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A ARQUITETURA MODERNA E O MEDITERRÂNEOFERNANDO BRUNO2013-03-12Um grande número de experiências culturais não europeias ocuparam um lugar importante na constituição da arquitetura moderna do velho continente. Os arquitetos nórdicos, alemães e latinos apropriaram-se de elementos que encontravam nas suas viagens e de tradições que lhes chegavam pela imigração das colónias. Neste sentido é interessante considerar a ideia de “mediterraneidade” que se formou na primeira metade do século XX. O “Mediterrâneo” constitui para muitos arquitetos a unificação de diversas tradições locais numa cultura comum, que romanticamente é apresentada através da idealização de alguns dos seus múltiplos atributos. Alguns modernistas espanhóis usaram-na para questionar as leituras germanófilas da nova arquitetura. O catalão José Luis Sert, por exemplo, baseando-se nas “constantes” da arquitetura mediterrânica, nas suas formas puras, nos seus volumes primários e nas suas grandes superfícies lisas, postula que as construções mediterrânicas de todas as épocas, “sem estilo, “sem arquiteto” e “sem plano”, “são de uma simplicidade magnífica e de uma dignidade que queríamos ver largamente utilizadas nas grandes cidades de hoje”. No número 18 da revista AC, de 1935 − que na sua capa reza “A arquitetura popular sem estilo e os objetos de uso doméstico dos lugares afastados dos centros de civilização conservam uma base racional que constitui a essência da sua expressão” −, escreve: “estas construções populares mediterrânicas são um repouso para os olhos e para o espírito. Tudo nelas é natural, tudo se inventou para servir o homem; todos os seus elementos têm a medida justa, a medida ‘humana’ (…) Estas construções nada têm que ver com o que nas nossas escolas de arquitetura se denomina ‘arquitetura regional’. Os pequenos detalhes podem variar de Oriente a Ocidente, mas permanece o mesmo espírito: as constantes que fazem destas construções algo claramente mediterrânico”. Agora bem, este impulso de reconhecimento dessa essência espiritual mediterrânica, exemplar para a arquitetura moderna, não se limitou aos arquitetos espanhóis ou italianos mas derivou, em alguns casos, diretamente dos mesmos círculos modernistas anglo-saxónicos. Figuras destacadas da cultura germânica do período entre-guerras como o dadaísta Raoul Haussman ou o filósofo e crítico Walter Benjamin radicaram-se por temporadas na ilha de Ibiza, lugar mediterrânico remoto y exótico, em todos os aspectos possíveis − geográfica, económica e culturalmente, para mencionar apenas alguns − distantes das metrópoles europeias em que estes intelectuais e artistas desenvolveram-se a sua atividade, como Berlim e Paris. Estas estadias, o contacto com um mundo ao mesmo tempo idílico e de uma austeridade impensável no continente, sem dúvida influenciaram as suas reflexões sobre a condição moderna. No caso de Benjamin, certamente nas suas ideias sobre o arcaico e o moderno, o colecionismo e os interiores burgueses do século XIX, todas elas centrais nos seus últimos escritos; no de Hausmann, com o resultado mais que visível na série de fotografias que realizou na ilha quando trabalhava sobre tipologias e costumes locais. Mas talvez o exemplo mais notório desta influência, a constatação última da influência do estranho e do arcaico na constituição do moderno e onde se mostra a ideia de “Mediterrâneo”, esteja associada a um evento particular. Em 1933, o Quarto Congresso Internacional de Arquitetura Moderna realizou-se a bordo de um navio que percorreu o mar Mediterrâneo: o impulso para realizar esta singular iniciativa não veio, como podia supor-se à primeira vista, dos seus membros espanhóis, o seu impulsionador foi Marcel Breuer, delegado alemão vindo da Bauhaus. O diferente, o antigo, o distante, é para a arquitetura moderna, o outro e o estranho; mas ao mesmo tempo, por intermédio deste tipo de intercâmbios e mediações, constitui o novo e o próprio e permite assumir as contradições e complexidades do projeto modernista. ::::: Fernando Bruno (Buenos Aires, 1976) é licenciado em Filosofia com uma tese sobre a teoria estética de Walter Benjamin. Escreveu e publicou trabalhos sobre Theodor Adorno, Martin Heidegger, G. W. F. Hegel e diversos temas de estética filosófica e de crítica de arte. |