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PERSPETIVA ATUAL


Vista geral da exposição Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Vista geral da exposição Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Vitrinas de correspondência e outros artefactos. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Detalhe da vitrine. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Entrevista Hatoum e Archer. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Instalação de material impresso. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Livros na mesa de cozinha. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Livros falantes em caixas e sobre caixas. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Point d'Ironie. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman


Archive guide na redoma. Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist. Fotografia: Inês Ferreira-Norman

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Livros
(em caixas)
sobre as caixas
(em vitrines, abertos e acompanhados)
(em vitrines, fechados e acompanhados)
(em vitrines sozinhos e fechados)
À solta na mesa da cozinha
(famílias de livros dentro de vitrines, maioritariamente fechados)

Objetos impressos
(em vitrines, sobrepostos por outros objetos)
(em vitrines, legíveis)
Em modo instalação
Na parede

Caso especial: Point d’ironie

 

Prelúdio

O arquivo é uma componente de bibliotecas (e outras instituições) que sempre me fascinou, mas infelizmente, não desde muito cedo. Onde e quando eu cresci, as bibliotecas definhavam quer em espólio, quer em públicos, e as que me rodeavam estavam cheias de livros de ficção e enciclopédias generalistas de muitos volumes que não me interessavam pelo seu discurso generalista e superficial. Não me foi explicado que bibliotecas são também museus e a primeira vez que ‘pus as mãos’ numa coleção de um arquivo foi em Dorking, Surrey (Reino Unido), onde vivi quase dois anos, e pude ver e tocar em todo o arquivo de pautas musicais de Vaughan Williams e outros mais compositores que ali se encontravam (hoje em dia este espólio encontra-se ainda em Surrey, mas foi transferido para Epsom). O cheiro era inconfundível: papel antigo e higienizado colocado em alcatifas institucionais. Mas a experiência tátil, foi uma viagem sensorial no tempo, pois tocar nas mesmas folhas que o compositor tocou foi como tocar nos seus próprios dedos.

 

O arquivo vivo

Em Arquivo Perpétuo: as publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist [1]:
‘Uma exposição tem de criar uma vida própria. Arquivo Perpétuo é uma exposição onde acontece exatamente isso, decorre ao longo de um período de oito meses, e em cada mês novos materiais são acrescentados à mostra, como uma série de capítulos que se vai desenvolvendo.’ Joseph Grigely

Hans Ulrich Obrist tem na sala de exposições da Biblioteca de Serralves até agosto uma exposição do seu arquivo. Este é um todo um projeto em si mesmo cujo processo é possível conhecer através do seu blog. Obrist é um curador marcante, importante e inegavelmente inteligente. Trabalha com os temas vanguardistas da arte em qualquer que seja a década, sendo a vanguarda muitas vezes a sua voz, mas o seu vincado interesse em publicações é para mim o que o torna um curador exemplar, aquele que enverga o ‘Obrist factor’. Numa era em que tudo se torna digital, numa era em que até as experiências táteis ou sensoriais se querem digitalizadas através de capacetes de realidade virtual e sensores 3D, o meu saudosismo pelo poder da palavra tátil leva-me a investigar e refletir sobre a tenacidade desde curador e de Sónia Oliveira, coordenadora da Biblioteca de Serralves. Este é um tema que me preocupa, a vida e relevância do arquivo, do acesso às publicações, do acesso tátil aos livros de artista e material impresso, e a disseminação real (versus virtual) do seu conteúdo. Em outubro de 2019, escrevi aqui mesmo na Arte Capital, ‘Problemas na Era da Smartificação: o arquivo e a vida artística e cultural regional’ e coloquei várias questões que esta exposição museológica do arquivo de Obrist respondeu, expandiu ou agravou. Vou revisitar estas questões.

2019: Pergunto-me qual é o valor que a correspondência entre e sobre artistas terá num futuro não tão distante?
2022: Curadores como HUO ainda lhe dão valor, tanto que o seu arquivo tem inúmeras vitrines dedicadas à correspondência entre si e outros artistas, e entre artistas que colaboraram com ele.

2019: Como valorizar a vida pessoal do artista? 
2022: O espaço museológico é por si só interpretado como aquisição de valor para tudo o que é exposto nele. No caso particular da vida pessoal do artista, implica equalizar disseminação com valorização. No entanto o espaço museológico é também visto como um espaço elitista e não democratizante. Haverá, portanto, fases, etapas e contextos diferentes do que é a democratização e a valorização? Sim, poder obter um vislumbre das relações interpessoais dos agentes artísticos é uma forma de disseminação, estes permanecerem dentro de vitrines uma forma de valorização. A vida pessoal do artista está inerentemente no seu trabalho, o que aqui vemos são os bastidores, como se de mexericos se tratassem, um impulso que à natureza humana não escapa. No entanto, não são mexericos, são a obra de alguém que se dedica a uma prática curatorial que ‘consiste em criar ligações entre pessoas, disciplinas, espaços de exposição e continentes – uma prática sustentada de hifenização cultural’ [1] (Joseph Grigely). Posso constatar isso quando li um excerto apresentado de uma conversa entre Michael Archer e Mona Hatoum que explicava por que é que uma das suas peças foi censurada pela ICA (Instituto de Arte Contemporânea, Londres) e pela Slade School of Art. Este excerto valoriza a vida (e obra) de Hatoum, pois agora sabemos concretamente, factualmente e com detalhe, que o trabalho dela já foi censurado. Antes desta exposição, esta comunicação foi censurada até do livro publicado pela Phaidon que Archer estava a compilar.

2019: Caberá, hoje em dia, ao artista imprimir esses e-mails importantes para marcar esses momentos? 
2022: Se avaliarmos por esta exposição, podemos verificar que cabe ao curador.

2019: Será a imortalidade virtual o advento do novo formato de arquivo?
2022: Esta é uma pergunta complexa... e vou pegar no exemplo do Point d’Ironie (1997-) para explorar a questão. O Point D’Ironie é um projeto paradigma do paradigma dos livros de artista da época de 60, aquando se deu a sua instituição como meio e objeto artístico entre artistas e eventualmente curadores. Isto é, artistas que queriam escapar às limitações das galerias de arte comerciais e instituições museológicas, e que queriam ver o seu trabalho disseminado. Um dos exemplos mais notáveis do início deste movimento foi o livro icónico Twentysix Gasoline Stations, 1963 de Edward Ruscha, com 400 exemplares impressos, numerados, e vendido por $3, que a Artforum em Março de 1964 anunciou ter sido rejeitado pela Library of Congress. Ruscha mais tarde fez uma terceira edição em 1969 de 3 000 exemplares, sobre a qual disse: ‘não estou a tentar criar algo precioso como uma edição limitada, mas sim um produto feito em massa de alta ordem’ [2]. O Point d’Ironie é um projeto de HUO e de Christian Boltansky iniciado em 1997 que surge de uma conversa sobre a distribuição do objeto artístico. ‘Criar livros em números entre os 100 e os 20 000 tem um custo parecido, a distribuição é que é o problema’ [3] diz Boltansky. Com a colaboração de agnes b. conseguiram chegar a escalas industriais e distribuir 100 000 cópias deste parco livro, que se assemelha a um poster (razão pela qual lhe foi renunciado um ISBN) e com isso perder de vista a quem ele chega. Este nível de democratização foi uma pequena revolução no mundo da arte, mas agora, Boltansky e HUO debruçam-se sobre as oportunidades que a internet lhes podem trazer neste sentido. Está tudo online. Todos os números. E para além das cópias físicas distribuídas por lugares sem fim, o Point D’Ironie existe também no seu estado imortal.

O Point D’Ironie foi dos poucos objetos nesta exposição que me senti convidada a tocar. Trouxe também (não sei se com autorização) uma cópia de ‘Hurricane’ de HUO e Rirkrit Tiravanija, editado por Danny Snelson & Kenneth Goldsmith, e publicado por /ubu editions. No entanto após verificar no seu site a ubuweb afirma: ‘o nosso servidor e banda larga é doada por um grupo de intelectuais que pensam da mesma forma e acreditam no acesso livre ao conhecimento’ [4]. São praticantes abertos de pirataria artística e acreditam na disseminação da obra de arte, por isso, penso que ninguém virá correr atrás de mim à procura de um poema lascivo impresso ou fotocopiado em folhas de escritório A4.

A questão que daqui emerge é mesmo se a valorização e disseminação são objetivos que se impedem. O projeto Point D’ironie tem uma relevância única pelo feito histórico da aproximação industrial à obra de arte e a pura dimensão relativamente à quantidade de pontos de distribuição. As correspondências pessoais por detrás de uma redoma são valorizadas através da sua museificação. E então este poema Hurricane? E então o livro ‘Hans Ulrich Obrist archive: A visitor’s guide’ cujo valor é guiar o visitante pela exposição, mas estava interdito o seu acesso, por culpa da redoma museológica? A verdade é que o material impresso tem uma dimensão distinta do livro, sendo Point D’Ironie e Hurricane híbridos, não consigo responder a esta questão.

 

Ouvir os Livros

(em caixas): ‘Tenho mofo para dar e vender, queres pó de que país? É que HUO é bem viajado, se quiseres podes guardar numa urna e depois espalhas no oceano quando o livro morrer’
sobre as caixas: ‘PEGA-ME!!!! PEGA-ME!!! Ninguém está a ver...vá lá!’
(em vitrines, abertos e acompanhados): ‘mmm mmaa nnnnwo sss ppppeeee ooo’
(em vitrines, fechados e acompanhados): ‘_______’
(em vitrines sozinhos e fechados): ‘knock knock, knock knock, deixem-me sair’ (só audível com estetoscópio)
à solta na mesa da cozinha: (muito baixinho) ‘Senta-te à mesa connosco, o curador deixa’
(famílias de livros dentro de vitrines, maioritariamente fechados): ‘Os meus irmãos têm a mania que são melhores do que eu, mas somos todos iguais! Pelo menos estamos todos na mesma situação.

Os livros querem ser tocados, cheirados, lidos, vistos: são objetos tão completos, tão generosos. A nossa relação (tátil) com os livros começou – discutivelmente – na China quando o papel foi inventado cerca de A.D. 105. Já lá vão quase dois milénios. A história da tactilidade mudou radicalmente em 1965 quando E.A. Johnson inventou a primeira tela/ecrã sensível ao toque. É incrível como em meras 4 décadas versus 2 milénios, o interesse pelo livro enquanto objeto cultural se polarizou tanto: cada vez lemos mais em aparelhos, ignorando o objeto em si, ou temos de nos deslocar a museus para termos encontros de 2º grau com estes. Digo de 2º grau, pois numa exposição museológica, não lhes podemos tocar. E aí, falha a democratização que foi intencionada para os livros que por norma são expostos nestes contextos. Na exposição do arquivo de HUO há duas exceções, Hurricane e Point d’Ironie, as quais até podemos levar para casa, mas frustrou-me bastante não poder desfolhar (entre outros) ‘Hans Ulrich Obrist archive: a visitor’s guide’. Dentro de uma redoma, este livro gritava sem ninguém o ouvir.

Há ainda, uma tábua de salvação, como as Bibliotecas de Serralves e da Gulbenkian (em Portugal) que permitem consultar sob pesquisa e luva branca exemplares fantásticos da história dos livros, e aí encontros de 1º grau acontecem... no entanto é necessário alguma bagagem para este encontro ser bem sucedido, enquanto que o propósito de uma exposição deveria ser facilitar a construção dessa bagagem.

Em 2022, desfolhar (mesmo que com luvas) livros únicos, ou com história, ou com valor cultural, é uma experiência tão forte que em minha opinião é necessário ser incentivada. Compreendo a dificuldade de o fazer, não podemos ignorar a necessidade da conservação, mas talvez este seja um bom pretexto para o design de exposições realmente inovar com uma curadoria ‘humanizada’, e não necessariamente reverter a mais uma experiência digital que acaba sempre por ser proxy. A exposição de arquivo é um dos tipos de exposição que mais desesperadamente precisa de inovação na tactilidade. A exposição de arquivo não é como uma exposição de pintura, de escultura. É uma exposição íntima, que requer intimidade. E vitrines não são permissivas, mas sim obstáculos à intimidade. Este foi um dos muitos princípios que me fez apaixonar por livros de artista: são obras de arte íntimas.

As ideias serão muitas se as perguntas forem feitas às pessoas certas e o valor dado à experiência tátil. E com génios como HUO apoiados pela dedicação e conhecimento de pessoas como Sónia Oliveira, imagino o quão rica e extraordinária seria tal experiência. Esta é uma reflexão sobre tatilidade, somente um aspeto da curadoria de uma exposição que é fantástica e que vale a pena ver e ler. Sentimos a flexibilidade, o cuidado vasto que este curador tem para com as relações com as pessoas com que se cruza, e vê-se claramente o trabalho que foi dedicado a tornar a leitura deste arquivo numa experiência dinâmica. E esse é todo um caminho feito e já percorrido em direção ao acesso íntimo da obra de arte, e consequentemente, no contexto do arquivo, ao material impresso e aos livros que nele cabem.

Generalizando esta experiência que adicionei à minha bagagem relativamente ao livro de artista, penso que hoje em dia é necessário que mais pessoas experienciem tais relíquias, quer pelo contexto digitalizante que estamos a sofrer enquanto sociedade, quer porque o processo tátil é sensorial e fenomenológico, o que implica que ganhamos conhecimento desta forma. Para não falar de que este é um direito que estamos a negar predominantemente ao próprio livro: este que quer ser manuseado, descoberto, lido, em nossos corações completamente guardado.

 

 

Inês Ferreira-Norman
Trabalha em gestão artística desde 2007, então, no Reino Unido. Mudou-se para Portugal em 2019 e actualmente continua a ser editora do JAWS (Journal of Arts Writing by Students publicado pela Intellect) e é diretora da Matéria Cíclica. A linguagem sempre fez parte da sua prática artística, a qual encontrou um renovado fervor crítico desde que terminou o mestrado em Livros de Artista e Belas Artes em 2017. Trabalhar com artistas só lhe dá mais vontade de trabalhar com artistas e de falar sobre artistas. E pensar arte.

 

 

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Notas e Referências bibliográficas

[1] Pamfleto da exposição em Serraves ‘Ever Archive: The Publications and Publication Projects of Hans-Ulrich Obrist’

[2] https://www.tate.org.uk/about-us/projects/transforming-artist-books/five-artist-book-summaries/edward-ruscha-twentysix-gasoline-stations-1963

[3] tradução livre de http://www.pointdironie.com/origine_en.php

[4] https://ubu.com/resources/about.html


Inês Ferreira-Norman, Problemas na era da smartificação: o arquivo e a vida artística e cultural regional, 2019-10-05, Artecapital 

Arquivo Perpétuo: As publicações e os projetos editoriais de Hans Ulrich Obrist, Biblioteca de Serralves, 12 nov 2021 - 15 ago 2022

The HUO Archive
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