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As possibilidades que nos são proporcionadas pelas mais recentes tecnologias e novos média apresentam cada vez mais potencialidades e consequências. A barreira entre o espaço privado e o espaço público tem vindo a diluir-se e, como resultado, invadimos a vida dos outros e somos igualmente invadidos. Sendo esta uma questão importante e revelando-se problemática, é importante pensá-la e discuti-la, inclusivamente através da expressão artística. Com efeito, a relação entre este assunto e a arte contemporânea é intrínseca, visto que os média influenciam diretamente a criação, funcionando como tema, objeto e, por vezes simultaneamente, como material para a produção artística. Ora, o C/O Berlin selecionou obras que apresentavam diferentes perspetivas e abordagens desta questão, assinadas por 20 artistas internacionais.

O espaço expositivo da C/O Foundation mostra, desde 2000, uma sólida programação, destacada internacionalmente e assume-se como uma plataforma para a exposição da fotografia e dos media visuais, através de artistas tanto reconhecidos e estabelecidos como emergentes. Com o objetivo de dar a conhecer a cultura visual mais atual a um diversificado público, o C/O foi concebido pelo fotógrafo Stephan Erfurt, o designer Marc Naroska e o arquiteto Ingo Pott. A galeria estabeleceu-se no edifício America Haus, anteriormente uma livraria e sala de cinema também utilizadas como estrutura para encontros culturais americanos com exposições de alguns dos seus mais icónicos artistas, como Robert Rauschenberg, Frank Lloyd Wright e Lyonel Feininger, este último também com nacionalidade alemã.

Assim, com um passado simbólico e anunciando uma visão direcionada para o futuro, o C/O é um dos locais a visitar em Berlim, com exposições conceptual e formalmente contemporâneas, como é o caso desta última.

Destacada e aconselhada pela revista Elephant (nº30, primavera 2017) por ser uma "exposição coletiva que explora um assunto extremamente relevante do séc. XXI, sobre o qual sabemos muito mas pouco fazemos", a exposição com o título Watched! Surveillance, Art & Photography trabalhou a problemática da vigilância predominantemente através da arte dos média.

A partir de tal objeto de estudo, tão discutido e complexo, surgem múltiplas formas e imagens que o problematizam diretamente ou que se estendem ao que o rodeia e envolve. Como exemplo de uma obra que, de modo evidente, aborda as formas de vigilância, pode referir-se um grande painel apresentado na primeira sala da exposição. Com o título WeiweiCam (img.4), apresenta-se um projeto de auto-vigilância assinado pelo artista chinês Ai WeiWei, que teve como ponto de partida e impulso de criação a sua captura pelas autoridades chinesas no aeroporto de Pequim, resultando em 81 dias de prisão. Quando libertado, ficou proibido de sair do país e da sua residência, na qual ficou sob o controlo ininterrupto de 15 câmaras de vigilância. Durante esse tempo, a sua intimidade e o seu espaço privado foram totalmente invadidos e, como resposta, Ai WeiWei instalou outras quatro câmaras, ligadas à internet em livestream, exibindo publicamente a sua circunstância. Esta sua manifestação durou 46 horas, momento em que as autoridades ordenaram o fecho da página online. Após ter-se exilado escapado da China, WeiWei veio para a Alemanha para explorar a sua experiência artisticamente.

A vigilância surge a vários níveis e com diferentes consequências e impactos a nível sociológico. No caso de Ai WeiWei, tratou-se de uma ação forçada, sobre a qual o próprio não teve qualquer espécie de controlo, cenário que nos choca e que repudiamos. Contudo, outras formas de invasão de privacidade têm vindo a multiplicar-se e são frequentemente esquecidas e não compreendidas como atos de vigilância. Sem consciência, tornamo-nos voyeurs e vigilantes daqueles que nos rodeiam. Neste quadro, incluem-se os realityshows que predominam na televisão, continuação do fenómeno bigbrother, já tão habituais e banais, normalizando a observação da vida alheia. Em acréscimo, hoje temos um facilitado acesso a dispositivos e programas de vigilância, como o google street view utilizado pelo artista Mishka Henner na sua obra No man´s land (img.5).

Ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais habitual uma partilha online, constante da atividade diária, através das redes sociais, ocorrendo aí uma nítida perda de privacidade e aumento da exposição social. Esse caso pode, inclusivamente, ser analisado a outro nível e compreendido como motor de alteração comportamental dos atores sociais, principalmente das mais jovens gerações. A construção da própria identidade é um processo susceptível a sofrer alterações de acordo com a constante observação do outro e sobrexposição de si, sendo esta última, quando lançada na rede, tendencialmente fabricada.

Também explorando a questão da identidade, por outro ponto de vista e através de um método de vigilância, expuseram-se outras obras na segunda sala, caso da intitulada de Spirit is a bone (img.6), de Adam Broomberg e Oliver Chanarin. Sob a forma de uma série de retratos que, num primeiro olhar, parecem idênticos, é apresentada uma repetição de imagens semelhantes que compõem uma obra de grande escala. Provocando um imediato forte impacto visual, quando analisadas, verificam-se as distinções entre as figuras brancas que, colocadas sobre fundo negro, assemelham-se a modelos de máscaras. Na verdade, tratam-se de resultados obtidos por um novo instrumento desenvolvido na Rússia que, através de quatro câmaras de vigilância, concebe um retrato em 3D de qualquer individuo sem necessitar da sua cooperação.

Paralelamente a estes trabalhos imagéticos, apresentaram-se outros que surpreenderam por estimularem os restantes sentidos do espetador. Caso disso são os headphones (img.7) que, quando instalados e pendurados do tecto, reproduzem conversas de escutas telefónicas, convidando o espetador a experienciar o lugar do vigilante e tornar-se participante na obra.

É de notar que grande parte da experiência estética que foi proporcionada ao longo da exposição adveio da envolvência construída em redor dos trabalhos. Estes surgiam um após o outro, bem distintos entre si, cada um com uma particular forma e abordagem para suscitar no público a questão em causa e o pensamento e reflexão sobre esta. Com uma sombra predominante sombra e algumas luzes mais fortes a incidir sobre as obras, desenhou-se um cenário muito particular, onde o olhar e a atenção eram guiados ao longo de todo o percurso.

Terminada dia 23 de abril, a exposição, acompanhada pela exibição de seis filmes apresentados pelo Verzio International Human Rights Documentary Film Festival, foi uma das inseridas na atual investigação da Hasselblad Foundation, em torno deste tão atual e complexo tema da vigilância. Esta em causa resultou da colaboração entre essa instituição, o C/O e o Museu da Fotografia de Berlim.

A necessidade de trabalhar temas desta ordem é, sem dúvida, crescente e são estas iniciativas na esfera da arte que valorizam e consolidam o papel da criação artística na sociedade e no futuro.

 

 

 

Constança Babo