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52ª BIENAL DE VENEZA



ANA CARDOSO

2007-06-21




Inauguração da 52ª Bienal de Veneza
7, 8 e 9 de Junho de 2007 (Preview)



A inauguração da Bienal de Veneza é, tal como uma inauguração de arte contemporânea, o substituto glamoroso da discoteca ou outros eventos sociais em declínio. O acesso a este entretenimento cultural VIP é restrito e promete actualização ou ligação rápida a um mundo intelectual ao mesmo tempo relativamente crítico e radiante consigo próprio – exponenciado por festas, press-releases, sacolas e malas de pavilhões, catálogos, inúmeras exposições paralelas de orçamento ilimitado, canapés italianos e cocktails e o mundo da arte em peso, que este ano se preparava para continuar, depois da inauguração de Veneza, no Grand Tour (Art/38/Basel, Skulptur Projekte Münster, Documenta XII em Kassel) – uma constelação que só se forma de dez em dez anos.


A Bienal obteve este ano o maior número de participações alguma vez alcançado: setenta e seis.

Comecemos pelo pavilhão da Holanda, dentro dos Giardini, que utiliza a própria concepção espacial e política da Bienal, a divisão por estados-nações, e que a análise de Aernout Mik – “Citizans and Subjects: The Netherlands, for example” – reverte para cenário em guerra de identidade, espaço indeciso mas definido pela coreografia dos visitantes e dos actores dos dois vídeos projectados, que retratam grupos de imigrantes e polícias numa performance algo nonsense, ao executar trabalhos de uma segurança imaginária. Retrata-se a ansiedade decorrente das políticas sociais no chamado mundo ocidental, que revelam mecanismos delirantes e vazios de sentido, face à livre circulação utópica.


Passando para o pavilhão da Alemanha, Isa Genzken (em “Oil” – palavra mantra da globalização e do terrorismo) apresenta a sua reflexão, através de esculturas ou assemblages ofuscantes sobre a figura do turista-viajante-astronauta, presente no uso de um conjunto de malas de viagem e trolleys a abarrotar de coisas inauditas – diversos materiais, plásticos e fotografias – rodeadas de símbolos venezianos, como a máscara carnavalesca assente numa caveira. A sua (Genzken) visão do mundo como amálgama patológica e high-tech devolve-nos uma imagem pop e tenebrosa ou um ‘delírio mórbido’, consoante a nossa relativa cultura nos ajude a processar.


Quando passamos pelo pavilhão do Canadá, deparamos com a mega-instalação “The Índex”, de David Altmejd, que usa múltiplos reflexos de espelhos e vidros para criar um mundo imaginário de passáros e gigantes em metamorfose. Seguimos para o pavilhão de Inglaterra, onde Tracy Emin instala desenhos da série “Borrowed Light”, que reflectem a fragilidade e a vulnerabilidade do corpo feminino – leves, despretensiosos e esparsos, quase invisíveis – e que satisfazem a necessidade de expor os vazios sentimentais da própria intimidade de Emin, numa relação com a intimidade do público da arte. Chegamos ao pavilhão de França com a disposição adequada para ver o trabalho de Sophie Calle (“Prenez Soin de Vous”) – 106 fotografias, textos e filmes, extraordinariamente bem montados e expostos – de parceria com o comissariado do artista Daniel Buren (seleccionado por ter respondido a um anúncio de Calle publicado numa revista de arte), que nos revela, através de várias visões femininas, o e-mail de um homem a acabar o relacionamento amoroso de ambos – Calle é a artista romanesca, paranóica e sentimental por excelência, que oscila entre o existencialismo juvenil e o fatalismo adulto, e onde por comparação Emin se torna quase punk e mística.


No pavilhão da Aústria está montada uma série de treze pinturas de 2007, de Herbert Brandl, um pouco heterogéneas e abstractas, de grande formato, que remetem para uma abstracção da natureza e sensações que evocam paisagens ou momentos de contemplação singulares. Na verdade, as pinturas de Brandl são quase naturalistas ao evocar sensações de ar, luz, humidade, lusco-fusco, folhagem – num tom heróico e romântico, mas sempre usando só a tinta para o efeito – não há uma alusão figurativa ao que quer que seja. É a terebentina que escorre e dissolve a tinta que provoca a sensação de chuva e humidade. Está também instalada uma pintura fora do pavilhão, ao ar livre.


O pavilhão da Polónia é dado a Monika Sosnowska, que com “1:1” cria uma estrutura em metal pintado de preto, aparentemente maior do que o pavilhão e que teve de ser toda entortada e deformada para lá caber. A estrutura ocupa o pavilhão inteiro e cria uma total discontinuidade na utilização normal do espaço da exposição. O press-release indica que Sosnowska estuda a arquitectura do ponto de vista das suas falhas, erros funcionais e ideias absurdas. O seu ponto de partida para um formalismo humorístico é o modernismo e sua evolução parasitária, enquanto símbolo em queda livre.


A principal exposição internacional da Bienal é comissariada por Robert Storr para o pavilhão de Itália e para a Cordoaria do Arsenal. Sob o título “Think with the Senses – Feel with the Mind: Art in the Present Tense”, o comissariado de Storr, sobretudo no Arsenal, evidencia o cariz político de grande parte da produção de arte contemporânea. Muitas participações referem o tema da imigração, movimentações sociais e guerras, através da documentação fotográfica. Contudo, as participações mais interessantes são muito variadas e derivam de um mundo global, multifacetado e contraditório, presente em obras que não se isolam em formalismos e sensacionalismos e resultam numa leitura de entendimento conceptual e emotivo. Para Storr, não é possível dissociar a teoria da intuição, o intelecto das sensações – como nos mostra a escolha dos seus artistas, entre os quais estão os Alterazioni Video, Francis Alÿs, El Anatsui, Giovanni Anselmo, Yto Barrada, Louise Bourgeois, Daniel Buren, Waltercio Caldas, Sophie Calle, Paolo Canevari, Manon De Boer, Raoul De Keyser, Iran Do Espirito Santo, Valie Export, Angelo Filomeno, Yang Fudong, Yukio Fujimoto, Mario García Torres, Felix Gonzalez-Torres, Lyle Ashton Harris, Christine Hill, Jenny Holzer, Pierre Huyghe, Emily Jacir, Kim Jones, Ilya & Emilia Kabakov, Izumi Kato, Ellsworth Kelly, Martin Kippenberger, Guillermo Kuitca, Rosemary Laing, Leonilson, Sol LeWitt, Nalini Malani, Steve McQueen, Morrinho group, Joshua Mosley, Oscar Muñoz, Elizabeth Murray, Bruce Nauman, Thomas Nozkowski, Odili Donald Odita, Melik Ohanian, Philippe Parreno, Dan Perjovschi, Raymond Pettibon, Sigmar Polke, Jason Rhoades, Gerhard Richter, Susan Rothenberg, Robert Ryman, Cheri Samba, Fred Sandback, Malick Sidibé, Nedko Solakov, Nancy Spero, Tabaimo, Paula Trope, Tatiana Trouvé, Kara Walker, Lawrence Weiner, Franz West e Tomoko Yoneda.


Storr decidiu atribuir o Leão de Ouro ao artista africano Malick Sidibé (Mali, 1936). E, pela primeira vez, foi criado um pavilhão dedicado à arte produzida no continente africano, sobretudo de artistas de origem africana, instalado também no Arsenal. O pavilhão Africano (“Check List Luanda Pop”) é forte e indispensável – mostra a colecção de arte de Sindika Dokolo, sediada em Luanda, e comissariada por Fernando Alvim e Simon Njami. Alguns dos artistas são Chris Ofili, Dj Spooky, Olu Oguibe, Kendell Geers, Yinka Shonibare, Ndilo Mutima, Basquiat, Ghada Amer, Marlene Dumas, Alfredo Jaar, Warhol ou Ruth Sacks. Foi o pavilhão que mais surpreendeu e possibilitou relações novas entre os artistas da Bienal.


A representação italiana é feita por Francesco Vezzoli, com “Democrazy” – num dos dois vídeos projectados, Sharon Stone é a candidata fictícia à presidência da república dos E.U.A. – crítica directa ao mundo obsoleto das eleições e promessas presidenciais; e o escultor Giuseppe Penone cria a instalação “Sculture di Linfa”, onde todas as partes são talhadas e escavadas em madeira e em mármore e revelam formas na madeira e veias na pedra – numa atitude fenomenológica.


Há inúmeros pavilhões interessantes fora dos espaços principais da Bienal, como o pavilhão do México, representado por Rafael Lozano-Hemmer, no palazzo Soranzo Van Axel, num cenário incrível, ou o pavilhão da Ucrânia, com um grupo de artistas de onde se destacam Juergen Teller, Mark Titchner ou Sam Taylor-Wood; dentro dos jardins foi bom rever Felix Gonzalex-Torres, a representar os Estados Unidos da América, descobrir o pavilhão da Roménia com os seus “Low-Budget Monuments”, o pavilhão da Hungria dividido em caixas ou arquitecturas criadas para os vídeos de Andreas Fogarasi, e perdermo-nos no labirinto belga de Eric Duyckaerts.



Ana Cardoso




52. Esposizione Internazionale d’Arte – La Biennale di Venezia
10/06 a 21/11 de 2007


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