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AMBIENTE RETINIANO DE FRA ANGELICO A ØYVIND KOLÅ | PARTE 3PEDRO CABRAL SANTO2022-02-26
[Esta é a terceira e última parte do artigo Ambiente Retiniano – De Fra Angelico a Øyvind Kolå. A primeira parte pode ser lida aqui, a segunda aqui]
O painel central representa São Nicolau como o patrono dos marinheiros. O cais aparece num primeiro plano em jeito de filete horizontal que atravessa toda a pintura. O próprio São Nicolau aparece aqui agraciando a cena. Ao fundo, o mar, formando uma baía, em tons verde-escuros, do lado esquerdo, e castanho-esverdeado, e apresentando alguma agitação, do lado direito. Do lado esquerdo, dois navios estão fundeados na baía, enquanto que, do lado direito, fora da baía, um terceiro parece envolto pela tempestade. No recorte da baía aparece uma elevação em tons rosa, com um forte no seu cimo. No horizonte, um céu que da esquerda para a direita estabelece um arco de luz claro-escuro em tons cinza. E temos pela segunda vez o santo representado. Agora aparece por entre as nuvens, olhando para o interior de um dos navios, no qual se veem marinheiros juntos, em pose de oração. Na verdade, o painel justapõe a narrativa de dois milagres de São Nicolau: à esquerda, o Milagre do Cereal – no qual o santo, quando a fome assolava Myra, convence os marinheiros que levavam o trigo ao imperador a descarregar o necessário à alimentação da cidade, garantindo-lhes que o peso que transportavam não diminuiria. À direita, o Milagre do Navio – no qual, durante uma tempestade, os marinheiros de um navio em perigo invocam em seu auxílio o santo, que surge efetivamente no navio e os ajuda a salvá-lo. O dispositivo narrativo é desconcertante, e a sua leitura é estranhamente sublinhada pela modelação luminosa. De facto, o já referido arco luminoso, que domina toda a atmosfera deste painel, articula a passagem de uma cena para a outra, o que nos outros painéis acontecia a partir da construção espacial, nomeadamente através dos elementos arquitetónicos. No conjunto da predela, é notório que Fra Angelico não respeita a unidade espacial, que era a condição do dispositivo narrativo que se exprimia no conceito de istória, avançado à época por Alberti, e exemplificado pela prática de Masaccio. Na predela. o espaço é um patchwork de elementos arquitetónicos espacialmente contraditórios. Esse espaço contraditório – que, decisivamente, ainda se constitui, apesar de tudo, na aparência de um espaço cénico – permite a Fra Angelico articular, num mesmo painel, já não os diferentes momentos de um mesmo episódio, como em Masaccio, mas diferentes episódios disjuntos. No painel central, a articulação dos dois episódios que já referimos não é feita através deste dispositivo arquitetónico. Neste caso, Angelico, ao invés de desconstruir o espaço masacciano através da recusa da unidade perspética e arquitetónica que sustentava o desenrolar da istória, recua para os espaços – pré-masaccianos – de Lorenzo Monaco e Gentile da Fabriano – cujo São Nicolau salvando um navio da tempestade é, aliás, explicitamente citado por Angelico no lado direito do painel. Se esses espaços não se estruturam através do recurso a elementos arquitetónicos, esta aparente regressão vai possibilitar a Fra Angelico a abordagem de um outro problema: a luz e a sua unidade. Por um lado, toda a pintura parece flutuar num ambiente atmosférico tridimensional: quando a sua estrutura é analisada em pormenor, podemos constatar que não existe uma perspetiva dominante, e que esta é usada localmente e de um modo extremamente fragmentário. Basta que observemos as proas dos navios para que imediatamente nos apercebamos de que os ângulos de captação são diferentes. A perspetiva não é usada para estruturar o espaço, como apesar de tudo ainda sucedia nos outros dois paineis da predela, aplicando-se simplesmente à definição espacial dos objetos. Mas aquilo que é verdadeiramente notável diz respeito à luz, e à forma como Angelico a aplica na pintura. Começa por iluminar todo o quadro da esquerda para a direita. As cores usadas pelo pintor são, grosso modo, muito esbatidas, com relevo para o esverdeado e para um céu timidamente iluminado, ponteado com pequenos traços de cor. Apesar de Angelico demonstrar um grande domínio das técnicas de modelação espacial, nitidamente não é procurada uma grande aproximação à realidade. Mas, indo além dessa aparentemente escassa preocupação naturalística, da esquerda para a direita do painel, é a própria luz que se transforma, descrevendo, no céu, um subtil arco de luminosidade que, da esquerda para a direita, escurece e perde saturação, enquanto o seu matiz cromático se transforma progressivamente, de um amarelo esverdeado num verde azulado. Simultaneamente, o mar, que do lado esquerdo é verde escuro, torna-se, do lado direito, mais escuro e acastanhado. Por outro lado, o navio à direita, no qual os marinheiros rezam, parece ter como principal fonte de iluminação – pondo-o em relevo face à escuridão que o envolve – a luz que emana da figura do próprio santo, que surge no céu envolto num halo luminoso. A conjugação destes fatores – perda de luminosidade e saturação, distorção cromática, iluminação local contrastada – permite-nos identificar claramente o que poderá passar despercebido a um olhar mais distraído: a transição entre uma iluminação diurna, à esquerda, e uma iluminação noturna, ou crepuscular, à direita. É também possível, a partir daí, estabelecer uma ligação entre este invulgar dispositivo e a obra de Gentile da Fabriano, que aqui Angelico parece ter querido homenagear. De um modo mais evidente, a cena representada à direita do quadro de Angelico é, como já referimos, uma citação do São Nicolau Salvando um Navio da Tempestade, de Fabriano, que se encontra atualmente no Vaticano, e era o painel central da predela do Políptico Quaratesi, executado em 1425 para o altar da capela dos Quaratesi na igreja de São Nicolau Oltrarno, em Florença. No painel de Fabriano, há uma sugestão de ambiente noturno, através dos tons profundos e escuros do mar (verde) e do céu (azul), a figura de São Nicolau surge, tal como em Angelico, sobre o navio, envolta num halo luminoso. Mas mais significativa para o dispositivo criado por Angelico, é a predela da Adoração dos Magos, hoje nos Uffizi, que Fabriano tinha executado dois anos antes, em 1423, para a capela Strozzi, na igreja da Santa Trindade, em Florença. Em particular, o painel esquerdo, que representa uma Natividade, é notável, por se tratar, provavelmente, da primeira cena noturna naturalista da pintura ocidental. O painel é dominado pelo menino deitado no chão, envolto num halo que ilumina o centro da pintura. Do ponto de vista iconográfico, aproxima-se da Natividade que Lorenzo Monaco tinha pintado na Coroação da Virgem, ou da do Metropolitan, com as quais partilha a mesma fonte literária, uma visão de Santa Brígida da Suécia. Mas enquanto que Monaco representa a luz que emana do menino como uma auréola convencional, Fabriano reinterpreta-a como um halo que ilumina naturalisticamente todo o centro da cena. E, para completar o efeito da cena noturna, inclui ainda, no magnífico céu estrelado, duas outras fontes luminosas perfeitamente caracterizadas: a lua, no canto superior esquerdo, e a luz irradiada pelo anjo que aparece aos pastores, no canto superior direito. Por outro lado, há que considerar a aproximação à iluminação noturna, patente no contraste entre o azul do céu e os tons esverdeados e acastanhados dos montes por detrás da cena central. Se compararmos estas tonalidades com aquelas que estão presentes na segunda versão da Virgem dos Rochedos, de Leonardo da Vinci, que se encontra na National Gallery, podemos avaliar como o painel de Fabriano se encontra no início de uma linha que conduz ao rigoroso ambiente sombrio de Leonardo. E, algures nessa mesma linha, poderemos talvez situar o dispositivo desenvolvido por Angelico. Em 1962, o historiador de arte britânico John Shearman, que enquanto discípulo de Johannes Wilde estava particularmente atento à relação das obras com a integralidade do seu contexto original [2], estabeleceu a relação entre as transformações do colorido e da composição nas duas versões da Virgem dos Rochedos, e o ideal de unidade tonal perseguido por Leonardo. Essas transformações situavam a cena no interior de uma gruta, criando as condições de baixa iluminação que permitiam conciliar naturalismo ótico e consistência plástica, produzindo assim aquela presença escultórica das formas pictóricas que devia ser o resultado da realização da unidade tonal. Esta solução do problema plástico enfrentado por Leonardo – a unidade tonal – é assim caracterizada pela subordinação do naturalismo a um critério estético, que dita a «situação naturalística ideal». Essa situação ideal vai ser – tanto na segunda versão Virgem dos Rochedos, como na Última Ceia, como na Mona Lisa – a colocação das figuras num interior, num ambiente de iluminação reduzida. O problema, mais difícil, da colocação de um grupo num espaço aberto vai ocupar, a partir daí, Leonardo, e só será resolvido através das inovações técnicas da Santa Ana. A segunda versão da Virgem dos Rochedos representa, no entanto, a situação de iluminação reduzida na sua forma mais radical. Para Shearman, o quadro, para produzir o seu efeito, deve ser visto nas condições de baixa iluminação para as quais foi concebido, no interior de uma igreja, pois é a partir do ênfase colocado no azul devido ao «desvio de Purkinje» que é produzida a unidade formal da imagem, através da qual a atenção do espetador é centrada na Virgem [3]. Parece claro, na presença dos comentários de Shearman, e perante a observação do conjunto dos valores cromáticos, que a imagem representa, de um modo bastante rigoroso, o resultado da visão mesotópica. A visão mesotópica corresponde à transição entre a visão fotópica – que caracteriza a iluminação diurna e é mediada pelos cones – e a visão escotópica – que caracteriza a visão noturna e é mediada pelos bastonetes. Assim, se a visão fotópica é cromática, e a visão escotópica é fundamentalmente acromática [4], a visão mesotópica, na qual tanto cones como bastonetes estão ativos como fotorreceptores, caracteriza-se não só por uma redução da intensidade das sensações luminosas, como por uma distorção geral dos valores cromáticos. Com a redução da luz, as cores alteram-se na sua saturação e na sua luminosidade, que são reduzidas de um modo não linear, e no seu matiz cromático, que sofre diversas alterações complexas. Globalmente, podemos dizer que, de acordo com a descrição de Purkinje, as sensações cromáticas de maior brilho e saturação se deslocam para o extremo azul do espectro. O mecanismo fisiológico deste fenómeno parece ser a intrusão dos bastonetes nas vias neuronais retinianas responsáveis pela perceção dos matizes cromáticos. A investigação empírica tem relacionado essa intrusão com desvios na direção não só do azul, mas também do verde e do vermelho. Esses desvios parecem estar dependentes das condições de iluminação, e como, em função dessas condições de iluminação, os desvios para o verde e o vermelho parecem ter muitas vezes tendência para se cancelarem mutuamente, o desvio para o azul acabará por ter alguma preponderância. No entanto, é todo o espaço cromático que é distorcido, pois os próprios eixos dos pares oponentes são deslocados. Para os efeitos da produção técnica de imagens, os fenómenos de distorção cromática que se verificam com iluminação reduzida parecem ser dominados por Leonardo da Vinci quando, no final do Quattrocento, pinta a segunda versão da Virgem dos Rochedos. Mas é possível ver como o rigoroso domínio demonstrado por Leonardo já surge, de modo embrionário, na Natividade de Fabriano. A preocupação naturalística não tem, evidentemente, a mesma motivação, nem se subordina, em Fabriano, a um ideal estético de unidade, afirmado explicitamente. Tendo em conta que Leonardo se limita a uma iluminação mesotópica e Fabriano contrasta iluminação mesotópica e fotópica (devido ao clarão produzido pelo halo luminoso proveniente do menino) – e excluindo os acentos vermelho e rosa, resultantes, em Fabriano, da iluminação fotópica – ambas as imagens se estruturam em torno de um contraste entre um azul profundo e uma infinidade de variações sobre tons dourados, acastanhados, esverdeados – contraste que manifesta aquela distorção do espaço cromático que, como referimos, caracteriza o ambiente mesotópico. Assim, apesar de Leonardo só poder ser considerado como eco muitíssimo longínquo de Fabriano, esse eco é distinto, não só no interesse naturalístico pela luz, como nas soluções concretas encontradas para a representação da iluminação mesótica. Que deveriam, aliás, assentar numa tradição anterior já bem estabelecida e difundida, como mostra uma extraordinária iluminura, representando Cristo em Gethsemane, proveniente das Très Riches Heures du Duc de Berry. No entanto, para além dessa tradição, a irrupção do interesse naturalístico pela luz no contexto do Quattrocento florentino, assinalado pela obra de Fabriano, vai gerar novas possibilidades de desenvolvimento. E, entre estas, aquela que se revela historicamente mais importante é a de, combinando-se com os problemas provenientes do racionalismo albertiano, dar origem, através da obra de Leonardo, ao que será o novo paradigma do Cinquecento. Ora, é em contraste com este desenvolvimento histórico que nos parece que deveremos ver o dispositivo lumínico apresentado por Fra Angelico no painel central do Políptico de Perugia. Tal como Fabriano, Angelico combina, numa mesma imagem, iluminação fotópica e iluminação mesotópica. No entanto, enquanto que, em Fabriano, a iluminação fotópica gerada pelo halo luminoso proveniente do menino constitui um acontecimento sobrenatural que é representado no interior do próprio espaço naturalístico, enquanto acontecimento natural, em Angelico, a transição, numa mesma imagem, entre a iluminação fotópica da esquerda e a iluminação mesotópica da direita, constitui uma rutura de todo o dispositivo naturalístico, e do ideal albertiano da istória – sustentado na unidade do espaço, assegurada através da perspetiva, mas também (como vemos em Leonardo), progressivamente, através da luz. Na verdade, Angelico justapõe dois espaços incompossíveis, segundo os dispositivos representativos dominantes à época. E fá-lo servindo-se da distorção progressiva dos valores cromáticos, nomeadamente nos pequenos traços que sublinham a luminosidade do céu, e vão – ao longo do horizonte – do amarelo esverdeado, muito pálido, na zona mais iluminada do céu, à esquerda, até um verde azulado, na zona mais escura, à esquerda. Esta transição progressiva no sentido do azul é duplicada por outra, mais brusca, e no sentido do vermelho, do mar verde da baía para o mar verde acastanhado do exterior da baía. Esta dupla transição é suficiente para produzir o ambiente mesotópica que rodeia o navio à direita – que é, ele próprio, objeto da iluminação fotópica proveniente do halo luminoso que rodeia o santo, no céu. Na economia da predela, este dispositivo luminoso do painel central relaciona-se com os dispositivos perspéticos que, nos painéis laterais, vão, igualmente, fragmentar o espaço, numa mesma recusa da unidade narrativa. Ao invés do contar de uma estória temos – apesar de começarmos com o nascimento e acabarmos na morte – uma série de acontecimentos disjuntos em ambientes espacialmente contraditórios. No seu contexto original, no altar-mor da capela de S. Nicolau, o conjunto estabelecia certamente com o observador uma relação dinâmica, na qual o posicionamento espacial, a distribuição da luz, e o movimento do próprio observador, e a direção do seu olhar, desempenhavam o seu papel, contribuindo para a eficácia ótica do dispositivo – tal como na Virgem dos Rochedos. No entanto, Angelico serve-se de meios que, nas mãos de Leonardo, serão usados para uma realização superior do ideal albertiano, para, pelo contrário, romper com esse ideal. Esta rutura deverá ser explicada, no contexto da obra de Angelico, pela recusa explícita do ideal da istoria – a recusa que lhe é atribuída por Georges Didi-Huberman [5]. Para Fra Angelico, o sentido dos acontecimentos – em particular aqueles verdadeiros acontecimentos que, pelo seu carácter miraculoso, não são redutíveis a meros acidentes, e que, dotados assim de sentido, se tornam objeto da pintura – não é capturável num plano temporal – naturalístico e narrativo. Assim, para Angelico, a representação desse sentido implica um dispositivo totalmente diverso daquele que é proposto por Alberti. O seu modelo, de acordo com Didi-Huberman, deverá ser, não a istória, mas a figura. Não como algo meramente estático, mas, antes, atravessado por ruturas que, manifestando o que Didi-Huberman chamou dissemelhança, indicam o carácter miraculoso, extratemporal, do acontecimento no seu sentido. Essa dissemelhança pode assumir diferentes formas: um exemplo recorrente em Didi-Huberman é a representação, no contexto da pintura, de superfícies de mármore multicolor – os marmi finti, presentes nos painéis do tríptico, sobre a predela – que constituem, na sua pura visualidade, os «operadores de uma conversão do olhar» que, introduzindo a dissemelhança na figura, indica o sentido, o irrepresentável. O arco cromático, do amarelo esverdeado ao verde azulado, descrito pela luminosidade no horizonte é, porventura, também um destes operadores, um elemento puramente visual, que não representa absolutamente nada, senão o irrepresentável, a transição entre dois espaços incompossíveis. A historiografia mostra-nos a receção da obra de Fra Angelico como que capturada, a partir do cinquecento, pela oposição, operada por Vasari, entre o dominicano e Masaccio. O resultado é que Angelico se torna – simultaneamente e sem grande contradição – o símbolo de uma sobrevivência do gótico, e um prefigurador do modernismo. E, se Roberto Longhi o reposiciona no seu tempo, é apenas à custa da sua subordinação ao génio de Masaccio. Assim, parece ser apenas a partir de um artigo publicado em 1955 por Ulrich Middeldorf, «L’Angelico e la Scultura» [6] – estabelecendo a relação da sua obra com as posições do escultor e teórico humanista Lorenzo Ghiberti – que o verdadeiro lugar de Fra Angelico no humanismo do seu tempo se vai estabelecer. Não deixa de ser no entanto verdade que o seu posicionamento algo excêntrico em relação às trajetórias dominantes do Quattrocento vai determinar o seu papel na definição do modernismo, através de autores como August Wilhelm von Schlegel e John Ruskin, e de pintores como Johann Friedrich Overbeck e, mais tarde, Manet [7]. É esta relação com Manet que nos parece fornecer as indicações mais consequentes: enquanto que os românticos e os pré-rafaelitas sublinhavam em Angelico o emotivo, o anti-racional, o ponto de contacto com Manet deve necessariamente deslocar-se do emotivo para o imediatamente sensorial, para o puramente ótico. No entanto, aí mesmo se estabelece o contraste entre os dois, forçando-nos a concluir que Angelico não pode participar do modernismo, tal como este se define em Manet: neste último, o puramente ótico é o lugar de uma instabilidade da imagem que se afirma como crítica, operando uma verdadeira rutura do simbólico. Em Fra Angelico, por seu lado, não há rutura no puramente ótico, mas, de algum modo, sutura. E não poderia ser talvez de outro modo, dada a posição histórica de Angelico. Mas, por outro lado, até que ponto a rutura operada por Manet nos é ainda acessível? Até que ponto a própria aventura do modernismo, nos seus múltiplos acidentes, não foi, ela própria, suturando as suas rupturas, reais ou em potência? O presente caso de Øyvind Kolås será mais uma peripécia – cujo desenlace é ainda incerto – nessa aventura.
Pedro Cabral Santo
[1] Retirado do altar-mor da capela no século XVII, este retábulo foi posteriormente desmontado e disperso. Já no século XX, o retábulo foi reconstítuido, montado numa nova moldura, sendo os paineis esquerdo e central da predela, que se encontram no Museu do Vaticano em Roma, substituidos por cópias. O retábulo assim reconstituido encontra-se no museu de Perugia.
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