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PERSPETIVA ATUAL


Architektur von Neo Tokyo/ Akira (cut no. 955), Hiroshi Ohno, 1990. Production background. Poster colour on transparent foil and paper. Tchoban Foundation, Museum für Achitekturzeichnung,Berlim


Die Granitschale im Berliner Lustgarten, 1831, Johann Erdmann Hummel (Kassel 1769 - Berlin 1852) - Período Biedermeier. Oferta de Richard Bialon, 1905, Alte Nationalgalerie, Museumsinsel, Berli

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Atenas e os seus filósofos, Roma e os seus senadores, Jerusalém e os seus profetas. Londres e os seus mercados, Paris e os seus boulevards, Viena e os seus cafés. Dos antigos aos modernos, estas associações-em-metonímia servem um propósito identitário a mando de um programa ambíguo. Por um lado, são o biombo para corpos maiores. De um modo geral, povos e a cultura que os rege. Por outro – mais sério –, são a expressão de um suposto ethos que aqueles que comungam da civitas, os civilizados, exercitam de forma natural porque lhe pertencem, ou que têm de adoptar porque querem pertencer-lhe. Nada disto é observável senão pelo óculo de uma mitologia geográfica que as poéticas cavalgam com energia. Não há poeta que não tenha a sua cidade e a vida na cidade continua a alimentar as musas. Mesmo passando para territórios, por assim dizer, mais emancipados, como os da cidade norte-americana, os da cidade pós-industrial ou os da cidade pós-colonial, esta lógica identitária frequenta símbólicas infernais, e por isso não há Manila sem o seu docudrama, Tóquio sem os seus cocooners, Nova Iorque sem a grande catástrofe.

Este estado de coisas sofre uma exacerbação quando se põem em marcha os expedientes da estética. E aqui, toda a fisonomia urbana acaba a ser bem vincada e levada a reconhecimento, matéria para uma tarefa árdua de codificação que resulta numa estampagem em série. A imagem é a grã-oficiante. O cliché, seu filho dilecto. Mas não basta, porque não há atmosfera, não há sopro, não há cintilação, não há alinhamento visual, não há voz, não há Stimmung, a que deixemos de se ser sujeitados para perceber a graça autêntica da cidade. Autenticidade e folclore dão-se as mãos. A experiência de cada um é reenviada a estações obrigatórias de um apreciacionismo militante, no que se assemelha a um exercício de psicagogia. Naturalmente, com os seus excluídos. Entre nós, o exemplo acabado. Lisboa e a sua luz. Quem não a viu, não viu Lisboa. Quem não a vê, nunca será lisboeta. A indústria da identidade urbana é inclemente.

Esta discussão tem âmbito actualizado no contexto da afirmação turística dos destinos globais, sobretudo daqueles que entram numa mercancia de mitos e de representações– ou de ideologias em oferta [1]. Mas há ainda relevo nela quando se olha para a ementa das grandes cidades na carta da representatividade. Territorial; populacional; democrática, também. Berlim, em dois mil e vinte e dois, continua a desafiar todas as lógicas: a da identidade, a da autenticidade, e, se descontarmos a sinédoque geopolítica de Berlim-falou-com-Paris/ Berlim-fala-com-Washington/ Berlim-espera-falar-com-Moscovo, a da representatividade, também. De resto, apesar do Stadtluft macht frei, não há ar de Berlim. Apesar do Tiergarten, não há rótulo para Berlim. Apesar de Wenders-Handke, não há céu sobre Berlim. Apesar do Check-point Charlie, não há vidros no chão de Berlim. Na verdade, não está provado que haja Berlim.

Berlim e as suas armadilhas. Estar recortada por um projecto imperial, dir-se-á, é aquilo que oferece a Berlim o seu cunho identitário. Disto decorreria um aspecto geográfico que se assemelha a uma extensa conquista territorial, a partir de um centro (Mitte) cuja macrocefalia significaria também um projecto de controle e de poder. É uma caracterização verosímil mas nada verdadeira. Berlim penou para afirmar-se como capital de um império, e só em 1907 é que veio a beneficiar de uma administração municipal centralizada, e ainda sem congregar a totalidade dos ministérios da Alemanha-de-Bismarck [2]. Munique entendia-se muito melhor com Viena (a kaiserlich-königlich) do que esta povoação prussiana de onde os reis fugiam para ir para Potsdam. E mesmo sob o Drittes Reich, o chanceler não lhe encontrava a graça, nem a achava à altura do regime. O gigantismo berlinense provém de um processo que é uma afronta ao urbanismo, não enquanto disciplina estimável, mas enquanto ideologia que pugna pela bondade universal do artefacto cidade, sempre que trabalhado por modelos desenvolvimentistas e intervencionistas – isto à mercê de vícios mentais como o da explicação irradiante centro-periferia e o da compartimentação zonal. Em Berlim, a grande Berlim, foi um conjunto de catorze povoações, de súbito hipertrofiadas, que tiveram de agregar-se e ceder o nome a uma outra, a qual, por sorte, lhes ficava equidistante. Em 1910, Neukölln tinha o dobro de população jovem das vizinhas Treptow e Tempelhof, mas prosseguiram juntas em fuga àquilo que mais assolava a natureza alemã: os particularismos [3]. Berlim, unificação e reunificação são uma história antiga. Disto resultou um caso de geografia e economia urbanas que, agora, tanto causam sobressalto como fascínio, colocando questões pesadas à justiça espacial e ao direito à cidade, e às quais a vertigem da mobilidade não dá resposta. Mas sustentando, também, formas de cidadania que entroncam no cosmopolitismo emancipatório. A ideia de que ter um passaporte berlinense não é ter um título de transporte, mas um documento de identificação – ser um berlinense – povoa os sonhos libertários de quem procura vacant land. Os slogans impõem-se. Berlim, mosaico. Berlim e as suas lutas. Berlim, liberdade.

O nexo mais saliente na tradição e na experiência berlinense, uma vida onde nada se faz esperar (mito implacavelmente perigado pelos atrasos ferroviários que agora teimam em tornar-se proverbiais), é aquele que liga paisagem urbana e panorama político. Político, por certo, sem a desafectacção ideológica a que a linguagem gestionária sujeitou o termo, como quem fala de políticas urbanas para arranjar espaços verdes. Não é debate fácil de ter nos dias que correm, mesmo que ainda à conta de um muro que, fisicamente, já caiu há mais tempo do que o tempo que existiu. O político, em Berlim, traz a pegada de um experimentalismo em carne viva que celebrou o sujeito-objecto da modernidade extrema. Não é ele o worker do parlamentarismo, nem o citoyen das barricadas, nem o pathfinder das pradarias. Esse sujeito-objecto são as massas. A massa eleitoral de um regime de sombras. A massa indignada dos espartaquistas que entram pela cena em Tambores na Noite de Bertolt Brecht [4]. A massa arruaceira do Corpo de Voluntários (Freikorps) que interromperam a Oresteia encenada por Erwin Piscator na Großes Schauspielhaus de Hans Poelzig [5]. A massa de visitantes que, neste exacto instante, invade a Museumsinsel e em honra dos quais se transgrediu toda a doutrina do restauro crítico e todos os escrúpulos da reabilitação arquitectónica, dando a ver cúpulas do séc. XVIII construídas a semana passada. As massas impacientes, símbolo da pujança industrial, e que se comportam como numa grande coreografia, acabando a exigir da política uma emoção estética [6]. De má memória. Mas continuada. Foi, aliás, no que acabou por tornar-se a memorialização dos crimes de guerra. Em Berlim, por exemplo, numa sinistra contenda estética entre Peter Eisenman e Daniel Libeskind [7].

A experiência das massas, traduzida de forma aproximada pela imagem do banho de multidões, arrasta com ela a estimulação nervosa que levará à queda numa sensibilidade exausta, mas não menos especiosa. Desenvolve-se a atitude embaciada de quem a já nada interessa, nem sequer as coisas do espírito. E a quem só tocam pequenas excentricidades, desconchavos e aparições [8]. O que é excelso perdeu a chama e procura-se refúgio. É este o retrato do blaséblasiert –, personagem que estará para Berlim como o dandy para Londres, e o flâneur para Paris [9]. Reconhecê-lo-emos bem no filme de Walter Ruttmann, Berlin – Die Sinfonie der Großstadt (1927), onde a uma transeunte nada incomoda que lhe atirem fumo para o rosto (25’56’’) [10]. Ou nos textos de Joseph Roth sobre a Kurfürstendamm, quando o escritor se entrega à observação minuciosa dessa bizzaria que são os vendedores ambulantes que têm estabelecimento fixo [11]. O blasé recolhe percepções muito calhadas ao olhar etnográfico porque o espanto não lhe entra no reportório. De resto, nada é supinamente desviante, nem subversivo, menos ainda importante. Tudo é assunto tribal. Berlim e as suas tribos.

Ganha assim fortuna o argumento de que, por aqui, as grandes obras, mormente as que são votadas à esfera das artes, serão sempre anódinas. Não porque se esteja a braços com um estaleiro expandido – esta cidade mantém-se em ‘reconstrução’ desde que foi fundada –, mas porque não há atenção que se deixe aliciar pelas manifestações de aparato. Ao contrário do que possa suspeitar-se, pompa e Berlim são um namoro na forma tentada. No Reichstag, as coisas correram melhor a Christo ao escondê-lo, do que Norman Foster a mostrá-lo. E parece também não estarem a correr de feição a David Chipperfield no Neue Museum, com falsas partidas a raiar o caricato. O contexto das práticas culturais em Berlim é o de uma atomização feroz que transforma a cena artística numa órbita de partículas avessa a qualquer cartografia ou catálogo. Deu-se aqui desde cedo, e com museografia a condizer, a consabida celebração das vanguardas – oxímoro fecundo, a tradição vanguardista –, tornando a magna-galerização do moderno e do contemporâneo num ofício redundante. Qualquer Tate ou Beaubourg em Berlim resultarão em iniciativas fátuas.

A figura de uma câmara de curiosidades – Wunderkammer –, mas uma câmara de curiosidades colectiva, ajudará talvez a entender melhor a blaseicidade [der Blasiertheit] que recorta os sentimentos de um berlinense universal. Pois que já só o que mal se entende tem graça. Fósseis, línguas-mortas, atrevimentos, fulgurações. Duas: a) na Fundação Tchoban, Museum für Achitekturzeichnung, autêntica caixa de música com desenhos de arquitectura dentro – uma arte-menor ao serviço de uma arte maior –, podem ver-se até 28 de Setembro, as pranchas do projecto Neo-Tokyo/ Akira, a cidade tera-distópica. Com técnica de transparências sobrepostas a que os autores chamam “cortes” [Schnitt], são peças de uma precisão geométrica hipnótica e de um cromatismo magnético, a fazer corar as estereoscopias de outrotra e os três-dê de agora [12]. b) a ala dedicada ao período Biedermeier na Alte Nationalgalerie é um imenso festim. Mas apenas para quem tem um apetite sólido e não desdenha refeições pesadas. A fazer reconsiderar tudo o que se sabia sobre kitsch e pernas cansadas. No quadro de Johann Erdmann Hummel, «Die Granitschale im Berliner Lustgarten» (1831) há matéria que baste para avaliar as subtilezas das grands-oeuvres em Berlim. Com a inquietante estranheza de esta colecção circundar a sala onde estão expostas as obras de Caspar David Friedrich. O gosto complica-se. O juízo agarra-se ao chão. Berlim e os seu refúgios. [13]

Por ocasião de um festival de cinema em 2013, Juliette Binoche dizia, numa entrevista à televisão portuguesa, que em Lisboa notava-se ter havido um regime autoritário. Mas a vibração com que o fazia, denunciava pensar talvez num regime político de sinal contrário àquele que na realidade foi. Por sorte, em Berlim, julho de dois mil e vinte e dois, com o acesso à rede de transportes no limiar de gratuito, com as conversas sobre a que temperatura irão estar as casas em dezembro, nota-se que houve social-democracia. A bombordo ou a estibordo. No verão em que havia guerra e a seca chegou cheia de pressa, Berlim estava à espera.

 

 

João Borges da Cunha
Doutorado em Estudos de Cultura, Universidade Católica Portuguesa. Arquitecto, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Professor no Departamento de Arquitectura da ECATI [Escola de Comunicação], Universidade Lusófona. Investigador nos centros ARQ.Id e CECC. Publicou ensaio, teatro e ficção.

 

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Notas

Para o sentido de Stadtluft macht frei [“o ar da cidade liberta”], v. SENNETT, Richard (1994),Flesh and Stone: The Body and the City in Western Civilization, New York, London: W.W. Norton & Company [p. 151-158].

[1] ideologia, de acordo com o entendimento de Roland Barthes, enquanto investimento de sentidos segundos [BARTHES, R. (2007), Mitologias; Lisboa: Ed. 70]; representações de espaço em Lefèbvre, Henri (1991), The Production of Space; Oxford: Blackwell.
[2] Brunn, Gerhard & Briesen, Detlef (2000) «Um arquipélago hierarquizado» in Richard, Lionel, dir. (2000), Berlim, 1919-1933: gigantismo, crise social e vanguarda: a extrema encarnação da modernidade; Lisboa: Terramar [p. 40-53]
[3] Ribbe, Wolfgang (2000), «Nascimento da Grande Berlim» in Richard, Lionel, op. cit. [p. 54-70]
[4] «Tambores na Noite» [Trommeln in der Nacht (1922)] in BRECHT, Bertolt (2003), Teatro; Lisboa: Cotovia.
[5] Scheber, Jürgen (2000), «Explosão artística e contestação» in Richard, Lionel, op. cit. [p. 74-93].
[6] ornamento das massas é o termo cunhado por Siegfried Kracauer (1889-1966) para verter a ideia de uma grande coreografia colectiva, expressão da organização social em regime de racionalidade extrema, Kracauer, Siegfried (1995), The Mass Ornament: Weimar Essays; Cambridge, Massachussets: Harvard University Press [p. 75-88]
[7] v. Foster, Hal (2011), The art-architecture complex; London, New York: Verso [p. 103-126].
[8] aparição como o momento não-discursivo da experiência estética [Schein no pensamento estético Theodor W. Adorno], v. ADORNO, Theodor W. (2013), Teoria estética; Lisboa: Ed. 70.
[9] blasé na caracterização que lhe dá Georg Simmel em «Die Großstädte und das Geistesleben» [1909], «A Metrópole e a Vida do Espírito» in Fortuna, Carlos, org. (1997), Cidades, Cultura e Globalização, Oeiras: Celta [p. 34-45].
[10] «Berlim: Sinfonia de uma Grande Cidade», Ruttmann, Walter, realiz. [1927] (2011), Berlin: Die Sinfonie der Grosstadt/ Melodie der Welt; Filmmuseum Berlin, Bundesarchiv Berlin, ZDF/ ARTE Mainz [DVD].
[11] v. «Bairros tristes» de Joseph Roth in Richard, Lionel, op. cit. [p. 71-73].
[12] v. imagem; para Tchoban Foundation.
[13] v. imagem; para o período Biedermeier v. PRAZ, Mario (1964) L'ameublement; Paris : Tisné; para a Alte Nationalgalerie.

Para a entrevista a Juliette Binoche a que se faz menção no último parágrafo v. arquivos do festival Leffest.