|
CATÁLOGO MUNCH: UM POEMA DE VIDA, DE AMOR E DE MORTEMARC LENOT2022-11-03
A França, ainda que tenha sido um país crucial para Munch no final do século XIX e onde passou muito tempo entre 1885 e 1914, não tem pinturas de Munch (apenas duas, e não muito boas), temos muito poucos livros originais sobre ele em francês (a maioria são traduções), mas temos catálogos de exposições, e de bastante boa qualidade: se os de 1952 (a sua primeira exposição em França, no Petit Palais), de 1969 (Musée des Arts Décoratifs e Palais des Beaux-Arts de Lille) e de 1974 (Musée National d’Art Moderne) são bastante sumários, os publicados depois de 1991 são de boa constituição: Munch et la France no Musée d'Orsay em 1991, Munch ou l' Anti-Cri na Pinacothèque em 2010 (sem qualquer empréstimo do Munch Museum), L'oeil moderne no Pompidou em 2011, e agora o catálogo da actual exposição no Musée d'Orsay, com o subtítulo "Um poema de vida, de amor e de morte" (aqui algumas páginas para folhear). O primeiro ensaio, pela comissária da exposição Claire Bernardi, aborda um tema raramente evocado, a estratégia do artista que constrói toda uma narrativa e uma encenação em torno da sua obra, com o objetivo de a tornar conhecida, de a explicar e de vender os seus quadros e gravuras. Como homem de negócios informado (riquíssimo a partir da década de 1910), nos antípodas da imagem do artista pobre e maldito que assombrou a sua juventude, ele controla a exibição das suas obras em detalhe e cuida também da sua posteridade e imagem futura, póstuma. Não é muito frequente de ler este tipo de análise sobre qualquer artista que seja, e este ensaio (em parte inspirado pelos trabalhos de Patricia Berman) é bem-vindo. O ensaio de Øystein Ustvedt (Galeria Nacional, Oslo) percorre a vida de Munch através dos lugares onde viveu e as redes que frequentava, mostrando um homem sociável e aberto, e não o misantropo misógino que pintamos tantas vezes. O texto de Pierre Wat é interessante porque analisa a dimensão cíclica de Munch, a sua "linha sinuosa" feita de repetições, de variantes, de remontagens, de circulação entre diferentes suportes. Se o Friso da Vida é o melhor exemplo, é um procedimento que reencontramos em toda a sua obra. Trine Otte Bak Nielsen (Museu Munch) escreve sobre a dimensão vital de Munch, a sua relação com a natureza e a ciência, a sua visão holística, apresentando a hipótese que de que foi inspirado por Ernst Haeckel (mas sem mencionar Otto Weininger, que se tornou pouco recomendável, mas que Munch havia lido com interesse, como sabemos). Três textos mais específicos completam a primeira parte do catálogo: Ingrid Junillon (também autora de uma tese e de um livro sobre Munch e Ibsen) explora as suas relações com o teatro e, além de Ibsen, com Strindberg, Lugné-Poe e Max Reinhardt. Patricia Berman (que muito escreveu sobre Munch) limita-se aqui ao estudo das suas pinturas murais para a Universidade. Hilde Bøe apresenta Munch escritor: ele publicou pouco, mas os seus arquivos contêm milhares de pequenos textos mais ou menos desconexos. Um website do Museu Munch é dedicado à digitalização de cerca de dois terços desses pequenos textos, em norueguês; alguns são traduzidos em inglês, e um número muito pequeno é (mal) traduzido em francês. Felizmente, Jérôme Poggi (que mostra atualmente, e até 5 de novembro, três pinturas de Munch e um desenho na sua galeria) publicou desde 2011 uma excelente selecção em francês; duas outras pequenas recolhas acabaram de aparecer (esta e aquela). A segunda parte do catálogo retoma mais ou menos o percurso da exposição com as secções: ‘Do íntimo ao simbolismo’, ‘O Friso da Vida’, ‘Repetição e circulação do motivo’, ‘O grande cenário’, e ‘Encenação e introspecção’, com algumas páginas introdutórias para cada secção, mas sem informações individuais das obras. Além disso, uma cronologia bem feita, mas com algumas pequenas imprecisões (por exemplo, Munch não esteve cego durante vários meses em 1930, mas sofreu de deficiência visual no seu olho direito, e eu já revelei que Milly Thaulow não era em 1885 uma "figura importante da emancipação feminina na Noruega"); uma bibliografia muito completa (mas que, grave, exclui as obras literárias inspiradas por Munch, e, pena, o magnífico filme de Peter Watkins, disponível aqui em turco e norueguês com legendas em inglês), a lista das obras e o índice. Em resumo, um catálogo muito bom (recebido no serviço de imprensa).
Marc Lenot |