|
SAMUEL BECKETT![]() TERESA CASTRO2007-06-12![]() Ever tried? Ever failed? No matter. Try Again. Fail again. Fail better.. Samuel Beckett, Worstward Ho! Quanto já se disse sobre Samuel Beckett? As suas palavras deixaram uma marca indelével na memória do mundo e o seu rosto aquilino confunde-se com o rosto do século XX. As comemorações do seu centenário, organizadas pelo governo irlandês no ano passado, incluiram uma miríade de acontecimentos, entre as quais diversas exposições na Irlanda e no estrangeiro. Um ano depois, e na sequência do enorme sucesso das mostras sobre Roland Barthes (2002-2003) e Jean Cocteau (2003-2004), foi a vez do Departamento de Desenvolvimento Cultural do Centre Pompidou lhe dedicar uma grande e excelente exposição. "Samuel Beckett" venceu todos os desafios. Um geral, o de saber como expor, num espaço museológico vocacionado para atrair as multidões, o trabalho de um escritor. E outro particular, o de saber expor, sobretudo, o trabalho singular e difícil de um autor como Beckett. Reunindo não só documentos pessoais – entre os quais os maravilhosos cadernos manuscritos do poeta-dramaturgo -, mas também documentos audiovisuais e peças de diferentes artistas que de uma forma ou outra fazem alusão ao universo “beckettiano”, a proposta inteligente e cuidada do Centre Pompidou revelou-se fiel tanto ao homem como à obra. Como em “À espera de Godot”, o percurso em oito etapas claramente lexicais da exposição começou com a “Voz” (“Voix”). Uma voz que lê, em francês e em inglês (evocando assim o bilinguismo de Beckett), poemas e textos breves do escritor. As palavras constituíram a matéria-prima da exposição e, ao fundo do corredor inaugural, a boca de “Not I” (“peça em um acto para uma boca”) deu um corpo fragmentado ao texto torrencial do autor. Seguiam-se os “Vestígios” (“Restes”). A par de uma série de manuscritos de Beckett, diversas obras de artistas contemporâneos (entre os quais Pierre Alechinsky, Jasper Johns, Mona Hatoum, Paul McCarthy, Brunce Nauman Giuseppe Penone, etc.) constituíram o eco visual da torrente de palavras “beckettiana”. Por seu lado, “Cenas” (“Scénes”) era um espaço inteiramente dedicado à produção dramatúrgica do autor. Reunindo fotografias de palco e adereços cenográficos, bem como registos audiovisuais de algumas encenações famosas de peças de Beckett (em francês, inglês e alemão), a sala formou um verdadeiro arquivo, prolongado e complementado pela versão autobiográfica da secção “Coisa” (“Truc”) (1). Ilustrada por fotografias e outros documentos pessoais, “Coisa” apresentou ainda uma das várias obras especialmente criadas para a exposição, um documentário que reúne testemunhos de escritores, artistas e leitores de Beckett sobre o autor. “Olho” (“Oeil”) concentra-se em torno do único filme escrito por Samuel Beckett: “Film”. Realizado em 1964 por Alain Schneider, sob a supervisão estreita de Beckett, a curta-metragem muda “Film” (30 minutos) tem como protagonista um Buster Keaton envelhecido, cujo personagem fantasmagórico procura subtrair-se a todos os olhares. O argumento de Beckett explora uma das teses principais do filósofo irlandês George Berkeley (1685-1753), o “esse est percipi” (“ser é ser percepcionado”). Ainda nesta secção, enriquecida por diversos excertos de filmes, uma obra do canadiano Stan Douglas, “Vídeo” (2006-2007), realizada na periferia de Paris, revisitou o universo de “Film” e associa-o a esse outro mundo delirante que é o do “Processo” de Orson Welles. Já a secção “Cubo” (“Cube”) apresentou em projecção “Quad”, uma das várias obras de Beckett concebidas para a televisão nos anos oitenta. O espaço esteve dedicado ao aspecto formal das obras do autor, nomeadamente a sua geometrização do espaço, seja ele gráfico ou audiovisual. O confronto com as peças minimalistas de Sol LeWitt, Richard Serra ou mesmo Bruce Nauman veio lançar uma luz inesperada sobre este aspecto da obra de Beckett. Finalmente, a secção “Bram” explorou os textos de Beckett sobre o pintor holandês Bram van Velde. “Escuro” (“Noir”) encerrou, com a penumbra e na penumbra, o percurso da exposição. Algumas clareiras de luz (e de som) convidavam o visitante a sentar-se e a escutar o murmurar hipnótico de alguns dos textos mais tardios do escritor: “Mal vu mal dit , “Worstward Ho", "Pour en finir encore", etc. E como se não bastasse, para concluir em beleza a exploração de uma vida e de uma obra singulares, e graças a um arquivo sonoro raro e inédito em França, a voz do próprio Samuel Beckett lia-nos “Lessness”: “Figment dawn dispeller of figments and the other called dusk”... Teresa Castro NOTAS (1) A secção faz alusão a um comentário de Beckett : «Ce truc qu’on appele ma vie » (« Essa coisa a que se chama a minha vida »). |