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ARTE DE ESTACIONAR PLANETAS: MIGUEL PALMA (AINDA) O DESCONFORTO MODERNOSÉRGIO PARREIRA2019-11-09
Todo o trabalho do Miguel Palma vive deste contaminar da obra com uma contradição com sentido através da construção de objetos que aparentemente não tem uma justificação plausível para a sua edificação ou existência. Sejam estes escultura, instalação, vídeo, performance, uma combinação de diversas técnicas com mecanismos (máquinas), um metamorfosear de universos plásticos e científicos, ou puramente ideias e especulações de execução, readquirem sempre, após confrontarem o espetador com a inadequação da formulação, um significado ecuménico. O processo que antecede este entendimento, não é necessariamente óbvio ou racional. O entendimento e percepção da lógica, pode, e explanado de uma forma extremamente simplificada, acontecer como resultado de conhecimento da matéria específica ou contingentemente por aceitação resultante de uma inocência ou pura ignorância. Para este caso, não interessa se uma será mais válida que a outra… Na exposição agora patente no Centro Cultural de Belém, (Ainda) O Desconforto Moderno, com curadoria do Miguel Von Hafe Pérez, é-nos gentilmente oferecido um vasto leque de objetos (56 obras selecionadas de um período de trinta anos) que desenham a história da narrativa artística, necessariamente estética, de Miguel Palma. Há na obra de Miguel Palma, uma indiscutível genialidade que não encontra semelhante. Seguramente que Miguel Palma ao conhecer a fórmula que lhe permite “estacionar planetas”, se isola numa categoria singular, sem muitos representantes concorrentes, na história humana da criação de objetos de arte. Como apreender então, algo que é predominantemente único e que dispensa grandemente uma leitura baseada apenas na lógica? O enigma resolve-se em grande parte na disponibilidade individual para a perceção estética. No caso da execução artística de Palma, a pré-requisição de um estado emocional, é facilitada pela “construção”, que em quase todos os casos, se trata de objetos que incutem no espetador um ato involuntário de usufruto. Este surpreendente e poderoso efeito das obras de Miguel Palma resulta em muito da sua interpretação e transposição do universo da máquina. A “máquina”, tem uma definição muito clara que o sujeito contemporâneo não mais questiona: engenho destinado a transformar uma forma de energia em outra e/ou utilizar essa transformação para produzir determinado efeito. No entanto, o questionamento é inevitável quando a máquina se revela desconhecida e o seu “destino” incerto. A familiaridade do sujeito com a máquina faz com que este estabeleça uma relação intuitiva, despojada de receios ou preconceitos. Na ausência desta empatia, gera-se a surpresa, indignação e potencialmente um desconforto.
Montagem da exposição (Ainda) O Desconforto Moderno. Fotografia: Sérgio Parreira
Esta emoção, descomodidade e incómodo, partilhada pelo criador/artista, é dogmaticamente o suporte conceptual da gestação criativa do Miguel Palma, e que está excecionalmente descrita nesta antologia, Em muitas das obras de Palma, em que o mecanismo impera, engenho incógnito, o espetador encontra o desafio do reconhecimento, e enceta uma procura de significado próximo. Em alguns casos, este processo conclui-se rapidamente com sucesso, seja este adquirido através de identificação e afinidade ou como já referi anteriormente puramente por aceitação e ingenuidade. Ainda, retomando o conceito basilar da máquina, em que o trabalho humano se substitui por ações aplicadas de mecanismos, reincidente na construção plástica de Miguel Palma, a história do objeto não está unicamente na mensagem terminal, mas igualmente no processo do mecanismo que remata a mensagem. No decorrer deste processual ilustrativo, o artista deixa uma legendagem com críticas, comentários, e análises pessoais da sociedade e experiência contemporânea. Previamente a esta explanação dimensional, é identificável no processo do artista, o estudo e apreensão de uma imensa diversidade de temáticas que nascem do entendimento da própria história da produção artística em prol da construção de uma crítica plástica contemporânea, muitas vezes futurista e indiscutivelmente vanguardista. Após conquistada - pelo espetador - a etapa do confronto na leitura, identificação e reconhecimento, o sentimento será preponderantemente de uma ausência de indiferença. De agrado ou desagrado, prazer ou desconforto na conquista, a dramatização da obra atingiu o seu objetivo, e ascendeu a sua presença à categoria dos objetos com uma capacidade estética de purgação emocional e desafiadores de um juízo supra visual. A exposição (Ainda) O Desconforto Moderno transporta-nos para um espaço lúdico criativo, pontuado cinquenta e seis vezes por uma arte de estacionar planetas, ímpar e exclusiva ao artista. São escassas as oportunidades para desfrutar destas obras agrupadas numa construção que se revela um harmonioso desafio eminente, fazendo deste um momento único e imperdível para conhecer as inéditas geografias planetárias de Miguel Palma.
Sérgio Parreira
Miguel Palma. (Ainda) O Desconforto Moderno Museu Colecção Berardo
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