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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Sebastião Casanova, Flowers of the hiding sun, 2024; Óleo sobre tela; 116 x 176 cm. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Sebastião Casanova, Allegro ma non troppo, 2024; Óleo sobre tela; 154 x 213 cm. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Sebastião Casanova, Ma mort sera petite, comme moi, 2024; Óleo sobre tela; 154 x 213 cm. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.


Vista da exposição, Sebastião Casanova, Ma morte sera petite, comme moi. Cortesia Galeria Pedro Oliveira, Porto.

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ARQUIVO:


SEBASTIÃO CASANOVA

MA MORT SERA PETITE, COMME MOI




GALERIA PEDRO OLIVEIRA
Calçada de Monchique, 3
4050-393 Porto

13 MAR - 03 MAI 2025


 


Desde a Antiguidade, os alimentos têm sido representados na arte, servindo como símbolos de abundância, estatuto social e efemeridade da vida. A natureza-morta é um género artístico focado na representação de objectos inanimados, em particular alimentos, utensílios domésticos e objectos alegóricos. O “bodégon” (pintura de natureza-morta), que se popularizou em Espanha durante o Século de Ouro do período Barroco, foi utilizado para descrever cenas de cozinha ou em tabernas, procurando acentuar sempre de forma minuciosa a simplicidade dos alimentos e dos objectos presentes no dia-a-a-dia. Existem, como sabemos, pinturas célebres que festejaram a alimentação de uma forma expressiva talvez porque a própria pobreza nessa época era um grande estigma para muitas famílias e comunidades e a comida era por isso vista como um signo de sorte e felicidade. Por outro lado, a vanitas (do latim vanis, vazio) foi considerada mais tremendista em Espanha do que nos Países Baixos: basta pensar em Valdés Leal, onde caveiras, flores murchas, relógios, mapas, instrumentos musicais ou velas apagadas simbolizaram a morte e a vacuidade da vida face à efemeridade do tempo e do mundo dos prazeres em que a comida, a bebida, as riquezas e os prazeres carnais representavam o lado material e sensual da vida, o qual devia ser desvalorizado e abandonado.

Uma das pinturas mais conhecidas que celebraram a alimentação foi um quadro do século XIX do pintor realista francês Antoine Vollon intitulado “Monte de manteiga”, onde vemos a gordura cremosa intensamente colorida de amarelo num cenário interior a que não faltam uma faca e dois ovos. Podíamos continuar com “Os comedores de batatas” de Vincent van Gogh onde deparamos com camponeses pobres a comer batatas ou, já num registo mais idealizado, com as famosas naturezas-mortas de Cézanne, onde o repetido tema da maçã aparece inserido numa complexidade espacial analítica em que o pintor procurava modelar a maçã apenas com a cor sem recorrer ao contorno ou ao sombreado.

 

I could kill for a cigarrette, 2024; Óleo e smalte sobre papel;41,5 x 59,5 cm. Cortesia do artista e da Galeria Pedro Oliveira, Porto.

 

Se passarmos agora para um registo diferente do da pintura, podemos constatar que o cinema é igualmente pródigo em momentos “alimentares” como no caso do filme de Charles Chaplin A Quimera do Ouro (1925) onde se pode assistir à mais inesquecível e hilariante refeição da história da sétima arte quando vemos “Charlot” enfiado numa pobre cabana da montanha a saborear a sola de um sapato cozido com pregos. “A fome”, como diz o provérbio, “é a melhor cozinheira do mundo” e talvez por isso valha a pena lembrar já agora um outro filme consagrado à voraz pulsão humana de comer La Grande Bouffe (1973), realizado por Marco Ferreri, em que quatro amigos se refugiam durante alguns dias numa casa, nos arredores de Paris, para se empanturrarem até morrerem todos com as melhores iguarias da magnífica gastronomia gaulesa. O prazer é indissociável da morte (G. Bataille) e nesse filme fica patente como funciona a lógica pantagruélica hedonista em que o prazer de comer é levado até ao extremo como num ritual tribal. O prazer inerente ao paladar é sempre de ordem material e sensorial porque o sujeito tem de “destruir” o seu objecto de modo a satisfazer o apetite, enquanto o prazer visual é de ordem intelectual porque a visão acaba por se circunscrever a uma disposição mental. Perante todos estes exemplos estamos em condições de poder afirmar que o paladar (culinária) releva do gosto sensorial e está associado ao palato pertencendo historicamente a uma categoria de sentidos considerados “materiais”, tal como o olfacto ou o tacto, em oposição aos sentidos “superiores”, como a audição e a visão, também conhecidos como sentidos teóricos. É por isso que o gosto, o tacto e o olfacto não foram incluídos na fruição artística, sendo antes considerados como sentidos identificados com o agradável. Foi a partir da relação cultural e estética existente entre pintura e alimentação que gostaríamos agora de poder falar sobre a mostra individual do jovem pintor Sebastião Casanova (1995) que apesar de ter ainda um curto percurso expositivo, não deixa de se antever um caminho promissor, como ficou de resto demonstrado nesta sua mais recente exposição de pintura que contou com a curadoria de Óscar Faria.

 

All the world`s a stage, 2024; Óleo e esmalte sobre papel; 85 x 98,7 cm. Cortesia do artista e da Galeria Pedro Oliveira, Porto.

 

Vir a ter uma morte banal e sem glória, tal como é sugerido por Sebastião Casanova através do curioso título em francês da sua mostra, Ma morte sera petite, comme moi, configura logo à partida um desígnio existencial reservado a uma memória futura recriado a partir de um presente efémero e incerto, mas que encontra na pintura um espaço singular de vida próprio que permite, ao pintor, retratar o mundo como uma tela viva de sensações, percepções e estórias que se fundem num horizonte de eventos. É num ambiente colorido, descontraído e familiar que o espectador vê desfilar à sua volta toda uma série de pinturas com bolos, bebidas, naturezas-mortas, garrafas, empregados de fato branco e vários pratos e travessas empilhados com restos de comida que compõem este exuberante cardápio pictórico. Há trabalhos de Sebastião Casanova que reenviam naturalmente para as obras de outros pintores e escultores, não porque eles sejam cópias delas, mas porque as suas influências se fazem sentir de forma criativa e mesmo original em muitos dos seus trabalhos que se inserem numa iconografia mimética da representação. Quando olhamos para alguns destes seus trabalhos vêm-nos à memória as esculturas de doces em gesso pintado de Claes Oldenburg ou as pinturas com bolos fatiados de aniversário de Wayne Thiebaud ou ainda de um modo já mais genérico as “coisas-imagens” de Andy Warhol; ou finalmente de uma maneira mais distanciada as fotografias de Cindy Sherman ou Jeff Wall. A crítica social não parece ser o objectivo da pintura de Sebastião Casanova, mas antes o modo de ser individual do olhar das pessoas ou a expressividade psicológica de certas imagens quando relacionadas com os alimentos e com a forma como lidamos e gozamos com tudo isso.

 

Alvalade cowboy, 2024; Óleo e esmalte sobre tela; 100 x 103,5 cm. Cortesia do artista e da Galeria Pedro Oliveira, Porto.

 

Encontramos nas pinturas de Sebastião Casanova uma visão quase metafórica do desejo de representar aquilo que falta, não por necessidade, mas por capricho ou ostentação simbólica. A sua pintura torna-se assim numa compensação nostálgica de alguma coisa perdida ou expelida para fora do campo da representação visual. O prazer e o desejo não se redimem nem satisfazem de uma só vez, mesmo que estejam inscritos no corpo ou na ordem do mundo. A pintura compensa essa falta e sem a preencher dá-nos a possibilidade de vê-la como uma coisa a mais que tanto pode ser uma fatia de bolo, uma taça de champanhe, uma coxa de mulher como o desejo irrepresentável de algo que não existe apesar de sentirmos a sua falta. As pinturas de Sebastião Casanova sem serem comestíveis levam-nos por atalhos demasiado visíveis onde cada um escolhe alimentar-se com aquilo que é bom ou mau para si.

 

 

 

Carlos França
Pós-doutorado em Filosofia, Universidade de Braga. Publicações em várias revistas sobre temas que abordam questões de estética e filosofia. Publicação do livro "Modernidade e Desconstrução" (Lisboa: Fenda, 2015). Crítico de arte e investigador.



CARLOS FRANÇA