o Alentejo potenciou muito a minha necessidade do silêncio e da contemplação das coisas com olhos mais atentos.
No início da primavera, resolvi fazer horta — a minha primeira horta. Na altura, já tinha alguns dos painéis da série Florilegium feitos, e foi muito curioso observar de perto a metamorfose de cada legume que crescia, todos os dias. De repente, numa coisa tão elementar, que é plantar alguns legumes os quais depois ia comer, encontrei uma grande ligação com o meu trabalho ao ver a sucessão das alterações e o crescimento diário das coisas, exactamente como acabei por organizar na série.
Ao contrário do que seria de esperar, uso o barro como um meio para atingir um fim (que é o gesso), e o gesso como resultado final.
Na faculdade, o material que escolhi como Laboratório (disciplina de especialização) foi gesso. Na altura, com alguma ingenuidade, escolhi porque alguém me disse que seria importante saber fazer bem moldes para depois poder executar trabalhos com outros materiais mais “finais”. Passei também pela cerâmica, metal, pedra, madeira. Mais tarde, quando montei o atelier em 2020, apercebi-me que, de todos estes materiais que já tinha trabalhado, o único que me apetecia continuar a explorar era o gesso, pela versatilidade da sua plasticidade, pela variedade de técnicas possíveis, pelo reflexo da luz e leveza do branco…
Muitas vezes ouvi que era um material que não era final, mas não podia estar mais em desacordo. Não temos nós muito património em gesso? Nomeadamente os estuques que revestiam paredes e tectos de tantos edifícios. Não descarto a possibilidade de voltar a trabalhar com outros materiais, um dia, mas neste momento, é no gesso que me converto a mim própria em linguagem e encontro o melhor modo de exprimir o espanto que é o mundo e a vida.

 

VPF: Tens novos projectos pensados, Beatriz? E como é sobreviver a tentar ser artista?

BR: Sim, mas ainda estão em gestação.
No meu processo de trabalho é essencial um bom equilíbrio entre os momentos mais isolados de pesquisa e criação no atelier e outros mais colectivos, desenvolvo muito trabalho comunitário de proximidade. Ouvir histórias de quem é diferente de mim é o meu modo de conhecer o mundo e aquilo que me move no trabalho artístico.
Sobreviver como artista é como sobreviver a tudo. Como em todas as coisas que fazemos precisamos de crescer e amadurecer nelas. Temos de definir um caminho, estar atentos ao que nos rodeia e reagir. É uma construção, como tudo. E como tudo o que não está feito é, primeiro, difícil e, depois, vai-se fazendo até nos surpreendermos com o a que chegamos e no fim até parece fácil, isto é, está feito.