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JOãO SEGURO
CARLOTA BORGES LLORET
26/12/2017
João Seguro é licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, tendo passado pelo Chelsea College of Art& Design e pelo Instituto Politécnico de Tomar, onde foi docente. Distinguido pelo prémio BES Revelação em 2005, o artista tem vindo a apresentar um contínuo trabalho de investigação sobre questões ligadas à perspectiva, percepção e representação. A Artecapital teve a oportunidade de conversar com João Seguro sobre o seu espaço de trabalho, que ele entende como um “local onde em última instância as ideias encontram os seus corpos. É a vários tempos um laboratório, uma oficina e uma sala de convívio.”
Por Carlota Borges Lloret
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CBL: Algumas das tuas obras são "produzidas" fora do teu atelier. Como é a tua relação diária com este espaço?
JS: O espaço do atelier é um espaço importante para o meu processo criativo, mas não é o único espaço onde trabalho e acho que isso é verdade para todos os artistas. Normalmente não vou ao atelier todos os dias, porque uma parte do trabalho pode ser feito em qualquer sítio. Começo quase sempre pela escrita. Escrevo ideias, escrevo textos que têm, de várias formas, ligações às ideias que pretendo desenvolver. Só após algum tempo de convivência com as ideias é que começo a pensar e a articular essas ideias em textos, imagens e objetos, e só a partir daí é que o atelier, no seu sentido mais tradicional, se torna necessário . Muitas vezes há coisas que não passam de textos, de pequenos desenhos num caderno ou num ficheiro qualquer, outras precisam de ser materializadas e é aí que entra o atelier. É um espaço onde se testam coisas, se produzem outras e se findam coisas que foram construídas noutro local, onde em última instância as ideias encontram os seus corpos. É a vários tempos um laboratório, uma oficina e uma sala de convívio. Um atelier nunca foi nenhum templo ou torre de marfim como já foi afirmado noutros tempos...
CBL: No teu caso, parece-te que o atelier deverá ser um local de concepção e experimentação, mais do que de execução?
JS: É um pouco tudo isso. Acima de tudo um local de experimentação e concepção, mas também pode ser um local de execução ou fabrico, um local onde as coisas se encontram, onde as pessoas e as coisas conversam. Gosto da ideia da “sala de convívio” porque são espaços que existem para apoiar outras atividades, o atelier é isso, um espaço que existe para apoiar outra atividade. O que o atelier é depende sempre do que se pretende em cada peça, ideia, projeto, e das condições que possam existir para dar resposta a determinada situação. Na verdade é um espaço de mediação de ideias e do seu processo de formalização e construção, e como tal, tudo é possível.
CBL: Na exposição "Geometria Silenciosa" está reflectido o trabalho que tens desenvolvido acerca da relação ambígua dos objectos e o seu lugar. É tua intenção colocar o espectador numa situação de confronto ou incerteza perante aquilo que observa e toma por real?
JS: A exposição Geometria Silenciosa foi feita com peças de três exposições que tinha feito antes. Nunca tinha feito uma exposição dessa forma e pareceu-me bem nessa altura articular trabalho de várias proveniências para perceber de que maneira é que os elementos que desenvolvi em vários momentos podiam ser conectados. A consciência dessa situação de confronto ou incerteza de que falas é importante para mim, faz parte do meu processo de trabalho e já vem muito de trás. É na verdade um elemento comum a muita da arte dos últimos 200 anos e tem uma afinidade às proximidades e distâncias que enquanto criadores tentamos estabelecer com o real, com o visível, com o palpável, com o “entendível”, etc. Tem a ver com as condições de conhecimento do que nos rodeia...a arte serve para complexificar essa teia de relações, não para a simplificar ou comunicar...faz este ano precisamente 200 anos desde que Coleridge cunhou a expressão “willing suspension of disbelief”, talvez para nos ajudar a perceber essa condição de imanência da estranheza do artístico como condição permanentemente perturbadora da relação entre o real e o imaginado...e tantas vezes essa expressão foi admitida pelas artes visuais e com tantas variantes...
CBL: Qual a importância do livro-objecto na tua obra?
JS: Os livros têm uma grande importância na minha vida e no meu trabalho, portanto é natural que por vezes apareçam fisicamente. Sempre li, sempre me interessei pelo potencial libertador do livro, do seu carácter eminentemente democrático; é por isso que por vezes os uso como parte de algumas peças escultóricas, pela relação que têm desempenhado na construção das narrativas históricas e pela proximidade que favorecem entre pessoas, épocas, contextos, culturas...
CBL: Em 2018 vais lançar uma publicação. Podes falar-nos um pouco do que se trata?
JS: É uma pequena publicação, um livro de artista se quiseres, que circunscreve o conjunto de objetos existentes num edifício modernista de utilização pública algures no centro de Portugal. É uma espécie de depósito, e o livro segue essa lógica – imagens, sem qualquer tipo de legibilidade artística, que testemunham a existência desses objetos dentro desse espaço. É um livro muito simples, humilde até, que fará parte de uma das peças da exposição que farei em Fevereiro de 2018.
CBL: Aparte da publicação, que outros projectos teus poderemos ver em breve?
JS: Em Fevereiro, uma exposição individual na Galeria do Parque, Parque de Escultura Contemporânea Almourol em Vila Nova da Barquinha. Por agora é nisso que estou a trabalhar.