|
SUPERNOVA _ O FASCÍNIO DA CULTURAVICTOR PINTO DA FONSECA2021-03-17
Dividirei este texto em duas partes — na primeira, tentarei fazer uma análise conceptual da dialéctica ciência e cultura. Uma segunda parte, tem por objectivo uma investigação crítica da complexa situação actual no contexto nacional para que se note a fragilidade da relação da cultura com a política e a sociedade e se procure na verdade o que está por trás.
Um inacreditável fogo-de-artifício cósmico: A fase paroxística em que as estrelas morrem, produzindo efeitos verdadeiramente espectaculares, tem um papel decisivo na formação do nosso sistema solar. Vale a pena descrevê-la: Um clarão de luz ofuscante atravessa o céu. De tal forma espectacular, que os terrestres inadvertidos, a milhares de anos-luz de distância, quando, no devido tempo, o avistarem, pensarão que aquele ponto luminoso, que apareceu inesperadamente no céu, não assinala a morte de uma estrela, mas indica o nascimento de um novo astro a que eles chamarão "nova estrela" ou "supernova". O espanto será universal e o fenómeno será registado nos anais, considerado um sinal de má sorte ou boa sorte, dependendo do caso e das conveniências. Guido Tonelli: Da mesma forma que a força de Zeus lança os Titãs no abismo, a gravidade, enfurecida por causa de todo o tempo perdido a lutar contra a força nuclear, agastada porque esta a privou até aqui da sua supremacia, vinga-se e celebra o seu triunfo com um assustador grito inaudível, que dilacera a estrela e arremessa os seus fragmentos no espaço a velocidades monstruosas. "Genesis - A História do Universo em Sete Dias", p.150. A explosão de uma supernova é um dos espectáculos naturais mais incríveis que a nossa mente pode imaginar, mas é sempre bom que não aconteça muito perto de nós. — Desde a origem do Universo, de alguma forma todas as coisas materiais tiveram um início e terão provavelmente um fim (mas não a um mesmo ritmo): É uma consequência das leis da natureza [da fisica]! Mas deixem-me dar-lhes o antes que nos permite pensar através do tempo... Se recuarmos a 1927, Georges Lemaître está nos seus trinta e três anos, é um padre católico, formado em Astronomia, em Cambridge, e está a concluir o seu doutoramento no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O jovem cientista é um dos primeiros a compreender que as equações de Einstein podem também descrever um Universo dinâmico, um sistema de massa constante, mas em expansão, isto é, cujo raio aumenta com o tempo. Quando ele apresenta a sua ideia ao mais antigo e preeminente colega, o comentário de Einstein foi tremendo: "Os seus cálculos estão correctos, mas a sua física é abominável". O preconceito milenar da concepção do Universo como um sistema estacionário está de tal forma enraizado, que até a mente mais elástica e imaginativa da época rejeita a ideia de que ele possa expandir-se e de que, por isso, tudo tenha tido um início. Foram precisos anos de discussões e confrontos ferozes antes de esta novidade extraordinária se afirmar entre os cientistas, para se tornar do domínio público. Com a descrição destes acontecimentos extraordinários, o que a ciência faz é procurar entender a natureza, tornar-nos sensíveis à mudança (a um Universo dinâmico, em expansão), à inevitabilidade do desaparecimento. Dá-nos a noção de como tudo é matéria [efémero]. Todos nós somos "matéria" baseados no elemento químico carbono. O carbono é um componente-chave de toda a vida que ocorre naturalmente na Terra. Ele está presente em todas as formas de vida conhecidas e no corpo humano, como elemento básico. Agora as coisas ficam muito mais claras. Não podemos ignorar que o ser humano está profundamente ligado com a realidade de toda a vida Universal. Em qualquer experiência, estamos posicionados no mundo: dentro de uma mente, de um cérebro, de um lugar do espaço, de um momento do tempo. De facto, à medida que o mundo muda, nós, como suas partes, mudamos junto com ele. O ser humano não consegue pensar um lugar 'fora' da vida/ do mundo, está inevitavelmente dependente do tempo. (É fundamentalmente estruturado pela sua temporalidade.) Com esta perspectiva, a sua relação com o tempo e a cultura parece insuperável. A Cultura construída ao longo de milhões de anos assenta na consciência da morte, no termos conhecimento que vamos morrer um dia. É o factor crucial que nos fez chegar aqui: que nos leva à origem do pensamento, ao cérebro — o cérebro permite-nos pensar, essa especificidade extraordinária de raciocínio e criação, concebido no nível cognitivo puro. A cultura, é pois, informação para o cérebro. Sabemos através de sinais, que a memória, a criatividade e a imaginação estão ligadas, partilham os mesmos processos neuronais, e têm lugar nas mesmas áreas / partes do cérebro. Estamos definidos pela cultura (pela actividade do cérebro). Pelas nossas mentes e não pelos nossos corpos. Tudo o que somos são os nossos pensamentos, memórias e emoções, o nosso sentido de identidade. Stendhal, escreveu sobre a sensação de quase ter desmaiado diante dos frescos da Renascença na Basílica de Santa Cruz, em Florença, onde sentiu "uma espécie de êxtase" de ser absorvido na contemplação da beleza sublime. Arrebatamento [conhecido como Síndrome de Stendhal], que fez o seu coração bater tão rápido, que Stendhal pensou que iria entrar em colapso. Pierre Le Marquis, atribui essa reação, ao seu cérebro penetrado por emoções estimuladas pelo aumento da adrenalina [no] seu sistema nervoso visceral, podendo uma obra de arte, produzir novos estímulos para áreas do cérebro, que raramente são ativadas. "L'art qui guérit", p. 66. Diferentemente das ciências ditas exactas, que aspiram a um ponto de vista comum onde possamos estar de acordo (a experiência como critério de verdade), o conceito de cultura e arte nasce do devir humano, das mudanças pelas quais passam as mulheres e os homens (envolve a vida do ser humano). No entanto, pode ter também rigor científico, um rigor próprio do domínio humano: alcança esse rigor ao "densificar", entrecruzar, os seus referentes, que permitem (só eles raciocinar sobre outros pontos de vista) outras formas de conhecimento do mundo. A dialéctica ciência e cultura, na verdade, um relacionamento romântico, o mundo cultural e o mundo científico, a possibilidade de evoluir com as humanidades, a arte e a ciência integradas, com o pensamento e a produção de conhecimento totalmente incorporado em todas estas dimensões. Tendências diferentes mas que se inspiram — movidas pela curiosidade sobre a natureza e pela curiosidade sobre a condição humana (factos vs subjectividade e metafísica). É o tipo de inteligência humanista, gerada pela inter-relação, interpenetração de ambos [o raciocínio científico per sie e a intuição], e sermos muito produtivos. Simbiose que nos ajuda a perceber o mundo à nossa volta, a prever /projectar o futuro, para nos ajudar a sobreviver com qualidade de vida. E que nos faz avançar. Onésimo Teotónio Almeida: Barradas de Carvalho diz que De Leonardo da Vinci não sabia latim. Todavia, Kenneth Clark diz que foi mesmo o período da grande viragem da sua vida, esse em que estudou latim. "O Século dos Prodígios", p. 78.
Segunda Parte - O Paradigma Português É o estudo da cultura, a tendência para privilegiar as letras, a descoberta dos antigos [o consumo da literatura histórica], e as artes (a abstração do âmbito artístico), que faz nascer a ideia da competição com os clássicos e alimenta pelos séculos adiante a actividade criadora. A cultura alimenta a criatividade: É uma fonte/ jazida inesgotável de criatividade que traz o passado e o presente em simultâneo para as outras áreas do saber, da ciência à filosofia e à matemática, e noutras direcções interpretativas, da criação artística à criação tecnológica, contribuindo para a economia e o emprego, de uma forma decisiva. A ciência historicamente não está completa sem a cultura / a cultura está incrustada na ciência. No entanto, de tudo quanto hoje se sabe a dialéctica cultura e ciência e o seu grau de interferência /relação com a sociedade nunca foi muito forte, em Portugal. Nunca houve propriamente um conflito entre a política e as humanidades e as ciências exactas mas faz-se constantemente silêncio sobre a crónica incapacidade e ignorância do Estado para investir na cultura e na ciência, educação que nos permitiria alcançar qualquer transcendência ou um equivalente que fizesse o país dar um salto. A pergunta mais importante a fazer - o que deve primeiro ser questionado - é porque razão um grande número de responsáveis políticos... Bem, a maioria dos responsáveis políticos, não acredita na cultura? O questionar, é o aspecto da vida que está ligado à dissidência, ao desacordo, visa levar-nos para um território onde nunca estivemos antes, um espaço no qual as questões, as contradições, os confrontos, os conflitos e os encontros podem ter um lugar, mas cujo objectivo não é o de oferecer deliberações políticas; aquilo a que chamamos questionar não é neutro, haverá uma dimensão política mas não é um regime de política activa, não reside na ideologia ou na consciência alienada, não procura aconselhar, não se trata de poder (as suas práticas não estão enraizadas no poder, não tem relações com teorias que respondem a critérios ideológicos), mas de criar atrito e impulsionar novas ideias. Esta segunda parte representa uma análise crítica: Está interessada [no presente] em questionar qual o contributo dos responsáveis políticos para a construção da cultura e qual o nosso próprio papel para a edificação do pensamento crítico. Não pretende mais do que usar a história para entender o que está a acontecer connosco agora! Naturalmente, em Portugal há Museus e Bibliotecas, e pequenas e novíssimas estruturas de arte, que fazem parte contudo da cultura do país. A política cultural, no entanto, tanto nos conteúdos como nos seus orçamentos, parece proceder da estratégia megacionista do antigamente no modo de lidar / interpretar o pensamento crítico como se a ausência do questionar continuasse a ser em muitos aspectos o cúmulo da vanguarda.
De certa forma, esta visão não deve surpreender, dado que, muitos de nós em Portugal, somos historicamente vítimas de más lideranças políticas, que desempenham um papel importante no atraso cultural. Foucault: Sei perfeitamente que me encontro inserido num contexto. "Foucault, o pensamento, a pessoa", Paul Veyne, p.88. Quando somos criados com um défice cultural ou num contexto decadente esse mal-estar fica mergulhado em precariedade e instabilidade; tendemos a preencher as lacunas com a improvisação, a solução fácil, mas não necessariamente a certa, para construir suposições rápidas e muitas vezes erradas. A precariedade não permite que a vida / o trabalho progrida naturalmente / harmoniosamente, e isso é muito importante. Não acredita? — O atraso cultural não é um fenómeno que surja do nada, é estrutural, assenta na acumulação de erros de governação. Sabemos que recentemente o Parlamento Europeu recomendou que pelo menos 2% do programa de recuperação e resiliência (PRR) dos Estados membros sejam dirigidos "especificamente" para os sectores culturais e indústrias criativas. No entanto, o plano de recuperação e resiliência do governo português não define a cultura como dimensão estruturante! O erro é o governo ter uma visão errada, é pensar que a política se encontra a montante da cultura. Mas será uma verdade inevitável que a cultura não virá a beneficiar de investimentos do PRR, estará irremediavelmente excluída de acessos aos fundos do PRR? Que contributo dá então o Ministério da Cultura para este programa? Investimentos em eficiência energética ou na infrastrutura digital dos agentes culturais são exemplos óbvios? Ou fazer constar só por si a produção cultural nas, "Agendas / Alianças Mobilizadoras de Investimento e Inovação", como área estratégica que integra um programa de investimento em criatividade e inovação, assim como no campo das, "Qualificações e Competências" [promover e apoiar iniciativas com vista a aumentar a formação superior dos jovens nas áreas das ciências, tecnologia, engenharia, matemáticas e artes], é uma estratégia original de relacionamento do Ministério da Cultura com o PRR? Não é o mesmo que receber investimento directo e o compromisso do governo eleger a cultura como uma das áreas estruturantes — Antes, só indicia que o primeiro ministro não estava investido no investimento na cultura. Desejava saber que relação tem realmente o ministério da cultura com o PRR. Em breve o saberemos,
A cultura é a chave do Reino: É necessário abrir uma conversa sobre cultura. Tem de acontecer um activismo real a acontecer na sociedade, uma "revolução", e isso é algo que temos de ser nós a fazer. Para pressionar o governo tem de haver trabalho feito, para que isso seja verdade, e os políticos têm de ser realmente responsáveis se alegarem que a cultura é importante para eles. Os políticos parecem não ter ideias sobre os seus próprios relacionamentos com a cultura. Eles estão completamente inconscientes da importância da cultura. Se a cultura historicamente existe na maior parte com base numa estrutura de financiamento do Estado, queremos que esse financiamento cresça anualmente no orçamento de estado para a cultura, não queremos ser usados, enganados pela aparência. Segundo dados divulgados pela Eurostat em 2020, Portugal é um dos países a nível europeu que menos investe em Cultura - a média europeia é de 1% de investimento do PIB no setor; Portugal fica-se pelos 0,6%.
Quando e como haverá mudanças radicais e duradouras na política dos governos? — Pensar a cultura é um problema tão complexo tanto a um nível macro como a um nível micro que é preciso ter sobre o assunto uma linguagem concreta e tomar o termo num determinado sentido: Eu acredito na cultura. Perante uma mesma situação, as pessoas reagem de maneira muito diferente consoante a sua cultura, eis tudo. Sobre isto, é muito importante saber para onde estamos a ir como sociedade. Porque não estamos a assumir um papel maior para agitar o status quo e fazer as coisas acontecerem de forma diferente? Temos tantas oportunidades para fazer as coisas evoluírem de forma diferente! A cultura é uma plataforma incrível de redes de associações / milhares de pessoas envolvidas: somos indivíduos e grupos que constituem uma espécie de círculo eleitoral. Temos recursos fantásticos para chegar ao público e falar honestamente com ele, sobre mudança e como é realmente relevante a cultura na qualidade de vida das pessoas e no desenvolvimento do país. Quanto mais compreensão cultural tiver o público mais apreciará as maravilhas da arte, da literatura, do teatro, etc., maior a sua admiração. (O que não nos deve surpreender.) A escrita da história moderna é explícita e perentória: Temos de recuar ao longo dos séculos, para percebermos onde nos encontramos. Indubitavelmente, de um lado, estão os sucessivos governos (causas políticas que repetem uma longa história), que consideram a cultura sem valor, desprezam-na, porque simplesmente não é interessante ou porque ignoram ser a cultura uma das áreas mais prósperas nas economias desenvolvidas; do outro lado, temos as inibições íntimas de sucessivas gerações de portugueses de todas as classes e diversos graus de educação [com excepções aqui] que se assumem desapaixonadas de todas as paixões da cultura.
Manifestamente a cultura e as artes não têm lugar dentro da cultura portuguesa: Serão as nossas deficiências culturais, uma identificação psicológica do ser português, própria de um mesmo atraso, de uma mesma origem comum? E essa especificidade do nosso funcionamento é um absoluto que nos impõe a sua incurável presença? Tratar-se-á de características que se transmitem, estrutura genética derivada de séculos profundamente marcados pela constante decadência e imobilismo cultural, social, onde estamos agora, quando comparado com outros países de U.E? Nada demonstra algo remotamente parecido a tratar-se do nosso destino, não existe nenhuma evidência/ associação científica sobre isso. (Mas, se nos sentirmos tentados a dar como verdade devemos religar-nos a um fatalismo.) Para se criar uma razão genética tínhamos que descodificar os cérebros de uma amostra de humanos e criar um padrão — teríamos de ser capazes de registar a actividade de todos os neurónios do cérebro e decifrá-lo. (Gerando um conhecimento que revolucionaria a neurociência, tal como o Projecto Genoma Humano revolucionou a genética.) Não falemos mais de avanços tecnológicos, de genes e características hereditárias, e do grande mistério que é o cérebro, mas, de património: Portugal possui um vasto património de raízes cristãs. Não será certamente segredo que permanecemos um país historicamente fiel ao culto de Fátima, da religião do catolicismo, da sua moral e dos seus valores. (Quando se cobiça secretamente a mulher do próximo comete-se logo adultério no próprio coração.) É verdade que a influência da igreja católica na esfera social e política do Estado não parou de se construir, tendo-se adaptado à laicidade, à democracia e adaptado valores modernos, como a redução das disparidades sociais. A igreja e o Estado podem já não ser praticamente inseparáveis, como acontecia no passado, mas ainda hoje a moral religiosa une a nação através do cristianismo - basta acompanhar a comunicação social e o domínio da igreja sobre uma parte significativa da educação do ensino. Isto não quer dizer que todos os portugueses vão à missa, se confessem ou comunguem. Mas em certa medida a situação é enganadora: sente-se que a moral, a censura de tipo moralizador, continua a parecer verdadeira, e que o decoro e o medo proíbem o pensamento crítico, como também a educação religiosa controla a conduta das pessoas, embora o catolicismo contemporâneo seja menos exuberante — o que nos dá um carácter tímido e pouco visível, prosseguindo-se com a velha combinação de falta ou falsa liberdade de reflexão e crítica, que não nos oferece a possibilidade de mudar! Nada do que fica dito implica a intenção de desmerecer a igreja: trata-se apenas de investigar o que necessita de ser explicado, o porquê desse fenómeno de uma deficiência de cultura, e da excessiva predominância da moral sobre a discórdia, particularmente sobre o pensamento crítico. Seremos por natureza pouco capacitados para a reflexão individual? Não ignoro que a carência de uma tradição analítica, de pensamento crítico, uma ausência crónica de 'cultura' especulativa e questões de identidade portuguesa ou o modo de governar enquanto cultura, em boa parte, são factores incómodos de discutir, o que não deixa de exprimir uma espécie de causa perdida, de não vai acontecer. Porém, podemos vislumbrar, senão aquilo que somos, ao menos onde a sociedade está, onde ela esteve e para onde ela pode ir no futuro. O que vemos nós quando olhamos para a sociedade onde ela está no presente? Não é surpresa a incapacidade de acompanharmos a Europa evoluída e moderna, não é sem sentido, que continuamos, a cavar o atraso em relação à Europa: permanecemos uma terra/ nação de políticos hostis à educação da cultura, o que por si só, em si mesmo constitui um lenitivo. A história de várias décadas / séculos não se desvanecerá numa única geração, particularmente quando os orçamentos deploráveis da cultura, agem como placas de ressonância de precariedade, e logo, sobre a mente dos portugueses. Esta é a atração para o abismo (o ancestral de todas as coisas) que não conseguimos alterar, de nos mantermos reduzidos à lógica de tudo é economia, a uma visão puramente materialista e tecnológica do país; com o pretexto de alcançar o crescimento por esses meios, criamos exactamente o contrário. Portugal é um país em que as desigualdades são essencialmente materiais: é o sentimento de distinção mais importante relativamente aos outros; esta falsa condição de segurança empobrece muito a vida, sem expectativas culturais, de crescimento económico, de qualidade de vida, baseados em momentos de resistência. Agora e sempre, a precariedade (a pobreza dos financiamentos) é o grande desafio para a arte e a cultura [como para a ciência]: A grande maioria dos nossos criadores [e cientistas] encontra-se em situação precária. A precariedade encontra-se ligada intimamente com o financiamento e o modo de governar: para desenvolvermos recursos humanos para trabalhar, capital intelectual para desenvolver projectos, além de capital material, precisamos de financiamento. Logo a captação de apoios financeiros é uma parte fundamental do trabalho dos criadores, e dos programadores culturais. No entanto, as taxas de sucesso / elegibilidade das candidaturas para projectos são muito baixas. A maioria dos projectos que concorrem para apoios não tem êxito [há uma cruel desproporção entre a complexidade dos processos e o número de projectos elegidos]. E quando passamos a maior parte do tempo na preparação de candidaturas - a perdermo-nos em vãs actividades - não estamos a mostrar trabalhos que nos permitem ver resultados e evoluir. Acresce que a complexidade das candidaturas é muito elevada mas os valores financeiros não são assim tão elevados. Há uma manifesta desproporção entre a dificuldade do processo e os apoios. De forma que tudo isto é uma situação difícil de gerir e de manter. Estamos constantemente no fio da navalha para perceber em que situação é que nos encontramos amanhã. A vida de programar a "Artecapital" e a "Plataforma Revólver" é toda esta instabilidade e precariedade. É importante explicar que o universo da arte contemporânea em Portugal está estagnado, limitado e triste; caminha orgulhosamente só e desconhecido em relação ao resto do mundo. A arte deve ser um processo de encontros e partilhas, de modo a haver um conhecimento e aproximação ao outro. Temos um grande problema no que se refere às relações internacionais. (Neste capítulo, o impacto do nosso afastamento internacional não é maior, porque pontualmente existe a possibilidade de concorrermos a concursos públicos com financiamento de outros países, que nos permitem a realização de projectos com artistas estrangeiros em Portugal, que nos aproximam internacionalmente: A "Plataforma Revólver", por exemplo, ao longo da sua história terá captado cinco vezes mais apoios de institutos das artes estrangeiros que da direção geral das artes em Portugal, em situações de concursos públicos, o que nos permitiu dar visibilidade à nossa programação no estrangeiro e forte motivação.) Adeus precariedade, o futuro está aqui. A próxima década: Os grandes problemas, requerem um saber cultural e científico, que faz parte integrante da história. Temos de ser capazes de fazer melhor; para isso precisamos de uma nova mentalidade que não marginalize o mérito e o talento. (É incompreensível a baixa influência da meritocracia, da cultura e da ciência no país.) A elevação da cultura tem o grande poder de dar sentido colectivo e isto é indispensável para todas as mudanças sociais e económicas - a educação da cultura deve pertencer a todos e, importante ainda, matéria obrigatória para a classe política -, para não andarmos atolados em "discursos" enganadores. Qualquer português mediamente culto tem noção que para um certo nível de desenvolvimento económico e de mudança tecnológica haverá sempre diferentes sistemas económicos possíveis, diferentes formas de organizar a sociedade, a regulação da propriedade, o sistema de impostos, as fronteiras entre países e a relação entre eles [diferentes políticas e ideologias], temas que têm sido tratados até à exaustão, e vistos na perspectiva de um momento. Curiosamente em comparação com o espaço concedido à análise das razões económicas-políticas do nosso atraso, muito pouca atenção ou nenhuma tem sido dada ao estudo/ compreensão da determinante cultural/ artística, no fim de contas, a verdadeira determinante do nível de desenvolvimento e da forma de governar — factor determinante para mudar por completo o nosso atraso. É sobretudo por deficiências na área da cultura e da ciência que não nos desenvolvemos, antes, nos degradamos, que nos anulamos. Não é assim tão profundo! A evolução indica que temos de desenvolver um pensamento alternativo à política que se repete todos os dias e parece obsoleta. Não existe razão para separar a cultura e a arte da governação... é inaceitável a política não estar interessada numa mentalidade maior, multicultural e progressista. Não vamos fazer hospitais, escolas, fazer o que é preciso, se não tivermos uma economia dinâmica. E isso nunca vai acontecer num país sem cultura, à margem (estão interligados). O que vamos fazer nos próximos 10 anos? Continuar a viver sem investir na cultura? Esta política tem credibilidade? Vai ser sempre assim? Descriminar as pessoas segregadas para sempre? Afastar as pessoas porque não têm amigos, primos, cunhados? Acho que não! A História já mostrou que isso não resulta. O que sabemos realmente é que as coisas mudam, mudam sempre, definição que tem uma base física. Vamos estar abertos a essa mudança? A um novo paradigma de sociedade? A cultura não é cara, cara é a ignorância. Não são os banqueiros que mostram a massa crítica que o país tem!
victor pinto da fonseca
:::
Guido Tonelli, GÉNESIS - A história do universo em sete dias, Edições Objectiva, 2020
|