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LA FORCE DE LART 02SÍLVIA GUERRA2009-05-04“Le réel est tabou – on ne viendra pas à bout” (O real é tabu, não chegaremos ao fim) Philippe Mayaux, “Les Agitateurs”, 2008 “L’art contemporain? – à priori, je n’en comprends rien; mais comme je suis curieuse et je ne supporte pas les choses qui m’échapent, bien je vais vous pousser la porte et on verra bien... “ Julie Depardieu, actriz, no filme publicitário produzido para La Force de l’Art 02. La Force de l’Art 02 Inaugurou a segunda edição da trienal de arte contemporânea de Paris mais conhecida por La Force de l’Art. Um evento que se traduz numa exposição colectiva de artistas residentes em França e que produz manifestações satélites em instituições culturais e turísticas da cidade luz. Criada por iniciativa pública (Ministério da Cultura e das Comunicações) este investimento numa seleccionada vitrina de luxo da criatividade nacional assume nesta segunda edição uma grandiosidade inesperada. Ano em que 60.000 pessoas perderam o emprego em França e a crise económica internacional começa a revelar os seus efeitos reais. Após uma primeira edição em que a partilha entre artes visuais, design e artes performativas fora feita por 15 comissários diferentes e onde era patente o ecletismo dos media utilizados, nesta segunda edição o MCC optou por uma partilha curatorial mais restrita, com três comissários convidados, Jean-Louis Froment, Jean-Yves Jouannais, Didier Ottinger e o arquitecto Philippe Rahm. Uma diferente metodologia na exposição dos artistas participantes foi também adoptada. Estes encontram-se divididos em: artistas “residentes” (aqueles que se encontram na exposição colectiva no Grand Palais; artistas “visitantes” (que se encontram noutros locais da cidade) e artistas “convidados” que participam a título esporádico, em diálogo com as obras propostas. Em que se traduz esta edição de La Force de l’Art de 2009? Quando me aproximo da cúpula de vidro mais imponente de Paris encontro grandes outdoors que anunciam o evento com a sigla - LFDA. É notória a simpatia que os nossos amigos gauleses nutrem por siglas. Existem siglas para tudo: desde o anacrónico BCNG (Bon Chic, Bon Genre, que definiu uma geração de camisa branca, com Bernard-Henry Lévy como apóstolo nos anos 80), ao SDF (a terrível designação para os sem-abrigo – Sans Domicile Fixe), já para não falar do “símbolo do luxo associado à criação” o grupo LVMH (Louis Vuitton Moet Henessy). A expressão - La Force de l’Art - provém do homónimo livro de Jean Luc-Chalumeau reeditado em 2006 que realça o florescimento da arte contemporânea em França (poderíamos dizer que se existem artistas oficiais também existem os seus apologistas teóricos). Em 2006, o executivo francês protagonizado por Dominique de Villepin, concedeu diversos privilégios fiscais às galerias francesas bem como a todos os mecenas privados que investissem nesta área. Este ano as honras couberam a Christine Albanel, Ministra da Cultura de Nicolas Sarkozy. No Grand Palais Uma “Geologia Branca” é a primeira imagem que temos ao entrar no espaço gigantesco do Grand Palais, as obras estão escondidas atrás de uma cenografia de um alvor que cega e que segundo as palavras do seu criador, Philippe Rahm, se adapta à dimensão das obras, criando-lhes um habitat dentro do espaço. A primeira obra com que me deparo são os “ Les Agitateurs” (2008) de Philippe Mayaux, uma série de mãos mecânicas que agitam slogans tais como : “Allez vous faire encadrer” (Emoldurem-se vós mesmos), “Non, à la dictature des cellules” (Não, à ditadura das células!); “L’Humanité fait-elle l’unanimité?” (A Humanidade faz a unanimidade?), entre outras. Fico surpreendida por este arrojo político do artista numa manifestação de cunho institucional, tão diferente dos seus famosos cogumelos alucinogéneos. Porém a reivindicação fica por aí, as obras são todas monumentais e a atmosfera branca por onde caminhamos faz-nos sentir num enorme parque de diversões, apropriado para menores de 5 anos de idade. Encontramos a esfera espelhada gigante de Bruno Peinado (“Sans Titre, Silence is sexy, n°3/3”, 2004-2009), o “POF Shop” (1999 – 2009) de Patrice Hyber, onde cada objecto da vida diária é mutante, como um carro com duas frentes, uma bola de futebol rectangular, o Arco do Triunfo dourado de Mircea Cantor, a revisitação da griffe de Fontana a verde e com 10 metros de altura de Virginie Yassef, um enorme contentor industrial em forma de instalação, um mundo em que esculturas, tags e vídeo fazem parte de um Modern Circus (2009) de Fabien Verschaere, que como explica uma “mediadora cultural” a um visitante: “Tem que ter em conta que este artista é anão”. Podemos ver também o cubo negro gigante que por minutos faz pensar na Caba não realizada por Gregor Schneider em Veneza, “The Outland” (2009) de Fabien Giraud e Raphaël Siboni, um enorme simulador fechado, uma das raras boas surpresas na forma de instalação sonora e visual, onde o equilíbrio entre os dois sentidos é conseguido. Resta um destaque à obra poética de Pascal Convert, “Le temps scellé, Joseph Epstein et son fils” (2009) em que uma cristalização do tempo aparece como o único lugar de repouso na histriónica exposição colectiva. Uma escultura catre onde pai e filho parecem sobreviver religiosamente como os mortos de Pompeia num mundo em hecatombe. Pascal Convert trabalha sobre a memória colectiva, aqui sob o nome de Joseph Epstein, herói da resistência judaica na Segunda Guerra Mundial que parece encerrar na sua imagem o que os glaciares contarão da nossa presença na terra. Esta epopeia monumental tem o seu ponto culminante na obra do artista chinês Wang Du, “International Kebab”, uma torre de 3 andares em andaimes de construção que domina toda a exposição. No centro desta torre uma montanha de imagens da China contemporânea (fotografadas pelo autor) rodopia num espeto gigantesco tal como a carne nos Kebabs, e o público é convidado a cortar com enormes facas de cozinha os ângulos desta pilha centrífuga de informação invisível. Uma obra pobre em conteúdo, tanto visual como conceptual, em que é permitido ao público, principiante na aventura da arte contemporânea, um prazer, que não chega a ser sádico. O gesto é ridículo já que a acção de cortar os ângulos dos cartazes, onde as fotografias estão ampliadas, não permite vê-las pois são centenas e estão comprimidas. A ideia de dar uma “facada na informação” fica assim sem efeito. Pela cidade Temos Pierre et Gilles na Igreja de Saint Eustasche e Anette Messager no Palais de la Découverte. Bertrand Lavier diverte-se a transformar o relógio suiço da Torre Eifel, num jogo de luzes inesperado, e Orlan expõe uma “pièce de résistence”, apresenta-se como alien, uma escultura em cera no Museu Grévin, sendo esta a cereja em cima do bolo! Como poderemos acreditar neste esforço voluntário do governo francês em democratizar o acesso à arte contemporânea, empregando dezenas de “mediadores culturais” (guias de exposição gratuitos) e comissariando obras com uma tal escala que após a desmontagem da exposição cabe perguntar: Onde poderão ficar armazenadas? Arte que deveria ser aquilo que pressente o futuro e as suas mutações de forma inteligente e que, aqui mesmo, quando protagonizada por artistas com um percurso interessante, não passa, salvo raras excepções, de um divertido jogo de volumes num enorme Luna Park. Serão as palavras colocadas na boca da actriz Julie Depardieu as que se passeiam na cabeça do executivo francês? Sílvia Guerra Paris La Force de l’Art 02 GRAND PALAIS, Paris 24 de Abril a 1 de Junho 2009 |