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PERSPETIVA ATUAL


‘Aplasticaplipse’, Casa 77, Mercado do Peixe. Instalação com projeção de vídeo. Uma das instâncias ativistas de qualidade, aberta todos os dias, durante o decorrer de todo o evento das 15h às 00h.


‘Ce Soir Spectacle á lá Maison’, Casa 8, Rua dos Artistas, nº3. Esta era a oferta de livros para quem quisesse fazer uma leitura. Eu li um poema de José Duro, constado no seu livro Fel.


‘Ce Soir Spectacle á lá Maison’, Casa 8, Rua dos Artistas, nº3. Projeção no terraço, vista da rua.


Casa do artista e mural adjacente que a CoopCASA erigiu em colaboração com a Câmara Municipal das Caldas da Rainha e a Casa da Juventude.


‘O Tanque’, Casa 74, Rua Engenheiro Duarte Pacheco, nº13. Desenho a tinta da china e canetas gráficas, num ambiente escuro iluminado a luz negra.


‘O Tanque’, Casa 74, Rua Engenheiro Duarte Pacheco, nº13. Impressões a cianotype, num ambiente escuro iluminado a luz negra.


Exposição de COA e de Alexandre Alagôa, Silos, Sala Farinha. Cerâmica, som e vídeo.


Exposição de COA e de Alexandre Alagôa, Silos, Sala Farinha. Cerâmica, som e vídeo.


Exposição de COA e de Alexandre Alagôa, Silos, Sala Farinha. Cerâmica, som e vídeo.


Palco e recinto na zona exterior dos silos.


Palco na Praça 5 de outubro.


Exposição de Sara Baptista ‘Jogo de Chronos’, Galeria de Exposições, Espaço Turismo Caldas da Rainha.

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Nos passados dias 30 de maio a 1 de junho, o Caldas Late Night bombardeou as Caldas da Rainha com aquilo que parece ser hoje em dia o evento do ano desta cidade. Nesta 23ª edição a cidade estava ao rubro!

O CLN começou em 1996. Os alunos da ESAD.CR (Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha) queriam uma plataforma para mostrar trabalhos que não foram selecionados pelo corpo docente para as exposições de final de ano, e assim começaram a organizar este evento que agora se tornou num ritual em que mais velhos, novos, crianças e adolescentes fazem parte e mostram o quanto a população das Caldas da Rainha está recetiva, e participa, na vida cultural da cidade! No entanto, as artes são feitas de muitos mundos, o CLN abordou uma série deles e deixou outros um pouco à quem. Após 23 edições, pondero à cerca do que estes alunos e o seu público ganham em vir a esta festa.

A última vez que eu fui ao CLN foi há 18 anos. Ainda não eram três dias de música, jogos, experiências, e um total de 92 sítios para visitar. Nessa altura, era a casa da estação (agora um parque de estacionamento), uma dezena de casas onde se via arte, a casa do Benfica (agora o Silver Coast Hotel e o Restaurante Lisbonense) e as instalações e o pinhal da ESAD. Todo o foco eram as artes, as instalações multimédia e a rave no final onde também tocavam algumas bandas locais. Passando à frente até 2019, dou de caras com uma experiência do género Hackney Wicked, mas a nível estudantil. E foi mesmo esse o sentimento que o CLN me deixou, que é uma celebração de uma subcultura estudantil, a das artes.

No entanto, enquanto profissional das artes, não pude deixar de sentir um desaproveitamento desta oportunidade que já é ouro, mas que ainda parece ser um ensaio-geral. Existe uma beleza inegável na naiveté da forma como toda a ecologia social e a malha juvenil desenvolveu o projeto e dos resultados finais apresentados. O que me deixa a pensar que esta mostra não é tanto uma mostra ao público, mas é mais o ato de mostrar. Sinto que no core do CLN, há um desejo de liberdade de expressão, mas que ainda é tímido, como se se auto-mutilassem as cordas vocais. A ideia do ermita apresenta e alude um certo romantismo, pois este tem de emergir das profundezas físicas da sua alma para mostrar a sua arte. Mas a indústria não é um sítio onde se possa viver ou trabalhar isolado, e o trabalho do artista é um de expressão, mas também de reflexão e contextualização (sem ordem de preferência). E frequentar a universidade, pressupõe a integração de uma carreira, e não o isolamento do ermita.

Na minha carreira, já organizei festivais de estúdios abertos de várias dimensões, já fiz parte enquanto artista, já fiz parte enquanto organizadora de palcos, já montei exposições nos arraiais principais e em galerias, já geri projetos inteiros como este. Devem existir sim, uma pletora de distrações para entreter o público, mas tem que existir, principalmente, a preocupação com a arte, e com o artista que produz a arte.

As artes nas Caldas têm vários agentes, dos quais destaco os Silos e a CoopCASA pelo trabalho de intermediário de mundos que fazem. A CoopCASA mostra-se pelo apoio coletivo, o trabalho em equipa em realidades não só artísticas, e o Silos pelo trabalho de exposição e também de atelier e espaço de congregação. Os Silos e a Casa do Artista (CoopCASA) representaram dois dos aspetos mais fortes do que é fazer e ser arte nas Caldas.

Os Silos, no espaço fantástico que têm, apresentaram uma exposição de COA e Alexandre Alagôa, na qual a arte urbana se fundiu com a cerâmica, a música e a instalação de vídeo e a interação com o público. Uma representação muito afinada e precisa do que são as artes nas Caldas da Rainha. Vê-se muita recuperação de materiais achados, muito graffiti, uma história e património representados pelas inigualáveis faianças Bordallo Pinheiro, muita música, e o CNL é muito à cerca da interação e atividades coletivas: a procissão, o slide, o pillow-fight, o quarto-escuro, são todos indicadores de uma comunidade que gosta de tocar uns nos outros, uma intimidade que se deixa de verificar quando saímos da escola de artes, e entramos no mundo profissional. Este aspeto estava vinculado nesta exposição, que inebriou vários sentidos: tocámos nos instrumentos, visualizámos projeções e ouviam-se variações sonoras conforme os participantes. O trabalho de COA elegante e relevante para a cidade em que expõe, o de Alexandre mágico e envolvente, criou a osmose, o flow, da exposição.

A Casa do Artista (CoopCasa) lembrou-me de como devia ser, ser artista em 1968 e da explosão dos Situacionistas, da forma casual como a arte se desenvolve, do flaneur. Haviam leituras coletivas, uma roleta para determinar a sorte do consumidor de bar, projeções no terraço e o tão famoso (disseram-me) quarto-escuro, assim como um mural coletivo. Aqui, o espirito genuíno e sério das artes vem à tona, e o ser arte sente-se. A casa está meia em ruínas, o que traz à alma imediatamente o romanticismo da criação, e senti-me como uma criança numa loja de rebuçados! As pessoas que fazem parte da CoopCASA já foram alunos do ESAD.CR, mas agora dedicam-se à missão da sua cooperativa, que é uma ferramenta integracionista dos artistas na vida ativa da cidade, e que certamente contribui para o sucesso do CLN durante o ano todo pelo cariz das atividades que desenvolvem dentro e fora das artes.

Mas voltando ao roteiro na cidade, e aos atores do evento: os estudantes-artistas! A primeira casa na qual entrei intitulava-se ‘Isto não é uma casa de putas’, a segunda ‘O Tanque’, na terceira estava uma banda a tocar num quarto que tinha uma varanda à volta. À medida que entrava nestes edifícios, muitos de estilo Arte Nova e Arte Deco, e me deslumbrava com a arquitetura e o estilo interior destas habitações, dava-me conta do anonimato presente, pois só em dispositivos comerciais existiam legendas (cartões de visita) com os nomes dos autores dos trabalhos, e mesmo assim nem em todos. As casas que visitei optaram por uma identidade coletiva, e o protagonismo artístico esmoreceu. E é pena. O coletivismo tem muito que se louve e logre, sou total apologista; mas, é a soma das partes, e por isso fiquei sem saber quais eram as partes, sendo que o trabalho estava apresentado em partes. Exceto quando pedi informações diretamente aos artistas...mas outro problema era mesmo encontrar os artistas!

Os alunos do ESAD.CR parecem que vivem numa bolha de ar, quente, aquecida pelo fumo da canábis que não deixa de pairar no ar. A idade é tenra já sei, eu própria já passei por ela, mas no meu tempo não haviam nem metade das oportunidades que hoje existem. Portugal ainda se estava a inteirar do que significa fazer parte da União Europeia e ouvia-se falar do prémio EDP e da Gulbenkian, que eram sempre ganhos por artistas não tão novos como os prémios anunciavam. No meu tempo, ninguém nos levava a sério, os artistas a sério. Em várias instâncias do CLN 2019, o que vejo são os próprios artistas a não se levarem a sério.

O CLN é uma iniciativa que se tornou incontornável no âmbito de aproximar e educar o público regional. Ainda que muito público esteja nisto pela música e diversão, o tema são as artes. Mas a questão que coloco prende-se com a forma como o público para as artes continua a ser educado em centros urbanos, mas cuja mentalidade e estilo de vida não é a de uma metrópole. A população desta região - de uma forma geral - vê artistas como ‘pobrezinhos’ e vê a arte como um hobby. Neste CLN ouvi artistas dizerem - tal como há 20 e tal anos atrás - que ‘os meus pais não quiseram que eu fosse para artes plásticas porque não ganho dinheiro com isso’. Este sentimento, presente horizontalmente na região Oeste de Portugal, do qual posso falar por experiência própria, vem de uma mentalidade provinciana, conservadora e capitalista, agarrada ao Catolicismo. O formato social de uma vida pseudo-urbana é muito diferente da fluidez das metrópoles e a realidade destes artistas é que não há muito público a confiar nas capacidades de um artista, e especialmente e principalmente no valor intrínseco de se fazer e ver arte. Isto faz com que oportunidades estagnem, estilos de vida não mudem, e com isto gera-se um ciclo vicioso em que os artistas não confiam no seu público, e acabam por melindrar a confiança em si mesmos, e quiçá até a sua própria prática artística.

Por exemplo, um local belíssimo, encantador, charmoso, rico, único como o (Jardim do Museu do) Hospital Termal, um ex-libris arquitetónico com acesso a um dos pontos artísticos mais vibrantes da cidade, o Jardim da Água por Ferreira da Silva, foi usado como arraial eletrónico, e exposição de seis artistas em tábuas de serradura mal instaladas, que quase caiam com fotocópias de trabalhos, e outros não identificados. Era aqui, que o sentido coletivo de se ser e fazer arte era bem-vindo e deveria ter sido aplicado. As oportunidades de instalação e performance neste espaço eram infinitas, e ainda que houvessem tentativas louváveis (como por exemplo a instalação de vários bustos femininos pendurados nos troncos de uma árvore, e um vídeo de parkour que circulou no Facebook), estas por sua vez ficaram no anonimato, e não desenvolvidas o suficiente para terem o impacto que este património pede.

Peças não acabadas, locais mal explorados, uma abstinência profissional no mapa, foi tudo aparente e real. A realidade das casas e os horários no mapa não correspondiam, posters e folhetos informativos com erros ortográficos, arte em salas sem iluminação e obras de arte que pareciam desmoronar-se se respirássemos mais fundo do que o normal, com a agravante de não se verem nem nomes de artistas nas paredes das casas, nem informação escrita disponível, a não ser o mapa que descreve o título da casa e a sua morada.

É com isto que queremos dizer a um público conservador que ser artista é uma profissão acreditável? Tenho sérias dúvidas que seja esse o objetivo do CLN. Mas a verdade é que estudantes são os profissionais de amanhã, e estes estudantes estão a não perder, mas também a não ganhar com o CLN. Como referi anteriormente, começou – o espírito – por uma mostra de trabalhos rejeitados pela instituição. Então porque estou eu a indagar e tentar sobrepor parâmetros usados por instituições e estandardizações da indústria numa iniciativa que é de uma natureza oposta? Porque o CLN cresceu, porque já não estamos em 2001. Porque este evento é de um potencial internacional gigante, e mais ainda, porque este evento já tem uma escala regional (e até nacional) grande o suficiente para pôr em primeiro plano os artistas, e a sua arte, para promovê-los como profissionais credíveis que virão a ser. Porque já vi coisas que não perderam a sua essência anti-institucional, mas que, no entanto, sabem que ser profissional é crucial para a educação de públicos. A desconfiança do público mascara-se de festa e isso é denigrível para os artistas. Tal como é acreditar que o ermita é positivo para a arte por que é romântico. Não é! Porque o ermita, por razões tortas e distorcidas, representa o amadorismo ao qual a art scene regional se renegou, e a profissionalização (o desenterro do ermita) não retira nenhuma essência à arte. Antes pelo contrário, profissionalizar não significa sanitar, significa ter consciência que o artista está a dar um pedaço de si, e reconhecer que esse é o seu trabalho.

Hoje em dia nos centros urbanos, as artes são indispensáveis para uma vida harmoniosa, uma economia cultural estável e uma vida comunitária interativa. As artes, são um aspeto solidificado na vida contemporânea, principalmente nas metrópoles. O que o CLN me leva a questionar é se será que a descentralização das artes é um processo difícil por causa dos seus atores, e não necessariamente só dos agentes, ou falta destes? Os agentes, abundantes, pelo menos no distrito de Leiria, estão dispostos a incluir amadorismo, e em consonância, o Instituto do Emprego e Formação Profissional em Portugal não consta de artista nem de agente cultural enquanto profissões. Este é sim, um exemplo em que a ideia de romance é realmente traída, pois é penalizada a possibilidade de reconhecimento do que é ser artista na cultura profissional nacional. Isto inibe a integração do artista numa vida social saudável e ativa, o que leva à ostracização, que por sua vez leva ao isolamento, que volta a trazer-nos amadorismo e falta de confiança do público, que deixa de se educar.

O que quero dizer, é que a profissionalização das artes pode parecer antirromântica para os estudantes de artes, mas no fundo, faz exatamente o contrário: valida o valor societal dos artistas, e o seu intelecto e capacidades. Não deixa de validar o tal romantismo por qual o público tanto anseia, somente o enaltece. E esta é mais uma batalha para os artistas, que não foi desta que vi ser travada no Caldas Late Night. As Caldas da Rainha têm vários agentes e mecanismos, e a descentralização começa-se a fazer sentir através do seu trabalho. Os atores, no entanto, soltaram um grito tímido a seu público, que eu senti estar num período de ovulação. É necessário que eduquemos públicos não urbanos para a continuidade e visibilidade das artes, mostrar-lhes que vale a pena acreditar e investir numa descentralização profissional, e que isso é possível de acontecer sem se magoar a coerência da essência da arte que os atores queiram mostrar. Antes pelo contrário, que a profissionalização só fortalece a sua essência e a experiência do público.

 

 

 


Inês Ferreira-Norman
Trabalha em gestão artística desde 2007, então, no Reino Unido. Mudou-se para Portugal em 2019 e actualmente continua a ser editora do JAWS (Journal of Arts Writing by Students publicado pela Intellect) e é diretora da Matéria Cíclica. A linguagem sempre fez parte da sua prática artística, a qual encontrou um renovado fervor crítico desde que terminou o mestrado em Livros de Artista e Belas Artes em 2017. Trabalhar com artistas só lhe dá mais vontade de trabalhar com artistas e de falar sobre artistas. E pensar arte.