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Num texto publicado no El País, de 10 de Fevereiro de 2011, Manuel Borja-Villel, director do Reina Sofia, analisa a história e a posição da Arco no contexto internacional e no panorama cultural espanhol. A sua opinião intitula-se: A Última Oportunidade.



Durante quase um par de décadas, a Arco gozou de um inesperado protagonismo no panorama artístico espanhol. Mais que uma feira propriamente dita, a Arco foi um referente cultural. Gerações inteiras de estudantes habituaram-se a ver arte contemporânea nos seus pavilhões, e foram assumindo que as novidades da feira representavam o que acontecia no mundo. Mas, como acontecimento artístico, a Arco estabeleceu o seu próprio cânone, que logicamente tem mais a ver com os valores do mercado do que com os da criação e do conhecimento.

As feiras são lugares de intercâmbio por antonomásia e costumam surgir em contextos nos quais o coleccionismo e as galerias são muito potentes. A Arco, pelo contrário, foi fundada no início da década de oitenta, numa Espanha em que o mercado de arte era, como muito, incipiente. Edificou-se a estrutura com a esperança de que esta gerasse o conteúdo. Não surpreende a ambiguidade estrutural em que Arco assentou desde o seu início, nem que, ao longo do tempo, fosse causa de grandes debates entre directores, galeristas, críticos e artistas. Por um lado, insistia-se em que a feira deveria reduzir o número de stands, melhorar a qualidade da sua oferta e centrar-se nos profissionais do sector. Por outro lado, as actividades paralelas tiveram sempre uma importância capital e nela analisaram-se frequentemente, com uma desigual afluência de público, temas que tinham pouco que ver com a feria ou eram directamente contraditórios com o que aí se mostrava.

A Arco teve sempre um grande êxito mediático e de público. Ano após ano a imprensa e a televisão cobriram as suas iniciativas até ao mais mínimo pormenor, o número de visitantes cresceu exponencialmente e os representantes políticos não cessaram de assistir pontualmente aos seus actos. Contudo, a euforia e o prestígio social da Arco não garantiram a sua relevância artística.

Sabia-se que a Arco não iria ser Art Basel, mas existia a esperança de que chegasse a ter uma certa centralidade no que diz respeito à nova criação e de que fosse a grande ponte com a América Latina. Pouco a pouco impôs-se o princípio de realidade e comprovámos como estes mercados foram ocupados por outras feiras que demonstraram gozar de um maior dinamismo. A Frieze, em Londres, começou a mostrar o trabalho de artistas mais jovens e Miami Art Basel atraiu os grandes coleccionadores latino-americanos. Apesar da reiteração com que expuseram as diversas manifestações da arte digital e o interesse pelo denominado “Cutting edge”, também se entendeu que, na sociedade actual, estavam a gerar-se outros dispositivos de exposição e distribuição, e que estes já não podiam ficar reduzidos ao âmbito da galeria tradicional.

A Arco é hoje um sintoma dos problemas que o sistema artístico espanhol enfrenta: falta de visibilidade, carência de um relato próprio e certas doses de afectação. Enganámo-nos quando pensávamos que as infra-estruturas forjariam por si um discurso e tecido cultural, porque o resultado foi a dissolução do espaço público no domínio da publicidade e a absorção do artístico pelo social. Fomentou-se o espectáculo, pensando que os números eram tudo, mas logo que os recursos económicos começaram a diminuir, a realidade de um mercado muito precário e de um debate de pouco calado, tornou-se cruamente visível.

É inegável que os modelos em que a nossa engrenagem cultural se baseou deixaram de ser válidos e que é necessário desenvolver novos paradigmas. Também não resta dúvidas de que a ansiedade por sermos reconhecidos (o que não deixa de ser uma forma perversa de reforçar uma hegemonia na qual parece que estamos condenados a permanecer numa posição subalterna) foi uma constante na nossa história recente. Temos que estar conscientes da excepcionalidade da nossa história e da precariedade da nossa modernidade. Talvez tenha chegado a hora de deixarmos de nos olhar através de estruturas estabelecidas e procurar uma posição própria no mundo que se transforma muito rapidamente. Se a Arco quer desempenhar um papel relevante neste contexto, temos de entender que o importante não é potenciar uma política de vendas a curto prazo, nem refugiar-se nos benefícios proporcionados pelo aluguer dos stands ou na repercussão mediática. As épocas de crise são também períodos de transformações profundas. A Arco, encontra-se possivelmente perante a sua última oportunidade, e chegou o momento de propor uma feira que se converta num autêntico lugar de intercâmbio e negociação. Um lugar no qual tenham espaço os novos modos de produção e de uso que caracterizam o mundo global em que vivemos, e no qual a realidade ibero-americana seja um dos eixos vertebrais.



NOTA
A versão original do texto está disponível em: www.tinyurl.com/475f86b