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ARTECAPITAL.NET_ 7 Debates na Arte Lisboa 06


ARTECAPITAL.NET_ 7 Debates na Arte Lisboa 06


A arte de coleccionar Arte. Participantes: Pedro Lapa, Gill Hedley, Filipa Oliveira e Anísio Franco. Dia 10 (6ª f), 18h00


Fotografia: políticas e práticas. Participantes: João Mário Grilo, Horacio Fernández, Alexandre Pomar, José Maçãs de Carvalho, Rui Prata, Pedro Letria e Delfim Sardo. Dia 10 (6ª f), 19h45


Artistas emergentes e curadores. Participantes: João Leonardo, Maria do Mar Fazenda, João Silvério, Pedro Barateiro e Ricardo Nicolau. Dia 11 (Sáb.), 16h30


Arte Digital e Media Art. Participantes: Fernando José Pereira, Pedro Cabral Santo, Maria da Luz Nolasco, Joclécio Azevedo Mário Vairinhos e João Raposo. Dia 11 (Sáb.), 18h00


Como trabalhar a dicotomia periferia-centro. Participantes: Deepak Ananth, Isabel Carlos e Jürgen Bock. Dia 11 (Sáb.), 20h00

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EM SÍNTESE: ARTECAPITAL.NET_ 7 DEBATES NA ARTE LISBOA 06



ARTECAPITAL

2006-11-13




A Arte Lisboa (Feira de Arte Contemporânea) voltou a realizar-se na FIL de 08 a 13 de Novembro. À semelhança do que tem acontecido em edições anteriores, este ano contou com uma programação de iniciativas culturais paralelas de que os Debates organizados pela ARTECAPITAL foram parte integrante. Com uma calendarização que se iniciou no dia 09, prolongando-se até dia 11, acabaram por revelar-se um sucesso, na medida em que tiveram o mérito de captar um número significativo de público - que assumiu, em muitos casos, uma postura activa ao longo dos 7 painéis. Para quem não teve oportunidade de assistir, deixamos uma síntese do que se passou.


PORTUGAL, ESPANHA e BRASIL: 3 PAÍSES PARA UM PROJECTO
Coordenação: Paulo Reis e David Barro
Convidados: Albano Afonso, Álvaro Negro e Pedro Calapez
Dia 09, (5ª f), 18h00


“A Dardo, como todos os projectos editoriais, é um tanto suicida”

O debate inaugural do ciclo que decorre na Arte Lisboa – Feira de Arte Contemporânea sob a responsabilidade da ARTECAPITAL.NET teve como assunto o projecto da revista Dardo, publicação quadrimestral a cargo do crítico espanhol David Barro e do brasileiro Paulo Reis que visa, essencialmente, a criação de um intercâmbio cultural entre Portugal, Espanha e Brasil. A mesa, coordenada pelos citados directores da publicação periódica, contou com a presença do artista brasileiro Albano Afonso, do espanhol Álvaro Negro e do português Pedro Calapez.

Por forma a introduzir os fundamentos do projecto, Paulo Reis começou por incidir a atenção da audiência na sua trajectória enquanto crítico de arte e na sua relação com Portugal, explicitando, no que a esses dois eixos de discurso se refere, o papel que Marcantonio Vilaça como galerista desempenhou, uma vez que parte da actividade deste foi dedicada àquilo que o próprio Paulo Reis considerou ser “um trabalho notável com os artistas portugueses (…).” Paralelamente, também se afirmou relevante para o fortalecer de relações com Portugal o facto de ter convidado artistas portugueses a exporem no museu que dirigia e de, mais recentemente, ter organizado no Brasil um seminário com 20 críticos portugueses e 4 espanhóis, tendo sido o mesmo sugestivamente intitulado “Uma ponte para o futuro”.

Assim, como resposta ao convite de David Barro, e na sequência dos conhecimentos adquiridos no que à cena portuguesa e suas relações com Brasil e Espanha se refere, Paulo Reis investiu na criação de uma revista que, para fazer uso de alguns dos seus termos, tem por objectivo contemplar a criação artística portuguesa, espanhola e brasileira num contexto universal, isto é, a revista não se propõe apenas a tratar dos artistas destes países, mas antes a promover uma ligação entre o que é intra e extramuros.

David Barro, para além de igualmente ter salientado as suas ligações a Portugal – tendo mesmo frisado conhecer melhor a arte portuguesa que a espanhola –, afirmou que a Dardo Magazine é somente o primeiro produto da Dardo DS, editora que se propõe lançar uma série de monografias referentes a artistas dos três países citados, sendo o primeiro respeitante ao trabalho de Albano Afonso. O crítico de arte espanhol mostrou-se surpreendido pelo apoio que tem sido concedido por parte de galerias privadas, já que, como afirma, “A Dardo, como todos os projectos editoriais, é um tanto suicida. Fazer uma revista, ainda que seja três vezes ao ano, com 208 páginas a cores, em três idiomas [português, espanhol e inglês], com bons tradutores, pagando todos os textos aos críticos que escrevem, facto que tão-pouco é habitual nas publicações, e conseguir que isso não seja a ruína do editor não é fácil.”

Albano Afonso, na linha do que vinha sendo o enfoque de David Barro, colocou em evidência o facto dos mercados português e espanhol terem um raio de amplitude reduzida no Brasil e, por outro lado, o facto deste último país carecer de uma máquina editorial capaz de suprir a ausência de monografias sobre artistas, numa clara alusão à importância de que se reveste, no seu entender, uma publicação como a da Dardo DS.

Em resposta à problemática lançada por David Barro sobre a evidência de que muitas vezes a consagração efectiva no mercado português só ocorre quando um artista alcança visibilidade no estrangeiro, Pedro Calapez optou por expor o conhecimento empírico que tem derivado da sua trajectória, especialmente, em Espanha. Destacou, deste modo, o prémio que lhe concedido pela Fundação Miró, em Maiorca, uma vez que, como o próprio afirma, “corresponde a um ponto de entrada em Espanha”.

A intervenção de Álvaro Negro, a última do painel de oradores convidados, para além de ter retornado à questão que reclama a criação de pontes entre Portugal, Espanha e Brasil, incidiu sobre a problemática da existência ou não de fronteiras locais, nacionais ou continentais que condicionam o circuito cultural na contemporaneidade, problemática essa que acabou por definir, em jeito de mote, a discussão de conjunto a que todos no final se prestaram.




Ekphrasis: Entre o verbo e a figuração plástica, re-construção dos sentidos
Coordenação: Dália Dias
Convidados: André Ruivo Matias, Fernando Luís Sampaio, João
Jacinto e Maria Manuel Baptista
Dia 09 (5ª f), 19h45


“Depois, há duas coisas que na pintura não me interessam: é a palavra e a imagem”

Subordinado ao termo ekphrasis – artifício literário e/ou retórico cujos alicerces conceptuais se fundam na ideia de que a descrição minuciosa de um objecto por parte de um qualquer emissor (poeta, escritor, etc.) – através de uma imagem verbal/textual, portanto – permite ao receptor (leitor, espectador, etc.) a criação de uma imagem mental o mais adequada possível ao que foi descrito –, o segundo debate do ciclo de sete, coordenado por Dália Dias (investigadora da Universidade de Aveiro), teve como oradores convidados Maria Manuel Baptista (professora de Cultura Portuguesa na Universidade de Aveiro), André Matias (doutorando em Cultura), João Jacinto (pintor) e Fernando Luís Sampaio (poeta).

Na tentativa de introduzir em traços sucintos aquilo que são as suas preocupações teóricas no que respeita à ekphrasis, Dália Dias “definiu” o conceito, rudimentarmente, como descrição, concedendo assim aos convidados de pendor mais académico a possibilidade de o caracterizar de forma alargada. Tanto Maria Manuel Baptista como André Matias, em função da sua formação de base, reflectiram a ekphrasis de uma perspectiva marcadamente académica, optando a primeira por tratar o problema pelo recurso à filosofia heideggeriana e o segundo pelo recurso à etimologia e diacronia do termo.

Terminadas as intervenções relativas à recepção – isto é, as de Maria Manuel Baptista e André Matias –, passou-se às que diziam respeito à emissão. A contracorrente do pressuposto no título e anteriores intervenções do debate, João Jacinto interveio de forma muito breve apenas para manifestar o seu total alheamento face ao tema em análise: “Eu vim aqui parar por convite sem saber muito bem o que é que ia acontecer. E até um pouco espantado pelo convite, porque as questões ligadas à arte não me interessam grandemente. Nunca quis ser artista, o que me interessa é a pintura e é isso que eu tento ser, é ser pintor. (…) Outra situação que para mim é algo estranha ao estar aqui, é que estou aqui a representar uma coisa, ou seja, eu estou aqui não estando, porque eu estou aqui como pintor que só existe nas pinturas que aqui não estão, portanto não sei muito bem o que é que aqui estarei a fazer nesse sentido, mas tentarei estar o melhor possível. Depois, há duas coisas que na pintura – eu estou a falar enquanto pintor, obviamente, e enquanto pintor que não tem de ter razão – não me interessam: é a palavra e a imagem. Portanto, por essa razão também, poderei ser uma presença insólita, aqui, nesse aspecto.”

Logo após o discurso do apelidado, por Fernando Luís Sampaio em tom de gracejo, “elemento perturbador”, o poeta, recolocando a questão no devido eixo, propôs que se redefinisse a noção de ekphrasis tendo por base o conceito deleuziano de rizoma, uma vez que este se apresenta, no seu entender, mais adequado, em termos de abrangência semântica, às práticas artísticas contemporâneas. Desta forma, criticou as duas primeiras intervenções ao afirmar que ficaram em “concepções demasiado clássicas do conceito”, embora André Matias, numa abordagem não tão circunscrita quanto isso, já tivesse colocado em evidência o facto de “qualquer descrição ser necessariamente uma interpretação, na medida em que aquele que descreve selecciona e organiza subjectivamente uma infinita variedade de aspectos do fenómeno. Deste modo, a ekphrasis não poderá ser apenas um mero descrever das configurações de uma dada obra de arte visual (…).”




A arte de coleccionar Arte
Coordenação: Filipa Oliveira
Convidados: Anísio Franco, Gill Hedley e Pedro Lapa
Dia 10 (6ª f), 18h00


“The second thing that makes a good collector is making mistakes”

Ao contrário dos dois anteriores, o terceiro debate, para o senso comum, elucidativamente circunscreveu no título – A arte de coleccionar Arte – o propósito em que se enformou: se no imediato remeteu o leitor para o coleccionismo, no mediato remeteu-o para a recorrente noção de curadoria, ou seja, não foi sobre o coleccionismo per si que se incidiu, mas antes sobre o coleccionismo como prática curatorial. Sob o ponto de vista do estado do coleccionismo na Grã-Bretanha, Gill Hedley (ex-directora da Contemporary Arts Society de Londres) destacou a crise em que se encontra este ramo essencial do sistema de arte contemporânea, o facto da colecção da Tate Modern ser de nível inferior, por exemplo, à do Museum of Modern Art (MOMA) e à do Centro Georges Pompidou e a importância de que se reveste neste momento a Frieze Art Fair.

Para além de ter convidado Gill Hedley com o intuito de colher algum feedback da cena artística britânica no que aos aspectos do coleccionismo diz respeito, Filipa Oliveira (comissária independente), coordenadora da mesa, convidou ainda Pedro Lapa (director do Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea e um dos três comissários da Ellipse Foundation) e Anísio Franco (historiador de arte e responsável de comunicação do Museu Nacional de Arte Antiga [MNAA]), oradores que, embora tratando o assunto em causa de uma perspectiva institucional – o primeiro explicitou os pressupostos fundadores e estratégia curatorial da Ellipse e o segundo traçou o quadro evolutivo do acervo do MNAA –, se ocuparam, respectivamente, do coleccionismo privado (no domínio da arte contemporânea) e público (no domínio da arte antiga).

Na abertura do debate ao público, Filipa Oliveira questionou Pedro Lapa sobre a forma como os comissários da Ellipse Foundation lidam com o factor risco nas aquisições, aspecto que perpassou da intervenção inicial do director do Museu do Chiado: “[Pedro Lapa:] A Gill [Hedley] disse também algo de bastante bonito: todas as colecções se fazem com erros, o risco faz parte, os erros fazem parte.” Gill Hedley, na sua segunda intervenção, quando estimulada por uma pessoa na assistência, acabou por admitir a centralidade da questão relativa às doações de obras, por privados, em favor dos espaços museológicos: “That is the clever question, the sixty-four-thousand-dollar question.”




Fotografia: políticas e práticas
Coordenação: José Maçãs de Carvalho
Convidados: Alexandre Pomar, Delfim Sardo, Horacio Fernández, João Mário Grilo, Pedro Letria e Rui Prata
Dia 10 (6ª f), 19h45


“Parece-me que sempre que se fala de fotografia se está a abrir um saco de gatos”

Tendo como enfoque a fotografia – não apenas na vertente prática, mas também na vertente promocional –, o debate, sob a coordenação de José Maçãs de Carvalho (fotógrafo), foi constituído por um leque heterogéneo de personalidades, isto é, umas, em sentido estrito, ligadas à fotografia enquanto forma de expressão plástica e outras, em sentido amplo, enquanto agentes encarregues da sua divulgação: João Mário Grilo (cineasta e investigador); Horácio Fernández (historiador e director, nos últimos três anos, da Photo España); Alexandre Pomar (crítico de arte); Rui Prata (director dos Encontros da Imagem de Braga); Pedro Letria (fotógrafo e professor universitário); e Delfim Sardo (comissário e professor universitário).

Inicialmente abordou-se o fotográfico tendo por base os seus mecanismos de promoção. Sobre esse tópico de discurso recorreu-se, em primeiro lugar, ao testemunho de Horácio Fernández, que ao contextualizar o caso espanhol concedeu a possibilidade de enquadramento bastante para que fossem colocados em análise, no respeitante ao caso português, os modelos de festival – pelo recurso à intervenção de Rui Prata – e respectivas rupturas – pelo recurso à intervenção de Delfim Sardo. Embora tenha sido protagonista da ruptura com o modelo de festival dos Encontros de Fotografia de Coimbra, ao comissariar o Projecto Mnemosyne, Delfim Sardo assume-se como alguém cuja opinião relativamente à fotografia é sobremaneira crítica: “Parece-me que sempre que se fala de fotografia se está a abrir um saco de gatos no qual cabem desde a minha prática quando tiro fotografias em casa até à fotografia aborrecida de arquitectura, como dizia o Horácio [Fernández], passando por todas as experimentações fotográficas feitas por pessoas que se dizem fotógrafos, outras dizem que não são fotógrafos, outras que se situam como artistas, outras que são jornalistas, portanto é um saco de tal maneira amplo que não corporaliza nenhum conceito operativo (…).”

Contrapondo a posição de Delfim Sardo no que concerne à natureza multifacetada da produção fotográfica, Alexandre Pomar principiou a sua intervenção notando a especificidade temática do debate: “É engraçado que se faça na feira um colóquio único sobre uma actividade específica, a fotografia, não havendo outras áreas que sejam autonomizadas ou especificadas. Por outro lado, estamos num mercado de arte onde a fotografia tem uma presença não diria esmagadora, mas extremamente extensa. E neste lugar onde a fotografia ganhou espaço de mercado e ganhou espaço entre as práticas artísticas é posta em discussão a especificidade da difusão da fotografia através de festivais, que são outra coisa ou, quer dizer, que justificam que a fotografia tenha várias vidas possíveis. A expressão do saco de gatos é óptima, a fotografia deve ser – é, sempre foi – este saco de gatos onde tudo coexiste. Quer dizer, as fotografias que amanhã nos jornais trarão fotografias da feira de arte são fotografia, as dos artistas que usam fotografia são fotografia e é essa indefinição epistemológica que sempre foi produtiva (…)”.

José Maças de Carvalho solicitou a Pedro Letria que desse conta da sua experiência no ensino da fotografia, aspecto este que, ao estar relacionado com a prática ou teoria da fotografia em contexto universitário, alcançou algum eco quando João Mário Grilo, recordando o que havia dito Alexandre Pomar, afirmou a modo de sumário do problema: “Eu devo dizer que sou sensível àquilo que o Alexandre Pomar disse, já quase em nota de rodapé na intervenção dele, a propósito da investigação sobre a fotografia, que é um tema que eu acho que se liga completamente com o essencial do que aqui está em jogo. Que é: como é que a fotografia circula em Portugal?”




Artistas emergentes e curadores
Coordenação: João Silvério
Convidados: João Leonardo, Maria do Mar Fazenda, Pedro Barateiro e Ricardo Nicolau
Dia 11 (Sáb.), 16h30


“[Emergência, s.f.:] «na linha de crescimento normal de um organismo vivo»”

Porque o tema delimitado assim o permitia, João Silvério (comissário) convidou para o debate por si coordenado artistas e comissários cujas trajectórias se pudessem considerar breves ou, por outro lado – e para utilizar um dos termos mais discutidos durante a sessão –, emergentes. Deste modo, do grupo de oradores faziam parte: João Leonardo (vencedor do Prémio EDP Novos Artistas 2005), Pedro Barateiro (mestre em Artes Visuais pela Malmo Art Academy, Suécia), Maria do Mar Fazenda (comissária independente) e Ricardo Nicolau (adjunto do director do Museu de Serralves e programador, em representação da Culturgest, do Chiado 8 Arte Contemporânea).

Questionados por João Silvério sobre a abrangência do termo emergente quando aplicado a um artista – isto é, se o mesmo significa artista jovem cujo trabalho alcançou aceitação crítica ou artista, independentemente da idade, cujo trabalho conseguiu ser legitimado –, Pedro Barateiro e Maria do Mar Fazenda admitiram a ambiguidade da terminologia, embora o primeiro, socorrendo-se da definição de emergência no dicionário, encontre alguns paralelismos com o que foi a sua experiência enquanto artista que um dia emergiu (ou, será mais avisado dizer, com o que é a sua experiência enquanto artista que continua a emergir?): “Acho que é sintomático quando se fala de artista emergente pensar numa questão de emergência que pode estar ligada a uma ideia, que eu acho que é muito contemporânea, [de que] as coisas estão constantemente a precipitar-se sobre elas próprias e a explicação que eu vi no dicionário achei muito interessante e passo a ler: emergência pode-se definir como “acto de emergir; aparecimento; nascimento; sucesso inesperado; incidente; passagem de uma fórmula de comportamento para outra” e ainda, a que eu achei mais interessante, “na linha de crescimento normal de um organismo vivo”, ou seja, (…) consegui-me rever perfeitamente nisso.”

Quando alargada a Ricardo Nicolau e João Leonardo, a discussão deixou de orbitar, simplesmente, em torno da dificuldade em delimitar a noção de artista emergente para se fixar antes na dicotomia artista/comissário, ou seja, qual o raio de acção de um e de outro quando os dois coexistem? Se a posição de João Leonardo é sobremaneira crítica face ao comportamento de certos comissários – “O curador deve ser uma figura que está entre o artista e o público e o que eu vejo com mais frequência sobretudo com os curadores profissionais é que têm uma vontade de protagonismo que quase se sobrepõe ao artista (…)” –, a de Ricardo Nicolau, em sentido inverso ao afirmado supra pelo artista, reflecte algum receio em condicionar a forma mentis – e, por conseguinte, o modus operandi – do artista: “(…) e eu estava a explanar [ao Francisco Tropa] aqueles receios de que vos falava há pouco: tenho sempre algum pudor em estar a impor uma grelha de pensamento ao artista ou tenho sempre algum pudor de estar a utilizar o artista para ilustrar uma teoria ou um pensamento (…).”




Arte Digital e Media Art
Coordenação: Maria da Luz Nolasco
Convidados: Fernando José Pereira, João Raposo, Joclécio Azevedo, Mário Vairinhos e Pedro Cabral Santo
Dia 11 (Sáb.), 18h00


“Toda a arte é interactiva”

“Referenciar em termos do material, o trabalho realizado em suporte digital, não analógico, mas numa programação lógica e algorítmica no contexto português face também ao internacional. Dar visibilidade a lógicas de trabalho artístico que ultrapassam os cânones da estética da representação da realidade e que se reposicionam duma forma artística e numa circulação linear fora do tempo” – assim sintetizou Maria da Luz Nolasco, directora do Teatro Aveirense, os desígnios do debate, tendo de seguida passado à apresentação dos convidados: João Raposo, artista plástico e freelancer nas áreas do design e multimédia; Mário Vairinhos, mestre em Arte Digital pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e docente da Universidade de Aveiro; Pedro Cabral Santo, artista plástico e docente da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha; Fernando José Pereira, artista plástico e docente da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto; e Joclécio Azevedo, coreógrafo e director artístico do Núcleo de Experimentação Coreográfica.

Embora tendo-se auxiliado também do seu próprio trabalho, como o fizeram Joclécio Azevedo e João Raposo, enquanto exemplum da obra de arte digital – ou, mais de acordo com o que é a sua visão deste fenómeno, da obra de arte interactiva –, Mário Vairinhos optou, em simultâneo, por abordar o tema em debate de uma perspectiva teórica: “Eu acho que [arte digital] começa por ser um nome um pouco problemático e confuso. Penso que [o que] poderia melhor definir uma arte que tem uma componente tecnológica muito grande, a este nível, seria uma arte interactiva. (…) Essencialmente, a síntese que eu faço dos autores que estudam mais a arte dita digital, é a de que [esta] tem uma dimensão quase revolucionária, sobretudo marcando uma grande diferença com a arte tradicional. Há uma modificação segundo os autores contemporâneos, como Roy Ascott, Pierre Lévi [entre outros], em que todos eles acham que vivemos uma época extraordinária em que, pela primeira vez, o sujeito entra para dentro da obra e perde-se aquela distância que definia a arte (…)”

Ainda que se assumissem em conformidade com o que afirmara Mário Vairinhos a respeito da inexactidão ou inadequação do termo digital quando aplicado à arte, já no que toca à proposta deste relativamente à troca da terminologia arte digital por arte interactiva, Pedro Cabral Santo e Fernando José Pereira não se mostraram satisfeitos quanto à precisão desta “nova” classificação, uma vez que de acordo com o primeiro: “Quando se está a falar em tecnologias digitais usa-se a palavra interactividade insistentemente (…), como se tudo o resto não fosse interactivo. Um grande amigo meu diz que a coisa mais interactiva que conhece é o menu de um restaurante. E eu também concordo. Toda a arte é interactiva. Isto é um pouco como a arte conceptual: ou toda a arte é conceptual ou não há arte conceptual de todo (…).”




Como trabalhar a dicotomia periferia-centro
Coordenação: Isabel Carlos
Convidados: Deepak Ananth e Jürgen Bock
Dia 11 (Sáb.), 20h00


“The center is where you get visibility.”

Recordando de perto a reflexão de que se ocupou Alexandre Melo na sua dissertação de doutoramento, tendo a mesma ficado inscrita no título desse estudo – O lugar de Portugal no mundo da arte contemporânea: nem centro nem periferia –, o último debate ocorrido na edição deste ano da Arte Lisboa contou com a presença de Isabel Carlos, comissária, Jürgen Bock, director da Maumaus – Escola de Artes Visuais e docente da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e Deepak Ananth, historiador de arte e comissário que tem publicado monografias de artistas como Pierre Bonnard, Henri Matisse ou Anish Kapoor. Aquando da apresentação dos seus dois convidados, Isabel Carlos, apropriando-se da curiosa observação de Deepak Ananth em privado, notou que Jürgen Bock, por ter nascido na Alemanha, é originário do centro, Deepak Ananth, por ter nascido na Índia, é originário da periferia, enquanto que ela própria, por ter nascido em Portugal – como nos indica o título da citada dissertação de Alexandre Melo –, não é originária nem do centro nem da periferia.

Quando questionado por Isabel Carlos sobre o tema central do debate – a dicotomia periferia/centro –, Deepak Ananth colocou em evidência o facto de ambos os fenómenos primarem pela intermitência ou, simplesmente, pela mutabilidade – isto é, o que hoje é periferia amanhã pode deixar de o ser e vice-versa. Como exemplo desta mutabilidade, inequivocamente adstrita à diacronia socioeconómica, citou o caso da Índia, país que tem vindo, no seu entender, desde a década de 90 – fruto da abertura ao investimento estrangeiro – a ganhar terreno relativamente a outros no que se refere ao aparecimento de novos artistas. No entanto, o historiador de arte de origem indiana julgou ainda ser pertinente referir que não raras vezes o trabalho desses artistas reflecte preocupações inerentes ao conceito de globalização, facto aliás que obteve alguma ressonância junto de Isabel Carlos, já que esta, de imediato, questionou Deepak Ananth sobre a ausência de referências dos artistas indianos relativamente à arte ocidental.

No momento em que ao debate se juntou o outro interveniente – Jürgen Bock –, a questão da dicotomia periferia/centro desvinculou-se dos problemas referentes ao caso indiano para se fixar antes – e como seria de esperar – no caso português, embora em constante analogia com o germânico. Jürgen Bock confessou ter-lhe ficado na retina, aquando da sua visita a Portugal nos anos 90, uma imagem bastante desfocada do país: “I must say when I got here, at the beginning of the nineties, I found it quite peripherical.” Contudo, a imagem criada inicialmente no que respeita ao posicionamento periférico de Portugal foi, a curto/médio prazo, sendo focada devido à receptividade de determinadas entidades face aos projectos apresentados, acontecimentos estes que precipitaram a mudança de residência de Jürgen Bock e comprovaram a ideia de Isabel Carlos: “The center is where you get visibility.”