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HAVERÁ DEMOCRACIA POLÍTICA SEM DEMOCRACIA CULTURAL? O LUGAR DAS PERIFERIAS EM PORTUGALMARIA VLACHOU2018-05-25
“We’re living the violent results of exclusivity and a stratified culture.”
Acontecimentos políticos em vários países do mundo nos fazem questionar a qualidade das nossas democracias. Levam-nos inclusive a questionar a função da cultura na sociedade. Seu papel na formação de cidadãos informados, críticos, engajados e na criação de uma sociedade mais tolerante e capaz de voltar a mostrar empatia. Com a evolução do conceito da democratização do acesso à cultura para o da criação de uma democracia cultural, é também tempo de olhar para o trabalho desenvolvido fora dos grandes centros urbanos.
Apesar do teatro ter as suas origens no período em que o sistema político de Atenas era a tirania (final do século VI a.C), todas as obras completas que chegaram até nós (32 tragédias e 11 comédias) são produto da democracia ateniense (século V a.C). O professor de História Grega da Universidade Católica Sagrado Coração, de Milão Alessandro Brambilla, numa entrevista com a professora do King’s College de Londres Edith Hall, comenta que o teatro era o complemento natural da Assembléia. Enquanto esta reunia apenas os homens que tinham a responsabilidade de tomar decisões para a cidade, o teatro reunia toda a comunidade. Era um elemento-chave para o autoconhecimento do grupo, que, através das tragédias e comédias, era chamado a questionar as suas próprias dimensões políticas, culturais e morais. Na entrevista, Edith Hall explica que o teatro era considerado útil por Aristóteles, na sua Arte Poética, pois educava mesmo as pessoas “não filosóficas” e porque tinha, igualmente, benefícios emocionais (Brambilla, 2015), elevando o espírito e purificando a alma (catarse). Recentes acontecimentos políticos – em países da União Europeia, nos EUA, no Brasil, na Turquia, na Venezuela, entre outros – fazem-nos questionar a qualidade das nossas democracias. Políticos, intelectuais e os próprios cidadãos parecem, em muitos casos, reduzir a cidadania a um ato eleitoral de quatro em quatro anos, ao mesmo tempo que se cultiva o medo e os dissidentes são perseguidos e castigados. A cidadania, no entanto, deve ser vista como um estado de permanente envolvimento. No atual contexto político de sociedades polarizadas, nas quais são alimentadas ideias populistas, reforçado o “eu” em detrimento do “nós”, desvalorizado o conhecimento e promovidos “fatos alternativos”, o questionamento em relação à qualidade das nossas democracias leva-nos a questionar a função da cultura na sociedade, seu papel na formação de cidadãos informados, críticos, engajados e na criação de uma sociedade mais tolerante e capaz de voltar a mostrar empatia. Em 2014, o relatório do Brooklyn Commune Project [1] The View from Here [2] refletia sobre a relação entre teatro e cidadania. Dizia que as artes performativas são, inerentemente, artes sociais e proporcionam uma oportunidade necessária para desenvolver as capacidades de socialização e comunicação exigidas por uma democracia saudável. E continuava: "As atividades culturais e, especificamente, as artes performativas são um meio único que pode servir como local de encontro, um lugar para a formação de uma identidade comunal partilhada como ‘o público’". (Costa, 2014). Deborah Cullinan, CEO do Yerba Buena Center for the Arts em São Francisco, reflete sobre o seu país e diz: “A matéria-prima da nossa democracia é a criatividade individual e imaginação coletiva. Num momento de imensa atomização, precisamos de mudar o rumo da cultura da nossa nação e olhar para trás, para os seus ideais básicos - e as nossas instituições culturais devem liderar a caminhada.” (Cullinan, 2017). Poderá haver democracia política de qualidade sem democracia cultural? Não serão estas as duas faces de uma mesma moeda?
Nas últimas décadas, a nossa reflexão centrou-se na questão da “democratização do acesso à cultura”. Conscientes de que a produção e oferta cultural apoiadas com dinheiro público são usufruídas por uma minoria (branca e com formação universitária), sentimos a responsabilidade de fazer chegar esta oferta a mais pessoas, a outras pessoas. Usamos repetidamente a expressão “criação de novos públicos” e as palavras acesso, diversidade, inclusão. Este processo de “democratização” é, no entanto, pouco democrático. É um processo controlado por guardiões, “por quem sabe”, e centra-se numa versão específica da cultura: aquela que se torna legítima pelo fato de receber financiamento público. “Democratização” significa aqui criar canais de acesso ao que se considera “cultura de mérito”, “cultura que faz bem”. É um processo que não reconhece a existência de outras pessoas (daí a necessidade de “criar” os tais novos públicos) e de outras formas de cultura e, portanto, não se baseia no diálogo, na discussão, na partilha da responsabilidade. Em 2008, o britânico John Holden escreve Democratic culture - opening up the arts to everyone e alerta que, se o objetivo é contribuir para a formação de cidadãos informados e engajados, é preciso constatar que existem diferenças marcantes nas capacidades individuais para fazer escolhas conscientes, e existem ainda partes do mundo cultural das quais a grande maioria das pessoas se sente alienada. Nesse mesmo texto, Holden argumenta que a democracia cultural seria muito parecida com a democracia política e que, idealmente, teria características de universalismo, pluralismo, igualdade, transparência e liberdade. Por fim, defende que só quando todos tiverem a mesma capacidade e oportunidade para participar na vida cultural teremos uma oportunidade para atingir uma verdadeira democracia política (Holden, 2008). No nosso ver, não se pode esperar que as pessoas tenham as mesmas capacidades – aliás, um dos grandes desafios para os profissionais da cultura é, justamente, trabalhar tendo consciência que estão dirigindo a pessoas com diferentes capacidades. No entanto, parece-nos essencial garantir que as pessoas tenham as mesmas oportunidades de participação em algo que constitui uma construção e um bem comum. Quase uma década depois, no Reino Unido a reflexão acerca da democracia cultural e do acesso à cultura continua forte e inquieta e sempre associada à questão da democracia política. Num estudo recente do King’s College London afirma-se que "No contexto da profunda e generalizada divisão política expressa através da campanha e do voto no referendo da UE em 2016, é cada vez mais claro que novas abordagens para muitos dos processos políticos do Reino Unido exigem uma atenção urgente e radical. Isso inclui a forma como funciona a política cultural - e para quem é e para quê se faz política cultural. Perguntas sobre como a cultura é feita e por quem, e quais atividades criativas são reconhecidas e apoiadas, são questões nas quais temos todos um interesse profundo e cada vez mais urgente." Aqui, a cultura não é vista apenas como um fim que se atinge quando a democracia é assegurada, mas como uma ferramenta contributiva que possa alimentar e apoiar a própria democracia. Realça-se em especial a “substantiva liberdade social” de criar versões da cultura, a liberdade real e concreta de escolher que cultura fazer e que cultura apreciar. Para isso, é essencial que todos os cidadãos possam ter a “oportunidade de ver e ouvir coisas; coisas novas, coisas antigas, coisas estranhas, coisas bonitas, coisas divertidas e coisas ferozes; coisas que mobilizam, confundem e tocam; coisas que trazem conforto e coisas que inspiram (Wilson et al, 2017). As organizações culturais não devem ficar alheias a este processo, mas também não se devem assumir, como o fizeram até agora, como árbitros do gosto. Devem ser uma casa criativa para as pessoas (Cullinan, 2017).
A existência de desigualdades entre centro e periferias não diz respeito apenas ao Reino Unido. Também em Portugal, a produção e oferta cultural concentram-se nos grandes centros urbanos e, mesmo dentro deles, em zonas e equipamentos específicos. Do ponto de vista das políticas culturais estatais, Portugal carece de planos estratégicos a longo prazo, sólidos, continuados, com objetivos concretos, baseados em estudos, que acompanham os desenvolvimentos na sociedade e que são periodicamente revistos, avaliados, ajustados. Mas pode orgulhar-se de profissionais e projetos que se mostram conscientes do papel da cultura na sociedade e sensíveis às necessidades da mesma. Trata-se de projetos que olham para o território e para as suas pessoas e que não procuram impor uma cultura “que faz bem”, mas criar oportunidades para se construir algo e crescer em conjunto. Um trabalho desta natureza não se cria de um momento para o outro. As relações levam tempo para ser construídas, para “provar” as boas intenções, para gerar confiança. Neste sentido, é interessante acompanhar o desenvolvimento da Artemrede, um projeto de cooperação cultural criado em 2005, constituído hoje por 15 municípios na zona centro de Portugal, que trabalha a especificidade dos territórios através do apoio à criação artística, à programação cultural em rede, à qualificação e formação e às estratégias de mediação cultural. A associação foi constituída poucos anos depois da revitalização da rede de cine-teatros municipais pelo Ministério da Cultura, no final dos anos 1990. Nos primeiros anos, investiu-se muito na formação profissional das equipes e na garantia de uma programação cultural regular, um fator importante, considerando que se procurou criar uma relação com populações que não tinham o hábito de frequentar esses espaços que, por sua vez, estiveram fechados durante muito tempo. Consolidada esta parte, através de um trabalho consistente e permanente, deu-se o passo seguinte, e hoje o foco da associação são os projetos plurianuais de intervenção no território e de trabalho com as comunidades locais. De especial interesse, nesta nova fase do trabalho da associação, são os projetos Odisseia e Visionários. O primeiro visa a formação e capacitação artísticas de a jovens entre os 16 e os 25 anos residentes em municípios associados da Artemrede. É dada formação certificada por grupos artísticos nas áreas de teatro / dramaturgia, artes de rua e cinema / música, que tem como resultado final a criação de um objeto artístico. O próximo passo é o projeto Visionários, que levará alguns dos participantes a fazer parte dos processos decisórios de programação da Artemrede. Este grupo, que mais tarde irá incluir participantes de várias faixas etárias, irá assistir a vários espectáculos e workshops e poderá discutir propostas artísticas a serem integradas na programação da Artemrede. Muito cautelosa e realista, Marta Martins, diretora executiva da Artemrede, alerta que “não se pode esperar que, de um momento para o outro, as pessoas passem a participar em processos de discussão e decisão sobre a sua cidade, se nunca ou raramente foram chamadas para o fazer ou, se o fizeram, as suas opiniões não foram tidas em conta. É importante que exista uma continuidade nestes processos, que eles possam acontecer a diversos níveis (de freguesia, de cidade, do país) e que tenham resultados visíveis e que reflitam os contributos daqueles que neles participaram.” (Bernardino, 2017) Muitos dos profissionais que trabalham na área referem-se ao fator “tempo”, conscientes das especificidades do trabalho que estão a desenvolver. O Walk&Talk Azores teve a sua 7ª edição em Julho de 2017 e define-se como um festival que incentiva a criação artística em diálogo permanente com o território, a cultura e a comunidade açoriana. Os seus fundadores, Jesse James e Diana Sousa, sentiam que a comunidade local não se relacionava com a arte contemporânea e que, talvez, um primeiro passo fosse levar a arte até às pessoas. Sete anos depois, as pessoas aguardam ansiosamente as propostas do festival e procuram, em primeiro lugar, os murais de arte urbana, que marcaram as primeiras edições. Só que o festival apresenta-lhes agora também outros tipos de trabalhos. À medida que foi crescendo, o Walk&Talk procurou envolver mais a comunidade no festival e os que vêm de fora na vida da comunidade, “estimulando a troca de experiências, fazendo sobressair a cultura e a memória como projeção de futuro, o estilo de vida humanizado, o papel das relações de proximidade, o ambiente de autenticidade ou o saber expresso em técnicas que se foram tornando raras.” (Belanciano, 2015) Há uma forte aposta nas residências artísticas, onde os artistas incentivam os artesãos locais a repensar as suas práticas; os artesãos desafiam os artistas a expandir as suas capacidades; artistas, artesãos e residentes descobrem novos limites à sua imaginação; partilham casa; partilham histórias de vida. Não há dúvida que estes são processos lentos, processos que pressupõem a criação de respeito e confiança. Jesse James acredita que dez anos mais tarde “vamos estar uns degraus acima nesse envolvimento e questionamento de todos, seja da comunidade, seja dos artistas, que são também comunidade.” (Belanciano, 2016) Elisabete Paiva, diretora artística do festival Materiais Diversos, começou a identificar os primeiros sinais de que a organização do festival e a comunidade local vão, juntos, subindo degraus. O festival considera-se pioneiro na promoção do acesso à criação e descentralização artística, levando desde 2009 a populações fora dos grandes centros urbanos uma seleção de projetos nas áreas da dança, teatro e música. O projeto é apoiado pelos municípios de Alcanena e Cartaxo, no centro do país. Elisabete Paiva assumiu a direção artística em 2015 e viu-se envolvida com uma comunidade que não conhecia. Esta relação vai crescendo e vai sendo afinada. Elisabete procura espetáculos que possam dizer algo às populações a que se dirigem. Considera que está desenvolvendo um trabalho pedagógico de formação de públicos e o seu desejo é “lhes dar autonomia crítica para ver um espectáculo de dança ou teatro contemporâneo em que não só possam ver-se em palco, mas também ver outros em que às vezes não se reconhecem diretamente, e em que identificam questões importantes.” E acrescenta: “É clara a evolução na desinibição e até na produção de discurso deste público face aos objetos mais estranhos.” (Frota, 2017) Esta não é apenas uma constatação (ou um desejo) de Elisabete Paiva. Filipa Achega, empresária de Minde que acompanha o festival há bastante tempo, fala num depoimento de “crianças que viviam numa vila com pouca atividade cultural transformarem-se em público, mais tarde voluntários e por fim em agentes da produção cultural local; (...) Nas plateias, vi sentadas senhoras de 70 anos, jovens, crianças. Ouvi as conversas após os espetáculos, ingênuas a princípio, e imersas em espontaneidade. Algumas plateias depois dessas conversas já desenvolviam um pensamento crítico mais profundo; (...) Assisti ao cada vez maior número de reuniões e discussões onde se debatia o território em termos culturais e onde se propunham soluções conjuntas apontando sinergias; (...) Assisti a cafés e chás entre pastores e artistas algures da Alemanha. Entre cerzideiras da indústria têxtil e encenadores.” [3] Um depoimento destes não constitui por si avaliação, mas não deixa de ser um sinal. Estes são apenas três dos projetos que se desenvolvem nas “periferias” de Portugal. Não são, obviamente, os únicos. Em 2016, o jornal Público publicou uma peça que mostrava o trabalho desenvolvido em várias autarquias do país e com o apoio destas, afirmando que, perante a fraca presença do poder central fora das grandes cidades, os municípios tomam conta do recado (Oliveira et al., 2016). Este é um fato significativo no funcionamento do setor cultural português, que, por um lado, pode ter resultados positivos, mas que levanta também outras questões, como a da continuidade do apoio municipal com a mudança de executivo ou a nomeação (política) de pessoas sem conhecimentos específicos para gerir equipamentos culturais e coordenar uma política cultural. Entretanto, não podemos deixar de fora desta reflexão as “periferias” que existem dentro dos grandes centros urbanos, onde residem grandes partes da população que se mantém afastadas da cultura que se apresenta em determinados equipamentos culturais. Essas pessoas existem, não é preciso “criá-las”, mas não se relacionam com esses equipamentos e essa cultura porque muitos elementos na forma como se apresentam e comunicam – desde o edifício, aos códigos de comportamento, à divulgação, à programação em si – fazem-nas sentir que aqueles espaços não são para elas. Por isso, é importante referir aqui dois projetos municipais. Cultura em Expansão nasceu em 2014 no Porto e procura contrariar a concentração da produção e oferta cultural em determinados eixos e equipamentos da cidade. Pretende “que a noção de espaços de cultura perca sentido e se dilua com o tempo, a partir da ideia de que não existem lugares definidos para a sua oferta e que a cidade, em toda a sua variedade e extensão, deve ser um palco ativo de cultura”[4]. Assim, a cultura “expande-se” e procura envolver os habitantes de outras zonas da cidade do Porto, quer individualmente, quer através de grupos já formados, e juntá-los a artistas conhecidos. A Biblioteca de Marvila foi inaugurada no final de 2016, numa área de Lisboa que enfrenta vários desafios socio-económicos e que não possuía equipamentos culturais formais. Nasceu numa zona cuja população desejava sobretudo ter mais um posto policial e considerava que não merecia uma biblioteca. Os responsáveis tiveram a inteligência de envolver a comunidade local no desenvolvimento do projeto, de o dar a conhecer antecipadamente, e hoje a biblioteca apresenta uma programação muito rica, que inclui a produção cultural e artística local. Ao mesmo tempo, e porque não se quer que a população deste bairro continue isolada, limitada a usufruir de um espaço cultural na sua própria zona e não sair dela, a biblioteca está a estabelecer parcerias com outros equipamentos culturais da cidade, que se localizam nos eixos “mainstream”, e desenvolverá projetos com eles com o intuito de criar mobilidade entre diferentes regiões da cidade.
No contexto político atual, torna-se particularmente preocupante o fato de grandes partes da população, em vários países, continuarem a sentir-se excluídas, “não dignas” de usufruir de determinada cultura, sendo que, ao mesmo tempo, não é reconhecida a contribuição que elas próprias possam ter na co-criação de outras versões de cultura. Os profissionais do setor começam a ficar conscientes de que têm estado a viver numa bolha, alheios ao que se passa à sua volta e apanhados de surpresa com certos desenvolvimentos políticos (Abrams, 2016). Num momento em que o conhecimento científico é menosprezado, em que os “fatos alternativos” tornam-se retórica oficial e em que o “Outro” é, mais uma vez, a fonte de todos os males, torna-se urgente repensar a forma como a cultura se desenvolve e se alimenta, com quem e para quem. Os projetos aqui referidos, e outros que não o foram, não estão a dar resposta a uma política cultural oficial. Em Portugal, o Estado ainda fala na “democratização do acesso à cultura” e vê a sua concretização nas entradas gratuitas e no acesso a conteúdos digitais, continuando a ignorar as questões mais complexas relacionadas com o acesso e a participação cultural. Os responsáveis por estes projetos respondem à sua própria consciência e visão em relação ao papel da cultura - e deles próprios, como profissionais do setor - na sociedade. Falam-nos da necessidade de perceber o território, de conhecer as suas necessidades e ansiedades, os seus gostos, as suas possibilidades e capacidades. Mostram-se constantes, têm uma presença permanente, dão tempo ao desenvolvimento da relação. Observam, ouvem, procuram ir mais longe. Mas, sobretudo, não o fazem sozinhos, não o fazem com arrogância. Envolvem-se com as pessoas, sabem que todos têm algo a ensinar e algo a aprender. Terão estes projetos o impacto desejado? A viragem que se está a verificar neste momento no financiamento da cultura no Reino Unido resulta de décadas e décadas de apoios para o setor cultural que privilegiaram as elites urbanas. Além disso, e apesar de alguns projetos terem já alguns anos de vida (também em Portugal), o seu desenvolvimento até agora não estava ligado às questões que se levantam atualmente: o deficit democrático, a falta de empatia, a polarização da sociedade etc. Vai funcionar? Não sabemos. Neste momento, é mais uma questão de fé no poder da cultura. E mesmo quem tem essa fé na cultura, sabe ela não faz milagres sozinha. O esforço deve ser conjunto, as condições sociais e financeiras têm o seu impacto e são fortes e determinantes. Será, por isso, necessário acompanhar estes projetos e iniciativas, estabelecer formas de avaliação e garantir que esta não será feita de cima para baixo, mas incluirá todas as partes. Devemos procurar construir uma cultura democrática, porque todos somos necessários para imaginar o futuro; o melhor futuro possível.
Maria Vlachou
::: Notas [1] Sediado em Nova York, o Brooklyn Commune Project é uma plataforma de pesquisa colaborativa sobre a economia da produção artística.
Referências blibliográficas Abrams, L. (2016). “Is the Art World Responsible for Trump? Filmmaker Adam Curtis on Why Self-Expression Is Tearing Society Apart”, Artspace. Belanciano, V. (2016). “Há rua, mar, lavoura, galerias, mas só uma arte no Walk&Talk”, Público. Belanciano, V. (2015). “A grande obra de arte dos Açores são as pessoas”, Público. Bernardino, F. (2017). “Marta Martins – Cultura e Descentralização”, Agenda Cultural, p.106 Brambilla, A. (2015). Democracy and the Ancient Greek Theatre: Interview with Edith Hall. Costa, M. (2014). “Can a Relationship with Theatre Change People’s Relationship to Society?”, The Guardian. Cullinan, D. (2017). Civic Engagement: Why Cultural Institutions Must Lead the Way. Duffy, S. (2017). “Excellence in the Arts Should not be Defined by the Metropolitan Elite”, The Guardian. Frota, G. (2017). “Entre a dança tirolesa e uma rajada de perguntas para quase adultos”, Público. Holden, J. (2008). Democratic Culture: Opening Up the Arts to Everyone. Oliveira, S.D., Dias, C., Revez, I. (2016). “O poder central devia estar mais presente na cultura? Devia, mas as câmaras dão conta do recado”, Público. Wilson, N., Gross, J., Bull, A. (2017). Towards Cultural Democracy: Promoting cultural capabilities for everyone. King’s College London.
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