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FÓRUM DO FUTURO 2017: HITO STEYERL E TREVOR PAGLENCONSTANÇA BABO2017-12-18O Fórum do Futuro, iniciativa da Câmara Municipal do Porto, destacou-se novamente, este ano, com uma programação tão surpreendente quanto pertinente. Foram propostos e desenrolaram-se vários debates que, abrangendo um vasto campo de interesses, disciplinas e áreas de conhecimento, cruzaram-se entre si e interligaram-se numa reflexão global sobre o impacto do homem no mundo. Como o realizador Gareth Evans (1980, Reino Unido) referiu numa das sessões no Rivoli, Teatro Municipal do Porto, o presente é um tempo incerto e alarmante devido às mais recentes ocorrências nos quadros políticos e sociais e às rápidas e sucessivas alterações no planeta Terra, principalmente no clima e nos ecossistemas. Com tal ponto de partida, e como é já próprio do ciclo, os diálogos efetuaram-se no domínio do pensamento contemporâneo e de acordo com as múltiplas formas através das quais este se revela nos distintos territórios científicos, artísticos e culturais. No âmbito das artes, encontram-se tanto reflexos como manifestações em relação e em reação às inúmeras problemáticas e contextos atuais. Assim, e reforçando a qualidade da programação deste ano, a terceira sessão noturna foi marcada por duas notáveis personalidades do cenário artístico contemporâneo, Hito Steyerl (1966, Alemanha) e Trevor Paglen (1974, EUA). Muito pertinentemente introduzidos pelo curador e crítico Shumon Basar (1974, Bangladesh) como indivíduos altamente inspiradores, os dois artistas esclareceram o que os move e influencia profissionalmente, revelando, ao mesmo tempo, as suas considerações e preocupações perante o atual panorama mundial. A arte contemporânea é híbrida, constituída por uma imensa heterogeneidade criativa e produtiva, tão plural e variada como o tempo em que habita. É essa qualidade que permite o surgimento de novas e independentes perspetivas conceptuais, formais, visuais, perceptivas e estéticas que compõem um universo artístico cada vez mais dinâmico e complexo. Porém, a singularidade, quando é uma caraterística predominante na esfera social, pode ser negativa, podendo conduzir, por um lado, a uma fragmentação da personalidade do indivíduo e, por outro, à sociedade líquida de Zigmunt Bauman, menos coletiva e mais diluída. Esse panorama é representativo de um mundo que, cada vez mais, deixa de ser global e torna-se dividido em diversos compartimentos que crescem e funcionam de modos próprios. Para Hito Steyerl, este cenário torna-se visível através de uma igualmente desfragmentada bubble vision. O homem atual é centrado em si mesmo e move-se numa individualidade quase absoluta, ressurgindo a sua conceção como centro do universo, capaz de moldar tudo a partir de si mesmo. O Antropoceno foi, com efeito, o conceito que definiu o Fórum do Futuro, sugerindo ao público uma reflexão sobre as consequências da hegemónica utilização do planeta Terra como plataforma para a produção humana. Esse é, precisamente, o objeto de estudo de Trevor Paglen que expõe intervenções tecnológicas nas superfícies terrestres, tais como a massiva instalação de cabos e correntes de armazenamento de dados virtuais no fundo do oceano. A pesquisa é concretizada através de registos fotográficos muito particulares e surpreendentes, que revelam o que se encontra escondido à vista de todos. Nestes, os contrastes entre o natural e o artificial e entre o equilíbrio imagético e o desequilíbrio dos objetos apresentados, cativam o olhar do espectador e colocam em causa a realidade de hoje. Também instalados de forma discreta, encontram-se inúmeros sistemas de vigilância que geram um constante fenómeno big brother. Estes e outros programas, como um de reconhecimento facial que Trevor Paglen e Hito Steyerl exploraram conjuntamente a nível artístico, constituem uma das várias ferramentas que derivam da inteligência artificial. Porém, os resultados destas são, por vezes, tão errados que, como a artista afirmou, tem surgido algo que se pode chamar de artificial stupidity. Esta panóplia de criações contemporâneas tem ocupado postos de trabalho e tem substituído o homem a vários níveis, numa invasão tecnológica que relativiza o cenário anunciado pelo cientista Carl Sagan (1934-1996) no livro Outros mundos. Esse título, que se refere à ocupação da Terra por extraterrestres, foi atribuído a esta sessão do Fórum do Futuro, denunciando como as ações do homem no mundo estão a modificar este último profundamente, tornando-o desconhecido, novo, outro. Como Trevor Paglen considera, é crucial "perceber o momento histórico em que vivemos de forma a imaginar futuros alternativos". Há-que refletir mediante diferentes perspectivas e conhecimentos sobre as problemáticas atuais, desde a tecnologia à extinção das espécies e das coisas, ao clima, à violência ou à sexualidade, tendo estes sido, precisamente, os conteúdos que marcaram o ciclo. Para a grande qualidade deste contribuíram também outras importantes personalidades como Sou Fujimoto e Timothy Morton, resultando numa ocasião anual significativa, como Shumon Basar declarou. Abre-se, agora, tempo para refletir e aguardar pelo próximo e cada vez mais promissor Fórum do Futuro de 2018.
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