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UMA PERSPECTIVA SOBRE ART HONG KONG 09SANDRA LOURENÇO2009-06-11O Hong Kong Convention and Exhibition Centre, um edifício multifuncional onde se realizou a cerimónia da passagem para a China, acolheu entre os dias 13 e 17 de Maio o segundo ano da feira internacional de arte contemporânea. Após uma primeira edição mais conservadora no que diz respeito à qualidade das obras e com um menor número de galerias – um ano experimental que seguramente não incentivou a organização da feira a arriscar mais – a segunda edição está longe de ter sido um evento local e conservador. O reforço em termos de qualidade e diversidade produziram mudanças significativas no evento. Art Hong Kong 09 correspondeu, em certa medida, às expectativas locais relativamente ao seu internacionalismo pela presença de coleccionadores e de um maior número de galerias internacionais, mas, sobretudo, pela qualidade da sua organização, satisfazendo assim muitos intervenientes culturais que acreditaram nessa capacidade de afirmação internacional. Nas vésperas da abertura, o director da feira, Maguns Renfrew comunicava à imprensa que, com a vinda de mais galerias e coleccionadores, o evento poderá funcionar como um catalisador do panorama artístico local. Primando por uma excelente organização, a inauguração da feira teve o seu ponto alto entre as 19 e as 21h, com uma multidão entusiasta, coleccionadores, curadores, artistas e galeristas que especulavam como seriam os próximos dias. A maioria dos visitantes concentrou-se durante o fim-de-semana, e a sua diversidade indiciava a presença de pessoas que não estavam necessariamente ligadas ao mundo da arte. Tal como acontece noutras cidades, ocorreram vários eventos paralelos, inaugurações simultâneas e dois leilões de arte organizados pelas leiloeiras asiáticas Seoul Auction e Asian Auction Week. Mesmo sob o espectro da crise global, segundo o South China Morning Post do dia 20 de Maio, houve um aumento de público e as vendas superaram as do ano passado, lideradas por algumas galerias ocidentais, de Hong Kong e japonesas – embora os resultados tenham ficado aquém das expectativas dos galeristas. Esta notícia sobre as escassas vendas das galerias chinesas não deixa de surpreender; é, no entanto, reveladora da saturação quanto à especulação comercial dos últimos anos. Por outro lado, exceptuando a Grotto Fine Art, as galerias de Hong Kong não representam apenas artistas locais, incluem também outros artistas asiáticos, nomeadamente chineses, o que suscita duvidas quanto à precisão dessas vendas. Dos artistas ocidentais que melhor venderam destacam-se Tracey Emin, Damien Hirst e Gilbert and George (White Cube) – os últimos adquiridos por um coleccionador asiático. Entre os artistas asiáticos, contam-se o japonês Kowei Nawa e o chinês Fang Shao Hua. Uma das novidades introduzidas este ano foi a criação de uma secção designada de SCMP/ART FUTURES, que subsidiou a participação de galerias com menos de 5 anos que operem segundo uma programação mais experimental. O projecto pretendia garantir a participação de galerias que trabalham com artistas emergentes que ainda não têm sustentabilidade económica e cujo valor das obras é mais acessível, atraindo dessa forma novos compradores que procuram precisamente essas condições. O South China Morning Post, parceiro da feira neste projecto, financiou o prémio do artista seleccionado. Uma outra vantagem relativamente às galerias participantes consistiu no facto de não terem pago qualquer imposto (tax free) – o mesmo aconteceu na Art Dubai, em Março último. Estas decisões em benefício das galerias permitem, sem dúvida, a rentabilização da sua participação e são também uma forma de firmar o evento a nível local e internacional. Um dos projectos específicos sob o título, Crossing The Persian Gulf, focou-se, tal como o nome indica, nos países do Golfo Pérsico – Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Irão, Iraque, Kuwait, Oman e Qatar. No texto de introdução, o curador Charles Merewether contextualiza cada panorama sobre a sua posição em relação ao desenvolvimento da cultura contemporânea, realçando as diferenças que sobressaem entre cada um deles. Nesta abordagem menciona especificamente os contextos conturbados do Iraque e do Irão que, por razões políticas e sociais, têm negligenciado a produção artística contemporânea. Com uma maior abertura e actuando como mediador neutral entre os países daquela região, os Emirados Árabes Unidos têm tido um papel relevante no desenvolvimento de um ambiente propício à difusão da arte contemporânea através de galerias e de eventos como a Art Dubai e a bienal de Sharjah. Alguns desses estados árabes apresentam-se mesmo como uma opção para os artistas trabalharem, dadas as condições internas do seu país de origem. Apesar dessa contribuição, a atmosfera continua tendencialmente comercial e prevalece claramente face à actividade cultural. Segundo Merewether, os artistas presentes destacam-se pela capacidade de experimentação que ultrapassa questões nacionais ou realidades opressoras que condicionam o futuro de muitas vidas. São artistas que nos proporcionam uma oportunidade para reflectirmos sobre os mundos em que vivem e a que aspiram. Assim, estiveram presentes três galerias neste evento, a XVA, Third Line e B21, e obras dos iranianos Farideh Lashai, Mahmoud Hamadani e Rokni Haerizadeh, dos Emirados Árabes Unidos o artista Ebtisam Abdul Aziz, e ainda o palestiniano Tarek Al-Ghoussein e o iraquiano Halim al Karim, ambos a viverem também nos Emirados Árabes. Houve realmente um aumento de galerias ocidentais (principalmente do Centro e Norte da Europa), galerias do Golfo Pérsico, Paquistão, Síria, mas a maioria veio sobretudo do Sudeste Asiático e da Ásia-Pacífico, com um núcleo forte de galerias chinesas, coreanas e japonesas. As galerias japonesas e coreanas apresentaram obras que assentam nitidamente em duas vertentes estéticas: uma vertente conceptual, minimalista e depurada à qual se contrapõe uma outra vertente pop (por vezes kitsch) que, no caso do Japão, está profundamente enraizada no imaginário da banda-desenhada e da manga. A Scai The Bathhouse de Tóquio mostrou um conjunto de obras conceptuais de artistas japoneses, entre os quais se destacam, Kowei Nawa, Lee Ufan, Tatsuo Miyajima, e ainda obras de Apichatpong Weerasethakul, Daniel Buren e Jenny Holzer. A Hyundai e a Kukje, ambas de Seul, mostraram obras de artistas coreanos, sendo que a segunda não prescindiu também de nomes ocidentais como Candida Höfer, Bill Viola, Anish Kapoor. Entre os artistas coreanos que apresentou, destacam-se Kwang-Ho Lee, Yeondoo Jung e Ki-Bong Rhee. A 140sqm de Xangai e a Chi-Wen de Taipé são duas das galerias presentes que trabalham com fotografia. Da última destaca-se um conjunto de fotografias de Wei-Li Yeh da série “Emperor Go in the City”. Baseando-se numa história de folclore local (Taiwan), o fotógrafo encena uma outra história a partir do quadro do Imperador Go Jian, encontrado num campo militar e transferido pelo próprio artista para um complexo de casas em Taipé que será destruído. Wei-Li Yeh justapõe histórias reais e ficcionadas para reflectir sobre o tempo e a degradação dos lugares. A 10 chancery Lane (Hong Kong e Xangai) mostrou um leque de artistas chineses, italianos e vietnamitas, a Osage (Hong Kong, China, Singapura) apostou em artistas de Hong Kong, chineses e tailandeses, e a Grotto mostrou exclusivamente artistas de HK. A Green Cardamom (Londres) trabalha exclusivamente com artistas iranianos, indianos e paquistaneses, tendo dado especial destaque à obra de Nasgol Ansarinia, cujo processo de trabalho explora os sistemas e padrões de certos ambientes e a forma como o subconsciente é anestesiado pelas rotinas do quotidiano. Os eventos da feira incluíram workshops, visitas guiadas, filmes e uma série de conversas com artistas, curadores e outros agentes culturais asiáticos e ocidentais. As visitas guiadas estiveram a cargo do espaço alternativo Parasite, enquanto que a organização dos restantes eventos foi da responsabilidade do Asia Art Archive de Hong Kong (AAA), uma instituição sem fins lucrativos que vive de apoios privados. Como centro de pesquisa, o AAA tem desenvolvido um excelente trabalho de investigação e divulgação da arte asiática um pouco por todo o mundo, estabelecendo uma ponte com instituições asiáticas e internacionais. Para além de se centrar na área da pesquisa artística, outras áreas do AAA incluem a organização de conferências, eventos e de residências artísticas – um dos últimos colectivos de artistas em residência foram os Raqs Media Colective de Nova Delhi. Os painéis das conversas organizados pelo AAA centraram-se em 4 temas. O primeiro painel, Reinvesting in Contemporary Chinese Art reuniu o escritor e director artístico Hu Fang, Johnson Chang, curador e director da Hanart TZ, o artista Qiu Anxiong, a curadora independente Pauline J. Yao e o coleccionador Uli Sigg, com a moderação de Philip Tinari, crítico, curador, fundador da artforum.com.cn e profundo conhecedor do panorama artístico chinês. Os efeitos da actual recessão global no mercado artístico e as estratégias que se procuram para repensar essa situação foram os temas debatidos neste painel. Muitos acreditam que este é o momento oportuno para reflectir e contribuir com ideias que possam atenuar a voracidade comercial. Destacam-se as intervenções de Hu Fang e Qiu Anxiong que se fixaram precisamente nesse lado alternativo, com uma posição mais crítica face ao mercado artístico. Hu Fang questionou a excessiva preocupação com esse sector e tudo o que isso implica, frisando que a arte tem uma energia própria e não deve estar totalmente dependente dessas questões. Qiu Anxiong comentou sobretudo a tendência para o facilitismo despertado justamente pelo mercado, como algo que terá certamente de ser repensado. Pauline Yao sublinhou que a valorização da arte contemporânea chinesa pelo mercado teve alguns aspectos positivos, nomeadamente chamar a atenção do sistema político chinês para o panorama interno da arte contemporânea, acrescentando que essa especulação foi praticamente construída no Ocidente porque o mercado interno é ainda relativamente pequeno. Na realidade, todos os intervenientes concentraram-se apenas nos efeitos do mercado na arte contemporânea chinesa do continente, furtando-se às observações desses efeitos noutras regiões como Hong Kong e Taiwan. Tal questão só foi aflorada quando se interveio publicamente, questionando, precisamente, qual a posição das outras comunidades chinesas face a esse sucesso. Dos 3 restantes painéis, Museum Focus (I): Art + Design, Museum Focus (cont.): Participation, Collaboration and the Everyday e Heritage Sites: the answer to Hong Kong’s arts needs, destacamos o segundo painel que reuniu Daravuth Ly, director do Reyum Institute of Arts and Culture, Phnom Penh (Cambodja), Frances Morris que está à frente das colecções da Tate Modern (Londres), Hammad Nasar, curador, escritor e co-fundador do espaço Green Cardamom (Londres), Leung Mee-ping, artista de Hong Kong cujo trabalho se centra no espaço urbano e o artista Rirkrit Tiravanija que trabalha entre Nova Iorque, Berlim e Chiang Mai, com a moderação de Vasif Kortun, curador e director da Plataforma Garanti Contemporary Art Center (Istambul). Na conversa em torno do tema Museum Focus (cont.): Participation, Collaboration and the Everyday, abordou-se a importância de projectos e curadorias que se realizam fora do contexto museológico, quer como eventos complementares, quer como alternativos àquele – neste último caso, se as estruturas são inexistentes ou não se harmonizam com as perspectivas das comunidades artísticas. Segundo as palavras de Daravuth Ly, o contexto artístico de Phonm Penh, por exemplo, enquadra-se nesta situação de negligência das estruturas estatais. A instituição não-governamental da qual é director subsiste apenas graças aos apoios privados e as actividades artísticas centram-se muito no trabalho de pesquisa, arquivo e ligação com a comunidade. Francis Morris realçou algumas obras adquiridas pela Tate Modern cujo processo ocorreu no espaço público, realçando que a fruição destas obras se faz através de um arquivo de documentação e da memória. Uma feira de arte é sempre mais uma entre muitas. O que as distingue do sucesso ou fracasso, para além da conjuntura, é a capacidade de organização e mobilização de intervenientes culturais que contribuam para a dinâmica do evento. A posição, o panorama cultural e as condições estruturais da cidade são, obviamente, outro factor importante, que deverá ser levado em conta. A feira de Hong Kong reuniu condições para se estabelecer como a principal feira de arte asiática, uma alternativa ao conservadorismo da feira de arte de Pequim localmente criticada. Terá de competir, no entanto, com a feira de Xangai que este ano investe numa nova organização. Esta competição acaba por funcionar como um estímulo à melhoria de cada evento. Sandra Lourenço Hong Kong LINKS ART HK 09: Hong Kong International Art Fair www.hongkongartfair.com ASIA ART ARCHIVE, Hong Kong (AAA) www.aaa.org.hk |