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5ª BIENAL DE BERLIMFILIPA RAMOS2008-05-145ª BIENAL DE BERLIM When Things Cast No Shadow 05.04.08 – 15.06.2008 Parece ser um título irónico, o desta 5ª edição da Bienal de Berlim. Como pode uma cidade profundamente marcada pelo passado – com os seus edifícios, estradas, praças e monumentos inevitavelmente associados à conturbada história da Alemanha moderna – ser anfitriã de um projecto curatorial intitulado “When Things Cast No Shadow?”. Embora a proposta de leveza e de imaterialidade sugerida pelo seu nome possa conter em si um desejo de superar o peso esmagador da história, a memória – uma constante, viva e presente em cada esquina da cidade de Berlim – não nos permite o convite ao oblívio materialista do seu título. O mesmo sucede com a selecção das obras apresentadas, profundamente enraizadas na re-elaboração de elementos culturais provenientes do passado, que é, aliás uma das principais tendências dos dias de hoje, já que grande parte das práticas artísticas actuais encontram a sua grande fonte de inspiração na investigação e documentação da história recente. Os responsáveis pela realização da Bienal, Adam Szymczyk, o antigo comissário da Foksal Gallery de Varsóvia e a crítica de arte Elena Filipovic resumiram as suas inteções curatoriais em poucas linhas: “When things cast no shadow, the 5th Berlin Biennial for contemporary art, brings together artists from different generations and nationalities in an exhibition by day and night that aims to trace the diversity of art practices today (…) it is an open structure in five movements without a plot.” Sem qualquer elemento de união evidente entre as diversas obras, para além de serem, na sua opinião, criações representativas da diversidade das práticas actuais, e sem qualquer declaração de intenções, temas ou pontos de pesquisa para além deste statement, cabe ao visitante encontrar o fio orientador que poderá, eventualmente, criar um diálogo entre as obras apresentadas, os espaços escolhidos e as dinâmicas que entre eles se articulam entre todos estes elementos que, recordemo-nos, se estruturam em torno ao seu denominador comum de não deixar sombra. Esta é uma tarefa árdua, dada à extensa variedade de modalidades e práticas apresentadas, que percorrem temáticas tão díspares quanto a intimidade partilhada de Michel Auder (Soissons, França, 1945), que nos seus vídeos “my last bag of heroin” e “polaroid cocaine” nos confronta com a degradante realidade do consumo de drogas; a intimidade colectiva, aqui mais invadida do que partilhada, através do olhar voyeurístico do artista japonês Kohei Yoshiyuki (Hiroshima, 1946) que apresenta a série de fotografias “Park” em que documenta actos sexuais em parques públicos no Japão. Esta forma de exposição do universo privado, quase doentio e obsessivo é igualmente visível na curta metragem “Berlinmuren” do artista norueguês Lars Laumann (Brønnøysund, 1977). Este documentário resulta da descoberta do artista de um website em que uma cidadã sueca, Eija-Riitta Berliner-Mauer, afirma ser casada com o Muro de Berlim. Após entrar em contacto com esta figura, Laumann traça, sem delinear qualquer juízo moral, o retrato desta intrigante e inquietante personagem. De facto, um elemento comum às pesquisas fortemente documentais destes artistas é a apropriação de um modo pessoal e privado de elementos culturais definidores da cultura actual, assumindo a impossibilidade de conhecer e de expressar a realidade senão através da experiência privada e de certo modo incomunicável de cada indivíduo. Apropriando-nos das coisas, elas tornam-se nossas e existem somente na nossa mente, já que os limites da linguagem nunca nos permitirão expressar o nosso pensamento total sobre ela. Assim, as coisas, na sua existência fragmentária e incompleta, feita de versões de mundos, não têm sombras e existem plenamente só no mundo das ideias. Irrealismo filosófico aplicado às artes? Parece ser uma aventura interessante quanto complexa, mas de novo, esta é apenas uma conjectura, já que desconhecemos a intenção de base desta Bienal. Do ponto de vista formal, uma das obras de maior impacto (e que contrasta com a atitude discreta, marcada por intervenções mínimas de grande parte da exposição), é a “Ground Control” do jovem artista turco Ahmet Ögüt (Diyarbakir, 1981), que cobriu o piso térreo do KW de alcatrão, deixando o restante espaço expositivo totalmente vazio, numa referência às políticas governamentais turcas, que utilizaram a renovação das estradas como símbolo de modernização e de progresso deste país. Tomando como ponto de partida outro elemento do espaço público urbano, a obra “The Naked City” (que consiste em duas instalações, divididas entre o espaço da Neue Nationalgalerie e o Skulpturenpark e numa pequena publicação), do artista português Pedro Barateiro (Almada, 1979), estabelece um interessante diálogo arquitectónico e topográfico através da reprodução à escala real de duas paragens de autocarro soviéticas. Destituídas da sua função e alienadas do seu contexto original, ao serem reinterpretadas na cidade de Berlin, as duas estruturas ganham uma nova vida e um significado que ultrapassa largamente o seu estatuto utilitário. “Untitled (Fist)” do artista polaco Piotr Uklanski (Varsóvia, 1968), é outra instalação que cria um diálogo com a história e a política do século XX. Inserida à entrada da Neue Nationalgalerie, este enorme punho de metal evoca de modo descontextualizado um dos principais símbolos do imaginário soviético. O Skulpturenpark localiza-se num descampado entre edifícios residenciais que divide as zonas de Kreuzberg e Mitte. Aquando da construção do muro em 1961, esta zona era conhecida como a “Faixa da Morte”. Uma sensação de total desolação e abandono pairam neste estranho espaço desabitado. A peça de maior destaque (para além da obra já referida de Barateiro), será provavelmente a instalação sonora “What every gardener knows” de Susan Hiller (Tallahassee, 1940), uma transposição para sons de códigos genéticos das plantas que ecoa periodicamente a um carrilhão minimal que confere um ambiente extremamente poético ao local, acentuando a sua solidão ao mesmo tempo que manifestando uma presença invisível. Esta 5ª edição da Bienal de Berlim mimetiza-se com o tom discreto e solitário da cidade e as coisas, de facto, não precisam de traçar sombras. Estas existem já, por si, independentemente da sua configuração material, e o mesmo espírito parece atravessar as obras apresentadas, que evocam e criam ligações que ultrapassam as suas delicadas representações formais. Filipa Ramos |