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SOCIÉTÉ ANONYME: UM ESPAçO DE REFLEXãO EM PARISSÍLVIA GUERRA2007-04-24“Société Anonyme” De 14 de Março a 13 de Maio 2007 Le Plateau – Frac, Île-de-France Place Hannah Arendt, Paris Uma carta com o enigmático remetente “Société Anonyme” apareceu na minha caixa de correio em Paris. Teria Duchamp, cujo nome, este ano, é pronunciado em todas as conversas e sobre quem proliferam biografias e revistas monográficas nas prateleiras das livrarias parisienses, saído do território dos mortos para reanimar a sua “Societé Anonyme Inc.”? Na realidade, a designação foi tomada de empréstimo a Marcel Duchamp, mas o convite foi feito por Natasa Petresin, uma das comissárias deste projecto, juntamente com Thomas Boutoux e François Piron. “Société Anonyme” não é uma exposição como as outras: é um lugar de encontro e de discussão como todas as sociedades anónimas, e que é preciso frequentar periodicamente. Inserida no programa “Hospitalités”, um evento em que participam 25 locais dedicados à arte contemporânea, da rede TRAM, e organizada pelo Le Plateau, ligado administrativamente ao Frac (Fonds Régional d’Art Contemporain) de Île-de-France, “Société Anonyme” é um lugar temporário de pesquisa. O Le Plateau, actualmente dirigido por Caroline Bourgeois, convida frequentemente comissários e artistas a promover eventos e exposições. Em 2006, acolheu uma selecção de artistas sob o comissariado de Pedro Cabrita Reis e para este projecto reuniu três jovens comissários independentes que, por sua vez, convidaram um conjunto de estruturas artísticas ou grupos de artistas baseados em varias cidades do globo (Anvers, Berlim, Nova Iorque, Zagreb, Barcelona, Cidade do México, Copenhaga, Moscovo e São Petersburgo). O objectivo de “Société Anonyme” é mostrar a actividade artística em processo, na sua fase de pré-produção e nas comunidades de trabalho. Pretendendo ser um atelier colectivo ou um teatro de operações, é uma exposição de trabalho e não de obras. Itinerário dentro da “Société Anonyme” No hall do Le Plateau, deparamos com uma biblioteca/ videoteca com o aspecto de uma livraria de centro de arte contemporânea, um projecto da B_Books de Berlim. Esta “ sucursal ” da livraria existente na capital alemã (desde 1993) funciona como um ponto de encontro artístico, com actividades editoriais (desde 1998), publicando também uma revista anual, a “A.N.Y.P.”. Na parede de entrada, onde habitualmente se imprime o nome da exposição em grandes letras, existe uma espécie de placard de anúncios diversos de uma Universidade — aqui, anuncia-se o “problema da semana” que é a temática a ser discutida nas mesas redondas de sábado à tarde, os workshops em curso, os jantares, as festas e os eventos previstos. Continuando a visita pelo espaço, encontramos o laboratório de sinestesia dirigido por Erick Beltrán. Este activista, baseado na Cidade do Mexico, desenvolve uma actividade que combina arquivo e publicações, pretendendo desconstruir os sistemas de representação através dos processos de comunicação utilizados. Ele esta lá, todos os dias, a falar com os participantes do seu workshop e com o público em geral. Entramos a seguir num A , B , C, D, da República Checa, ou seja, 26 obras de artistas checos de diversas gerações, tantas como as letras do abecedário, um projecto dentro do programa “Tranzit”, financiado pelo banco austríaco Erste Bank; as letras que intitulam os projectos vão mudando ao longo das semanas. Noutra sala, um estúdio que, ao longo do dia, se apresenta ora deserto ora com toda a equipa de participantes, é o set de tv-tv, uma rede de artistas vinda de Copenhaga. Os seus membros colaboram para a realização de programas televisivos num canal independente (Kanal KØbenhavn) e pretendem com o seu trabalho questionar este meio de comunicação, tendo como objectivo produzir uma televisão crítica que acabe com a ideia do consumidor passivo. Realizam novos programas em Paris empenhados no contexto cultural e social francês. “16 Beaver/Un Groupe comme les autres” é um site nova-iorquino de “actividade contínua” que, desde a sua criação, produziu mais de 300 eventos que vão de refeições comunitárias a seminários sobre filosofia, passeios e exposições. Durante a “Societé Anonyme”, conduzem uma pesquisa sobre a “questão dos arredores” de Paris e os violentos confrontos que tiveram lugar em 2005, discutem tambem a polarização Paris/arredores, no contexto da campanha presidencial agora em curso. Tere Recarens, artista em tere-moto, realiza as suas acções aparentemente impossíveis in situ nesta exposição. Numa das últimas passagens, fazia uma buraco minúsculo na parede que não permitia o voyeurismo mas a autocontemplação num espelho do tamanho de uma pupila. Estas são algumas das actividades a que assisti durante as minhas visitas periódicas. Todos os participantes em “Societé Anonyme”, provisoriamente instalados em Paris, não são franceses, mas discutem a situação desta cidade, deste quarteirão histórico e desta democracia. É de salientar que o Le Plateau se situa num dos arrondissements acentuadamente multiculturais de Paris, o 19, onde, dentro das fronteiras invisíveis mas nomináveis administrativamente da capital francesa, num bairro operário de início de século XIX, se juntaram famílias de artistas e intelectuais, devido ao custo inferior das rendas das casas, bem como parte da imigração dos países árabes. Como Duchamp, juntamente com Katherine Dreier e Man Ray, em 1920, pretenderam levar a arte moderna aos Estados Unidos, estes três comissários trazem exemplos do resto do mundo artístico independente a Paris, repensando a sua contemporaneidade por processos de trabalho. Este espaço de reflexão, ligado a uma análise do processo artístico, terá, por vezes, uma difícil leitura por um público não iniciado que se depara com uma “não-exposição”, mas sim, com um estaleiro de ideias. No entanto, este estaleiro é muito bem vindo para arejar as ideias da capital da democracia tricolor do Velho Continente. Sílvia Guerra Crítica independente |