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NA ROTA DA PROVENÇAMANUELA HARGREAVES2021-11-22
A nova Fundação Luma em Arles, é bastante espetacular. Maja Hoffman, herdeira suíça do gigante farmacêutico Hoffmann- La Roche, é a grande mecenas desta fundação, que nasceu da vontade de criar na capital da Camarga, sua terra natal, um complexo cultural e artístico que colocasse Arles no mapeamento da arte contemporânea. A cidade que outrora inspirou Van Gogh, caraterizada desde os tempos romanos pela monumentalidade, com as suas arenas e o anfiteatro romano, vê agora com o nascimento deste edifício, um ressurgimento do antigo esplendor: um museu com a marca Frank Gehry, constituído por um puzzle gigante de cubos de aço inoxidável que ao fim do dia, com o efeito do sol crepuscular flamejam uma cor alaranjada, como templos incendiários arautos de um devir que já existe agora. Inspirado nas rochas fantasmáticas da Carrière des Lumières (Les Baux de Provence), nas falésias dos Alpilles e nas pinceladas de Van Gogh, as arenas romanas são igualmente evocadas por meio da enorme rotunda de vidro, no piso térreo.
Carrière des Lumieres, Les Baux de Provence.
Inaugurado em Junho de 2021, num baldio industrial de onze hectares, este complexo, para além da torre de cinquenta e seis metros de altura, dos espaços industriais recuperados pela arquiteta alemã Annabelle Seedorg, inclui um “skate park” fosforescente do artista coreano Koo Jeong A, e um parque público concebido pelo paisagista belga Bas Smets, realizado em parceria com a cidade de Arles. No edifício principal, vários andares podem ser percorridos de um só trago por meio de um sinuoso cilindro, atração para o público, numa demanda crescente de atrativos para grandes audiências. “Uma escultura em que se pode viajar lá dentro” segundo o autor Carston Höller, questionando qual seria o efeito do deslizamento incorporado como meio de transporte no dia a dia: ausência de consumo energético, auto suficiente, proporciona um efeito emocional “entre um pânico voluptuoso e a lucidez” [Roger Caillois].
Carsten Höller, Isometric Slides.
Diversas salas incluem obras da coleção Lambert como a grande escultura de Urs Fischer, feita em cera, réplica de um clássico que se derrete com a passagem do tempo; o espelho giratório no teto de Olafur Eliasson que nos projeta fora da nossa dimensão espacial; o filme "The clock" de Christian Marclay, que dura 24h, um grande palimpsesto constituído por várias centenas de excertos de filmes, que não duram mais de segundos, uma espécie de história do cinema compactada num só dia, minuto a minuto, num tempo real e de ficção. Maja Hoffmann herdou da sua avó, igualmente colecionadora e produtora, o gosto pela arte, possui arquivos de fotografia de Annie Leibowitz e Diane Airbus, expostos nas salas do piso térreo da fundação; no mesmo piso estão os arquivos de Hans Ulrich Obrist, um dos seus “advisers”, a par de Tom Eccles, Liam Gillick, Philippe Parreno e Beatriz Ruff. Ativa na sua filantropia artística, participa nos Encontros de Fotografia, festival anual de Verão, fundado em 1970 (que perdi por uns escassos dias), na Bienal de Veneza, Serpentine Galleries, Fundação Van Gogh, Kunsthalle Zurich, é também vice-presidente da Fundação Emanuel Hoffmann na Suíca, cuja coleção de arte iniciada pelos seus avós, está agora integrada no museu de arte contemporânea de Basel. Seguindo a rota da Provença, na direção de Aix en Provence, encontra-se o Chateau La Coste, uma grande propriedade onde coabitam arte contemporânea, arquitetura e vinhas. O "tour" demora duas horas, e logo à partida nos deparamos de cada um dos lados do Centro de Arte de Tadao Ando - arquiteto japonês autodidata que passou por uma carreira de carpintaria e boxeur profissional, com a aranha de Bourgeois e as suas finíssimas pernas de aço inoxidável que sustentam um corpo pesado, suspensa no lago, e o “móbil” de Calder cujos braços balançam quando o mistral se faz sentir. O percurso feito por meio de um mapeamento que nos é dado à entrada, segue pelo meio de campos de oliveiras, vinhas, e colinas, que abrigam cerca de trinta e seis instalações de arte contemporânea, onde cada autor escolheu o local onde a obra iria ser colocada. A capela de Tadao Ando, estrategicamente situada no cimo de uma colina, outrora local de passagem dos peregrinos da rota de St Jacques de Compostelle, é recuperada com uma segunda vida; ao lado a grande cruz vermelha em vidro de Murano de Jean Michel Othoniel, dialoga com a austeridade e simplicidade da capela de Ando. Lá sentimo-nos mais perto do divino.
Capela de Tadao Ando.
Continuando, vamos descobrindo obras de Richard Long, Sean Scully, Sophie Calle, Tracey Emin, Jenny Holzer, Tunga, Ai Weiwei, Liam Gillick, Franz West... Algumas de uma aparente leveza quase em suspensão, como "Komorebi", uma trama geométrica realizada com uma madeira resistente do Brasil do arquiteto japonês Kengo Kum, outras como "Schism" de Conrad Shaxcross, um polígono de metal de seis metros de altura revela-nos as potencialidades da forma do tetraedro: ao penetrar no interior pelas fissuras da sua superfície, somos confrontados com uma visão fracionada da paisagem. Depois da visita e de um passeio prolongado, há diversos restaurantes disponíveis para vários gostos e bolsas, assim como um Spa e um hotel. Este modelo de recuperação de grandes propriedades, que englobam centros de arte contemporânea já é um paradigma, e está a ser seguido noutros locais. Em Inglaterra, próximo de Norfolk, Houghton Hall, uma casa palaciana propriedade de Lord Cholmondeley alberga várias coleções e um parque de esculturas no exterior. Inspirado no Chateau La Coste, várias obras de escultores contemporâneos estão espalhadas por jardins e relvados: um “skyspace” de James Turrel, uma instalação de Richard Long, Anya Gallaccio, Stephen Cox, Jeppe Hein, Rachel Whiteread, Phillip King, Henry Moore… A escultura e as suas decorrências “en plein air”, em diálogo com a grande escultura mãe, a Natureza, ganha uma liberdade que a todos os títulos lhe é auspiciosa, pois ambas têm o céu como limite.
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