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ART AFTER CRASHSÍLVIA GUERRA2008-10-18Subway to Baker Street e a paisagem outonal de Regents Park aparece... A primeira feira após a crise financeira internacional abria as suas portas em Londres, no dia 15 de Outubro para coleccionadores, VIPs e imprensa. É a 6ª edição da Frieze Art Fair que conta com 151 galerias vindas de 27 países, que representam cerca de 1000 artistas. Portugal encontra-se representado pela galeria Filomena Soares. A galeria A Gentil Carioca, gerida pelo artista Ernesto Neto, é uma das presenças com propostas mais interessantes vindas do Brasil. Às 14 horas quando chego à feira o ambiente é ainda muito calmo e os galeristas apresentam fisionomias um pouco apreensivas visto o volume de capital investido na produção de obras e na sua exposição na capital britânica. Começo o meu percurso por entre os stands para tentar perceber o que mudou desde Basileia, porque os preços mantém-se os mesmos. Alguns galeristas como o veterano Yvon Lambert tentam mesmo parecer optimistas. Ele acaba de abrir um novo espaço expositivo em Londres, após ter criado uma sucursal da sua galeria parisiense em Nova Iorque. No entanto, algumas das obras que a sua galeria apresenta - caso de “Gaveau” (2008) de Bertrand Lavier, uma nova versão para tempos de crise do piano dos artesões franceses, recoberto por uma camada de pintura negra - podem considerar-se como um rewind de ready made, constituindo uma opção de investimento numa obra de arte com certificado de garantia (a sua primeira versão, “Gabriel Gaveau” (1981), encontra-se na colecção do Centre Pompidou). Uma exposição individual do jovem artista chinês O Zhang é apresentada pela CRG Gallery de Nova Iorque. As imagens das suas adolescentes com t-shirts com slogans escritos com cores fluorescentes, tais como “Dont Fuck with us We play hard” parecem reflectir o triunfo da economia asiática na Velha Europa. Já as obras dos artistas nórdicos, representados pela galeria Standard de Oslo, fazem eco à ecologia da reciclagem minimal. Na Frieze não encontramos a mistura de obras históricas do início do século XX com obras de artistas mais contemporâneos. A escolha das obras parece sempre muito equilibrada e “fresca”. Muitas das obras em exposição são de 2008, reflectindo deste modo o momento artístico em que nos encontramos. Os seus directores, Amanda Sharp e Matthew Slotover tiveram sempre como modelo a imagem de feiras como a Art Cologne ou o Armory Show de Nova Iorque, não tanto a dos Salons parisienses, e nesse sentido a Frieze pode considerar-se uma sucessora da longa história das feiras, que são locais de encontro e de troca, nos quais os vendedores vêm de longe para trocar a sua mercadoria. O facto de a feira se desenrolar numa arquitectura temporária, numa tenda, torna o espaço mais humano (longe do imenso Art Unlimited de Basileia). A arquitectura e o design espacial da Frieze esteve, este ano, a cargo do atelier Caruso & St John que construíram uma estrutura clara com vários espaços de descanso. Uma língua/tapete vermelho liga o espaço dos stands onde aparecem de longe a longe os projectos especiais comissariados por Neville Wakefield. Os projectos são Tue Greenfort, Pavel Büchler, Andreas Slominski, Jeppe Hein e Agnieszka Kurant, entre outros, e parecem reflectir as intenções espirituais da arte e a relação da arte com o ambiente, num século XXI que não pára de assistir a mudanças climatéricas. Slominski apresenta uma enorme gaiola onde por entre plantas saltitam papagaios, que são os protagonistas deste Outono quente em Londres. São os indicadores de fenómenos tais como o tempo e a temperatura que não podemos controlar. O projecto com maior participação por parte do público “que ainda fuma” foi o de Norma Jeane que criou cabines transparentes para fumadores. No pequeno auditório podemos assistir a uma das componentes mais interessantes das feiras europeias: as conversas. Tal como em Basileia, mas num espaço mais restrito e protegido, podemos discutir com autores, críticos e filósofos como Boris Groys que nos fala de responsabilidade estética. Na Frieze as conversas acontecem três vezes por dia o que permite diferenciar a experiência do visitante entre o parque, os stands e a “universidade”. Esta feira apresenta o catálogo mais ligeiro, quer a nível de peso e de tamanho. Sobretudo se o compararmos com o dos eventos congéneres. Trata-se de um pequeno livro que é quase uma edição de bolso, embora o seu preço seja menos light: 19.95 libras britânicas. Compro um e saio para ver as esculturas no parque. O Regents Park é um dos maiores atractivos da Frieze, é belíssimo no Outono e nele ainda podemos ver as esculturas propostas para esta feira. Encontramos “Meridian House” (2008) de Ângela Ferreira, e a cena de crime do britânico Harland Miller, intitulada “The bigger the search light the larger the circumference of the unknown” (2008). De seguida vou ao encontro dos jovens artistas apresentados pela iniciática - The Future can Wait, na Old Truman Brewery, em Brick Lane, que fica entre restaurantes indianos e casas de tijoleira negra. Esta feira off apresenta a “nova escola” de Londres e peças de artistas como Alexander Hoda ou Gavin Nolan. A contenção domina, as compras fazem-se a longo prazo, para não dizer a prestações. Tudo continua calmo na atmosfera britânica mas como diria o grande mestre dramaturgo, sente-se que há qualquer coisa de podre no reino do capital. Sílvia Guerra |