Links

PERSPETIVA ATUAL


Eduardo Gageiro, em Factum, Cordoaria Nacional. © EGEAC


Eduardo Gageiro, Lisboa, 5 de outubro, 1960.


Eduardo Gageiro, Funeral de criança, 1967.


Eduardo Gageiro, Salgueiro Maia e Maia Loureiro, Terreiro do Paço, 25 de abril de 1974.


Eduardo Gageiro, Emigrantes, Vilar Formoso, 1974.


Eduardo Gageiro, Ceifeira a almoçar, Cooperativa de Aguiar, Alentejo, 1985.


Eduardo Gageiro, Amalia, Lisboa, 6-7-94

Outros artigos:

2024-03-04


PEDRO CABRAL SANTO


2024-01-27


NUNO LOURENÇO


2023-12-24


MAFALDA TEIXEIRA


2023-11-21


MARC LENOT


2023-10-16


MARC LENOT


2023-09-10


INÊS FERREIRA-NORMAN


2023-08-09


DENISE MATTAR


2023-07-05


CONSTANÇA BABO


2023-06-05


MIGUEL PINTO


2023-04-28


JOÃO BORGES DA CUNHA


2023-03-22


VERONICA CORDEIRO


2023-02-20


SALOMÉ CASTRO


2023-01-12


SARA MAGNO


2022-12-04


PAULA PINTO


2022-11-03


MARC LENOT


2022-09-30


PAULA PINTO


2022-08-31


JOÃO BORGES DA CUNHA


2022-07-31


MADALENA FOLGADO


2022-06-30


INÊS FERREIRA-NORMAN


2022-05-31


MADALENA FOLGADO


2022-04-30


JOANA MENDONÇA


2022-03-27


JEANNE MERCIER


2022-02-26


PEDRO CABRAL SANTO


2022-01-30


PEDRO CABRAL SANTO


2021-12-29


PEDRO CABRAL SANTO


2021-11-22


MANUELA HARGREAVES


2021-10-28


CARLA CARBONE


2021-09-27


PEDRO CABRAL SANTO


2021-08-11


RITA ANUAR


2021-07-04


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-05-30


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-04-28


CONSTANÇA BABO


2021-03-17


VICTOR PINTO DA FONSECA


2021-02-08


MARC LENOT


2021-01-01


MANUELA HARGREAVES


2020-12-01


CARLA CARBONE


2020-10-21


BRUNO MARQUES


2020-09-16


FÁTIMA LOPES CARDOSO


2020-08-14


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-07-21


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-25


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-09


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-05-21


MANUELA HARGREAVES


2020-05-01


MANUELA HARGREAVES


2020-04-04


SUSANA GRAÇA E CARLOS PIMENTA


2020-03-02


PEDRO PORTUGAL


2020-01-21


NUNO LOURENÇO


2019-12-11


VICTOR PINTO DA FONSECA


2019-11-09


SÉRGIO PARREIRA


2019-10-09


LUÍS RAPOSO


2019-09-03


SÉRGIO PARREIRA


2019-07-30


JULIA FLAMINGO


2019-06-22


INÊS FERREIRA-NORMAN


2019-05-09


INÊS M. FERREIRA-NORMAN


2019-04-03


DONNY CORREIA


2019-02-15


JOANA CONSIGLIERI


2018-12-22


LAURA CASTRO


2018-11-22


NICOLÁS NARVÁEZ ALQUINTA


2018-10-13


MIRIAN TAVARES


2018-09-11


JULIA FLAMINGO


2018-07-25


RUI MATOSO


2018-06-25


MARIA DE FÁTIMA LAMBERT


2018-05-25


MARIA VLACHOU


2018-04-18


BRUNO CARACOL


2018-03-08


VICTOR PINTO DA FONSECA


2018-01-26


ANA BALONA DE OLIVEIRA


2017-12-18


CONSTANÇA BABO


2017-11-12


HELENA OSÓRIO


2017-10-09


PAULA PINTO


2017-09-05


PAULA PINTO


2017-07-26


NATÁLIA VILARINHO


2017-07-17


ANA RITO


2017-07-11


PEDRO POUSADA


2017-06-30


PEDRO POUSADA


2017-05-31


CONSTANÇA BABO


2017-04-26


MARC LENOT


2017-03-28


ALEXANDRA BALONA


2017-02-10


CONSTANÇA BABO


2017-01-06


CONSTANÇA BABO


2016-12-13


CONSTANÇA BABO


2016-11-08


ADRIANO MIXINGE


2016-10-20


ALBERTO MORENO


2016-10-07


ALBERTO MORENO


2016-08-29


NATÁLIA VILARINHO


2016-06-28


VICTOR PINTO DA FONSECA


2016-05-25


DIOGO DA CRUZ


2016-04-16


NAMALIMBA COELHO


2016-03-17


FILIPE AFONSO


2016-02-15


ANA BARROSO


2016-01-08


TAL R EM CONVERSA COM FABRICE HERGOTT


2015-11-28


MARTA RODRIGUES


2015-10-17


ANA BARROSO


2015-09-17


ALBERTO MORENO


2015-07-21


JOANA BRAGA, JOANA PESTANA E INÊS VEIGA


2015-06-20


PATRÍCIA PRIOR


2015-05-19


JOÃO CARLOS DE ALMEIDA E SILVA


2015-04-13


Natália Vilarinho


2015-03-17


Liz Vahia


2015-02-09


Lara Torres


2015-01-07


JOSÉ RAPOSO


2014-12-09


Sara Castelo Branco


2014-11-11


Natália Vilarinho


2014-10-07


Clara Gomes


2014-08-21


Paula Pinto


2014-07-15


Juliana de Moraes Monteiro


2014-06-13


Catarina Cabral


2014-05-14


Alexandra Balona


2014-04-17


Ana Barroso


2014-03-18


Filipa Coimbra


2014-01-30


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2013-12-09


SOFIA NUNES


2013-10-18


ISADORA H. PITELLA


2013-09-24


SANDRA VIEIRA JÜRGENS


2013-08-12


ISADORA H. PITELLA


2013-06-27


SOFIA NUNES


2013-06-04


MARIA JOÃO GUERREIRO


2013-05-13


ROSANA SANCIN


2013-04-02


MILENA FÉRNANDEZ


2013-03-12


FERNANDO BRUNO


2013-02-09


ARTECAPITAL


2013-01-02


ZARA SOARES


2012-12-10


ISABEL NOGUEIRA


2012-11-05


ANA SENA


2012-10-08


ZARA SOARES


2012-09-21


ZARA SOARES


2012-09-10


JOÃO LAIA


2012-08-31


ARTECAPITAL


2012-08-24


ARTECAPITAL


2012-08-06


JOÃO LAIA


2012-07-16


ROSANA SANCIN


2012-06-25


VIRGINIA TORRENTE


2012-06-14


A ART BASEL


2012-06-05


dOCUMENTA (13)


2012-04-26


PATRÍCIA ROSAS


2012-03-18


SABRINA MOURA


2012-02-02


ROSANA SANCIN


2012-01-02


PATRÍCIA TRINDADE


2011-11-02


PATRÍCIA ROSAS


2011-10-18


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-09-23


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-07-28


PATRÍCIA ROSAS


2011-06-21


SÍLVIA GUERRA


2011-05-02


CARLOS ALCOBIA


2011-04-13


SÓNIA BORGES


2011-03-21


ARTECAPITAL


2011-03-16


ARTECAPITAL


2011-02-18


MANUEL BORJA-VILLEL


2011-02-01


ARTECAPITAL


2011-01-12


ATLAS - COMO LEVAR O MUNDO ÀS COSTAS?


2010-12-21


BRUNO LEITÃO


2010-11-29


SÍLVIA GUERRA


2010-10-26


SÍLVIA GUERRA


2010-09-30


ANDRÉ NOGUEIRA


2010-09-22


EL CULTURAL


2010-07-28


ROSANA SANCIN


2010-06-20


ART 41 BASEL


2010-05-11


ROSANA SANCIN


2010-04-15


FABIO CYPRIANO - Folha de S.Paulo


2010-03-19


ALEXANDRA BELEZA MOREIRA


2010-03-01


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-02-17


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-01-26


SUSANA MOUZINHO


2009-12-16


ROSANA SANCIN


2009-11-10


PEDRO NEVES MARQUES


2009-10-20


SÍLVIA GUERRA


2009-10-05


PEDRO NEVES MARQUES


2009-09-21


MARTA MESTRE


2009-09-13


LUÍSA SANTOS


2009-08-22


TERESA CASTRO


2009-07-24


PEDRO DOS REIS


2009-06-15


SÍLVIA GUERRA


2009-06-11


SANDRA LOURENÇO


2009-06-10


SÍLVIA GUERRA


2009-05-28


LUÍSA SANTOS


2009-05-04


SÍLVIA GUERRA


2009-04-13


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2009-03-23


PEDRO DOS REIS


2009-03-03


EMANUEL CAMEIRA


2009-02-13


SÍLVIA GUERRA


2009-01-26


ANA CARDOSO


2009-01-13


ISABEL NOGUEIRA


2008-12-16


MARTA LANÇA


2008-11-25


SÍLVIA GUERRA


2008-11-08


PEDRO DOS REIS


2008-11-01


ANA CARDOSO


2008-10-27


SÍLVIA GUERRA


2008-10-18


SÍLVIA GUERRA


2008-09-30


ARTECAPITAL


2008-09-15


ARTECAPITAL


2008-08-31


ARTECAPITAL


2008-08-11


INÊS MOREIRA


2008-07-25


ANA CARDOSO


2008-07-07


SANDRA LOURENÇO


2008-06-25


IVO MESQUITA


2008-06-09


SÍLVIA GUERRA


2008-06-05


SÍLVIA GUERRA


2008-05-14


FILIPA RAMOS


2008-05-04


PEDRO DOS REIS


2008-04-09


ANA CARDOSO


2008-04-03


ANA CARDOSO


2008-03-12


NUNO LOURENÇO


2008-02-25


ANA CARDOSO


2008-02-12


MIGUEL CAISSOTTI


2008-02-04


DANIELA LABRA


2008-01-07


SÍLVIA GUERRA


2007-12-17


ANA CARDOSO


2007-12-02


NUNO LOURENÇO


2007-11-18


ANA CARDOSO


2007-11-17


SÍLVIA GUERRA


2007-11-14


LÍGIA AFONSO


2007-11-08


SÍLVIA GUERRA


2007-11-02


AIDA CASTRO


2007-10-25


SÍLVIA GUERRA


2007-10-20


SÍLVIA GUERRA


2007-10-01


TERESA CASTRO


2007-09-20


LÍGIA AFONSO


2007-08-30


JOANA BÉRTHOLO


2007-08-21


LÍGIA AFONSO


2007-08-06


CRISTINA CAMPOS


2007-07-15


JOANA LUCAS


2007-07-02


ANTÓNIO PRETO


2007-06-21


ANA CARDOSO


2007-06-12


TERESA CASTRO


2007-06-06


ALICE GEIRINHAS / ISABEL RIBEIRO


2007-05-22


ANA CARDOSO


2007-05-12


AIDA CASTRO


2007-04-24


SÍLVIA GUERRA


2007-04-13


ANA CARDOSO


2007-03-26


INÊS MOREIRA


2007-03-07


ANA CARDOSO


2007-03-01


FILIPA RAMOS


2007-02-21


SANDRA VIEIRA JURGENS


2007-01-28


TERESA CASTRO


2007-01-16


SÍLVIA GUERRA


2006-12-15


CRISTINA CAMPOS


2006-12-07


ANA CARDOSO


2006-12-04


SÍLVIA GUERRA


2006-11-28


SÍLVIA GUERRA


2006-11-13


ARTECAPITAL


2006-11-07


ANA CARDOSO


2006-10-30


SÍLVIA GUERRA


2006-10-29


SÍLVIA GUERRA


2006-10-27


SÍLVIA GUERRA


2006-10-11


ANA CARDOSO


2006-09-25


TERESA CASTRO


2006-09-03


ANTÓNIO PRETO


2006-08-17


JOSÉ BÁRTOLO


2006-07-24


ANTÓNIO PRETO


2006-07-06


MIGUEL CAISSOTTI


2006-06-14


ALICE GEIRINHAS


2006-06-07


JOSÉ ROSEIRA


2006-05-24


INÊS MOREIRA


2006-05-10


AIDA E. DE CASTRO


2006-04-05


SANDRA VIEIRA JURGENS



EDUARDO GAGEIRO: FACTUM



FÁTIMA LOPES CARDOSO

2024-04-13




 

 

Que outro espaço tão nobre e que marcou a história do trabalho da Marinha poderia ser mais adequado à exposição Factum, de Eduardo Gageiro, do que as amplas paredes da antiga Real Fábrica da Cordoaria da Junqueira– as mesmas que já receberam Genesis, de Sebastião Salgado, em 2015, ou Icons, de Steve McCurry, em 2022, para referir apenas grandes mestres da fotografia documental? Neste lugar onde até 1998 a força do trabalho humano construía cabos necessários para aparelhar os navios, hoje, descobrimos as cerca de 170 fotografias de dimensões variáveis que o mestre Gageiro resgatou do passado e que agora apresenta por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril. Algumas dessas imagens – as preferidas do autor – são os ícones da Revolução de 1974, mas também se identifica um olhar atento às condições de vida da classe operária, na linha do construtivismo russo, de Aleksandr Ródtchenko, às desigualdades sociais representadas pela corrente neorrealista e a força visual da fotografia humanista francesa.

O que encontramos em Factum é a história e os diversos retratos de um país antes, durante e depois da Revolução, mas é, acima de tudo, a projeção de todos os valores que conduziram Eduardo Gageiro à fotografia e, particularmente, a lealdade às causas que acredita, assim como pelos ideais que o acompanham desde sempre. Num constante regresso ao passado, todos os sábados desde que a exposição estreou, Eduardo Gageiro tenta explicar aos visitantes mais curiosos como brotou o interesse pela fotografia. Nesses instantes, recupera a génese da relação umbilical que mantém, desde a adolescência, com a sua arte. E talvez Gageiro não fosse Gageiro se a sua história de vida tivesse outros contornos. Apesar de o pai não lhe ter permitido prosseguir os estudos, o espírito curioso e inquieto depressa galgaria barreiras: “Quando terminei a 4ªclasse, queria estudar, mas o meu pai não deixou. Como tinha um pequeno restaurante, disse-me que iria para o balcão aviar. Fiquei profundamente magoado. Aos 12 anos, mandou-me para o escritório da Fábrica de Loiça de Sacavém, acreditando que ali é que estaria o meu futuro. Fui furioso, mas passado pouco tempo constatei que não era assim tão negativo. O meu contacto com os operários passou a ser mais intenso, mas também com muitos artistas. Comecei com uma máquina pequeninha a fazer fotografias. Como andava de secção em secção a levar papéis, convivi com aquela gente toda, incluindo os grandes artistas.”

Entre os mestres, estava o escultor Armando Mesquita que se dispôs a ver as fotos do pequeno Eduardo: “Ó miúdo, tu tens olho, mas não percebes nada de composição. Por isso, vais ao meu atelier, ao final da tarde, que te dou umas lições”. A primeira coisa que ele fez foi um retângulo aos quadradinhos: ‘Esta é a regra de ouro. Deves tentar colocar sempre o assunto principal ou do lado esquerdo ou direito, sobretudo, do direito. A vista tem tendência a olhar para a direita. Nunca ao meio. De forma que tens de encontrar vários elementos de composição também para o lado esquerdo, para equilibrar, mas o motivo principal fica quase sempre do lado direito.’ A partir daí, comecei a fotografar de maneira diferente.”

Eduardo Gageiro nunca mais esqueceu a lição. Entre 1947 a 1957 manteve-se na Fábrica de Loiça de Sacavém até que começou a trabalhar no laboratório do Diário Ilustrado, onde revelava as fotografias de outros. O início não foi fácil, mas não demorou muito tempo a furar o forte corporativismo que encontrou na redação, sobretudo, entre os responsáveis pela fotografia, numa época em que esta editoria era formalmente inexistente em Portugal. Agarrou uma oportunidade, fintou o destino e mostrou o que valia: “O Diário Ilustrado tinha um suplemento literário no qual escreviam intelectuais e professores universitários. Não eram empregados do jornal. Lá fui eu fazer umas fotografias, se a minha memória não me falha, a Ferreira de Castro. Já conhecia toda a obra de Ferreira de Castro. Estava muito preocupado porque era o meu primeiro trabalho. Ouço o que ele diz, faço duas ou três fotografias. Depois, realizo uma diversidade de fotografias para tentar aproveitar o ambiente onde ele trabalhava e vou revelar o rolo no laboratório com o todo o carinho, pois eram as minhas fotos. Faço umas ampliações e mando para a redação. Fui chamado ao diretor. ‘Eh pá. Tu tens olho. Fotografas de outra maneira. Vais passar a ser o fotógrafo do suplemento literário’. E foi a minha sorte.”

As fotografias que encontramos no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional pertencem a outra fase da vida de Eduardo Gageiro, já ao serviço do jornal O Século e do Século Ilustrado. Com curadoria de Sara Antónia Matos, da EGEAC/Galerias Municipais, e legendas de Sérgio B. Gomes, mas com depoimentos na primeira pessoa, a exposição abre com cinco fotografias de uma família cigana captadas no Cais do Sodré, em Lisboa, no ano de 1973. Da ausência de figuras humanas até à união de uma família num banco de jardim, todas elas sugerem laços afetivos profundos, ao mesmo tempo que remetem para a fragilidade da condição humana.

A escala do homem tão diminuto quando comparado com o espaço que habita, trabalha ou onde se move é evidenciada nas fotografias a contraluz de duas crianças que brincam em cima de monte, em Sacavém (1952), ou do agricultor que com o seu cavalo lavra a terra, em Mourão, Alentejo (1981).

Num jogo de luz e de sombra, Eduardo Gageiro recorda, na série de cinco fotografias registada entre as décadas de 60 e 70, os milhares de portugueses que partiram das estações de Santa Apolónia para cruzarem as fronteiras rumo ao incerto em Vilar Formoso. Em destaque, surge o retrato de uma mulher de lenço na cabeça e de olhar perdido, captada através da janela do comboio.

Seguem-se fotos dos que ficaram nas ruas de Lisboa, do Chiado a Alfama, evidenciado as formas, o jeito e a maneira de estar de um povo. Na mesma cidade, a câmara de Eduardo Gageiro eternizou a imensa manifestação de estudantes, na Reitoria da Cidade Universitária de Lisboa, a 20 de novembro de 1968, ou a carga policial contra os manifestantes, a 5 de outubro de 1960, entre outras imagens de um regime opressor que, na madrugada de 25 de Abril de 1974, teria um fim.

A força de Factum encontra-se, precisamente, nas imagens que notabilizaram o autor: a fotografia de Salazar a olhar o mar, no Forte de São João do Estoril, obedecendo à composição da regra dourada ou regra dos terços de colocar o assunto à direita, tal como aprendeu com o mestre Armando de Carvalho Mesquita, na juventude, e as reportagens da Revolução e dos dias de Abril. Em destaque, revisita-se a foto de Salgueiro Maia a morder os lábios para não chorar ou outros momentos do Movimento das Forças Armadas, no Terreiro do Paço; a alegria dos jovens que comemoram a liberdade em cima dos tanques com os militares; o instante preciso em que um soldado retira o grande retrato de Salazar da parede do gabinete da PIDE; a chegada de Mário Soares à estação de Santa Apolónia; a libertação dos presos do Aljube; os protestos da população junto à sede da PIDE e a “caça” aos agentes da Polícia Política; o regresso dos combatentes do Ultramar, o emblemático discurso de Álvaro Cunhal, depois de regressar do exílio; as manifestações do 1ºMaio de 1975.

É neste conjunto de imagens que Eduardo Gageiro deposita o maior orgulho: “É um documento único. No 25 de Abril, ligou-me alguma malta amiga que percebia mais de política do que eu, a dizer para levar muitos rolos porque hoje é que era. Quando aquilo acontece, sentimos, pela primeira vez, a liberdade. A minha falta de medo e a decisão de estar ali sem ligar às ordens de fogo que se ouviam porque o importante era que aquele momento, o grande dia. Nunca tive medo, nem pensei no medo. Sentia apenas que tinha de acontecer qualquer coisa de muito importante que mudaria para sempre o futuro do País e acabaria com a censura nos jornais. Assisti às negociações e tenho fotografias de planos próximos, a dar o corpo às balas”.

A par da perspetiva eminentemente política de quem tem consciência que pode contribuir para recuperar a liberdade através das câmaras, na exposição, há um outro lado, mais etnográfico, cultural ou de cobertura jornalística. Eduardo Gageiro traz o Alentejo e outras paisagens para a Cordoaria Nacional, como a largada de touros, nas festas do Colete Encarnado, em Vila Franca de Xira. Na sua veia profundamente neorrealista, convoca a tragédia das cheias de 1967 que mataram centenas de pessoas, apesar de o regime ter ocultado a verdadeira dimensão da tragédia. Deste momento dramático, ganha perenidade a imagem das meninas que transportam um caixão pequenino.

Encontramos a força da mulher nazarena numa das fotos que lhe é mais querida e que foi capa do Século Ilustrado. Com este clique, conseguiu uma das imagens da sua vida, mas, em contrapartida, foi preso. “Diziam que dava uma má imagem de Portugal.

Enviei essa imagem para vários concursos e ganhou cerca de vinte e tal medalhas de ouro”, recordou Eduardo Gageiro.

O país marcado pelas profundas desigualdades sociais que já tinha descoberto em criança, quando, sem ninguém saber, espreitou uma festa da alta sociedade organizada às escondidas, no restaurante do pai, é uma das preocupações fotográficas de Eduardo Gageiro. A foto da construção da ponte 25 de Abril e da fragilidade do homem no lugar de trabalho, a fábrica de Loiça de Sacavém, a CUF no Barreiro, ou operários do Poço do Bispo, em Lisboa, na década de 60, mostram um fotógrafo também influenciado pela estética construtivista.

No primeiro andar da Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, fica-se esmagado com a mestria fotográfica em cada retrato de figuras públicas que marcaram ou continuam a marcar o pulsar cultural, desportivo, religioso, político e económico do País e do mundo. Os principais protagonistas estão em destaque: Amália Rodrigues a chegar a Alfama e Eusébio, durante um jogo carregado de emoção. São dezenas de individualidades marcantes, de Natália Correia, Mário Cesariny e Sophia de Mello Breyner a António Champalimaud ou Otelo Saraiva de Carvalho, que posaram para a objetiva do mestre, alguns em situações improváveis - muitos destes retratos já são conhecidos do livro Revelações.

São décadas de trabalho que exigiriam uma infinita atenção do olhar. Entre as 166 impressões a jato de tinta a preto e branco, existe um registo a cores que nos remete para o presente. Após a sequência das imagens que eternizaram o espírito e os ideais de Abril, surge a fotografia de 2023 que vem lembrar o quanto é importante celebrar a Revolução dos Cravos, 50 anos depois. Nessa imagem, dois jovens do mesmo sexo manifestam publicamente afeto. Antes da madrugada de Abril, um beijo em espaço público, mesmo que fosse entre casais heterossexuais, era punido com coimas. Se a foto a cores pode parecer perdida, ela irrompe com um sentido; a mesma causa que tem movido Eduardo Gageiro ao longo da carreira de mais de 70 anos: defender a liberdade através da fotografia, com a esperança de que seja um meio de preservação da memória e valorização do passado.

 

 

 


Fátima Lopes Cardoso
Investigadora do ICNOVA e professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCS), onde coordena a licenciatura em Jornalismo. Doutorada em Ciências da Comunicação, especialidade Comunicação e Artes, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, é autora do livro “A Fotografia Documental na Imprensa Nacional: o Real e o Verosímil” (2022), adaptado da tese de doutoramento homónima (2015). Jornalista desde 1997, o interesse académico por conhecer a ontologia da imagem e, em particular, da fotografia jornalística tem levado à participação em várias conferências e colóquios em Portugal e a nível internacional sobre a temática, bem como em diversos projetos editoriais e científicos.

 

 

:::

 

EDUARDO GAGEIRO: FACTUM
Torreão Nascente da Cordoaria Nacional
Avenida da Índia
1300-299 Lisboa

27 ABR – 5 MAI 2024